Os contratos de adesão servem de base para as relações comerciais massificadas há muito tempo. No entanto, o surgimento dos contratos inteligentes (ou smart contracts) está transformando esse cenário empresarial. Este artigo explora as oportunidades e os desafios que as empresas enfrentam ao adotar essas duas formas de contrato.

Analisaremos como os contratos inteligentes podem promover eficiência, transparência e automação, ao mesmo tempo que apresentam desafios em termos de segurança, conformidade e interoperabilidade.

Ao compreender as nuances e implicações dessas duas abordagens contratuais, as empresas podem tomar decisões fundamentadas sobre como melhor satisfazer suas necessidades comerciais em mercados em constante evolução.

Vamos começar esclarecendo o que são contratos de adesão e contratos inteligentes.

Contratos de adesão

Nos contratos com a natureza de adesão, um contratante manifesta seu consentimento sobre um bloco de estipulações do negócio jurídico feito pelo outro contratante, sem a possibilidade de modificar cada estipulação individualmente.[1]

Esses contratos são uniformes e predefinidos. Apresentam uma oferta previamente estabelecida, uma proposta permanente e generalizada, além da preponderância econômica de uma das partes contratantes. Demonstram escassa ou nenhuma flexibilidade, já que as cláusulas são fixas e a parte aderente pode apenas aceitá-las ou rejeitá-las.

Os artigos 113, inciso IV, 423 e 424 do Código Civil e 190, parágrafo único, do Código de Processo Civil trazem regramento geral para esses contratos. Esses dispositivos estabelecem a interpretação de cláusulas em favor do aderente, proíbem a renúncia antecipada a direitos e asseguram aos juízes o controle de validade de negócios jurídicos processuais inseridos em contratos de adesão.

Entre as estipulações em legislação especial, destaca-se o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com esse artigo, o contrato de adesão em relações de consumo se configura quando cláusulas são aprovadas pela autoridade competente ou impostas pelo fornecedor de bens ou serviços, sem que os consumidores possam modificar seu conteúdo.

Se por um lado, os contratos de adesão proporcionam agilidade às trocas nas relações de consumo, por outro, excluem o consumidor da possibilidade de negociar condições e cláusulas.

O contrato de adesão apresenta diversas vantagens do ponto de vista comercial, pois garante a adoção de cláusulas específicas e oferece maior segurança e redução de despesas. Entre as vantagens dos contratos de adesão, destacam-se:

  • agilidade na contratação, permitindo ao consumidor obter bens e serviços em menor prazo;
  • uniformização do atendimento, o que facilita a organização e a rapidez na resposta ao consumidor;
  • simplificação da gestão dos contratos pelo fornecedor, com consequente economia de custos;
  • melhor controle para o fornecedor dos riscos contratuais, incluindo o planejamento de fundo de contingências;
  • facilidade de verificar as condições da empresa fornecedora nos procedimentos de auditoria, simplificando o processo de obtenção de financiamento.[2]

Atualmente, os contratos de adesão são amplamente utilizados devido à larga escala do mercado consumidor. Eles podem ser facilmente ajustados para diversos setores, como planos de saúde, seguros, transporte, licenciamento de software, serviços de viagem e hospedagem, serviços bancários, compras coletivas de produtos e serviços on-line e prestação de serviços por meio de aplicativos para celulares, entre outros.

Esses contratos são conhecidos por vários nomes, como termos de uso, regulamento, licença de uso, formulário, proposta ou manual de uso.[3]

Contratos inteligentes

Os contratos inteligentes compartilham algumas características dos contratos de adesão, mas seu escopo é muito mais amplo. Eles servem para automatizar não somente a celebração do contrato, mas também sua própria execução.

Essa nova modalidade contratual propõe tanto a aceitação virtual e automatizada de condições predefinidas, como emprega softwares, algoritmos e inteligência artificial para executar e viabilizar o cumprimento de ordens predeterminadas.

São, portanto, automáticos e autoexecutórios. Adotam um protocolo de transação baseado em tecnologia para diminuir a necessidade de intermediários e o risco de fraudes, além de reduzir os custos envolvidos na transação.[4]

Essa modalidade contratual decorre do avanço tecnológico, que, ao mesmo tempo em que gera múltiplos benefícios e conveniência, apresenta desafios jurídicos, como a necessidade de proteger dados e enquadrar juridicamente as criptomoedas e a internet das coisas.

Da mesma maneira, as interações contratuais entre empresas e consumidores enfrentam novos desafios gerados pelo desenvolvimento tecnológico, o que abre espaço para a utilização de contratos inteligentes.

De acordo com relatórios e análises de mercado, o uso de contratos inteligentes tem aumentado em setores como finanças, cadeia de suprimentos, logística, imóveis e até mesmo em aplicações governamentais.[5]

Empresas e organizações estão explorando ativamente o potencial dos contratos inteligentes para automatizar processos, reduzir custos e aumentar a eficiência.[6]

O mercado global de contratos inteligentes foi avaliado em US$ 315,1 milhões em 2023 e espera-se que atinja US$ 1,4 bilhão até 2030, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 24,2% de 2024 a 2030.[7]

Embora se trate de tema em constante evolução, atualmente os contratos inteligentes são elaborados de forma a traduzir comportamentos humanos em códigos de programação. Esses códigos controlam a própria execução da prestação obrigacional, o que reduz a discricionariedade humana no cumprimento das obrigações do contrato.

A automação contida nessa modalidade de contrato pode contribuir muito para mitigar o risco de inadimplemento contratual, já que não apenas age para evitar o descumprimento, como deflagra automaticamente os remédios contratuais e legais na hipótese de inexecução da obrigação.[8]

Para garantir a execução dos contratos inteligentes, é necessário utilizar a tecnologia blockchain. As informações registradas no blockchain são verificadas e armazenadas em diversas fontes. Após registradas, não podem ser alteradas devido à criptografia.[9]

Segurança jurídica

A segurança jurídica desses contratos pode ser constatada em pelo menos três de suas características:

  • o uso do blockchain assegura que as informações sejam registradas de forma imutável, dispensando medidas de conservação do contrato, como o lançamento no Registro de Títulos e Documentos, além de impedir falsificações;
  • redução de riscos de inadimplemento, já que os contratos inteligentes se autoexecutam e deflagram remédios em caso de descumprimento; e
  • dispensa de intervenção estatal ou de intermediação de instituições financeiras, o que evita regulações complexas normalmente aplicáveis aos demais contratos.

Graças à maior segurança jurídica proporcionada por essa tecnologia inovadora, os contratantes conseguem reduzir custos que teriam com cartórios, advogados, seguros, fianças, garantias reais, tributos, tarifas bancárias, despesas processuais e multas, entre outros.

Como o protocolo contratual está traduzido num algoritmo e registrado digitalmente, a máquina pode ser programada para monitorar o cumprimento da obrigação e adotar medidas predefinidas.

Aplicação em diversos setores

A lógica é a mesma de uma vending machine em que a bebida só será entregue com o depósito do dinheiro na máquina. Nos contratos inteligentes, porém, existe potencial para que o monitoramento e a execução automatizada de obrigações se aplique também a transações de alta complexidade, como operações financeiras, o que já é uma realidade no caso das criptomoedas.[10]

Estudos apontam que esse tipo contratual poderá ser utilizado em diversos outros setores, como na contratação de seguros em que haja o pagamento do prêmio, na regulação e no recebimento de indenizações pela internet ou para reserva de hotéis, em que o próprio contrato controlará o envio ao hóspede de um código para acessar o local pelo período contratado.

Já no agronegócio, um contrato inteligente de exportação de grãos contendo cláusulas relacionadas ao nível de umidade máxima permitida poderá verificar, por meio de um equipamento conectado à internet, se a obrigação foi cumprida. Com isso, será possível liberar ou restringir automaticamente o embarque dos grãos com base nos dados registrados no blockchain.

Da mesma forma, no setor de energia e combustível, os contratos inteligentes podem automatizar a medição do gás nos pontos de entrega e recebimento, a emissão de documentos exigidos pelos órgãos de controle, além de regular a aplicação das taxas de câmbio acordadas em contrato, como indicado por um estudo que entrevistou gestores de grandes companhias do mercado de gás natural no Brasil em 2018.[11]

Os contratos inteligentes não buscam modificar a dinâmica contratual existente, que já vem sendo automatizada em larga escala. Seu diferencial é a capacidade de automatizar decisões com base no cumprimento ou descumprimento das obrigações contratuais. De acordo com a situação, o sistema executa automaticamente a próxima etapa do contrato assim que uma obrigação é identificada como cumprida ou aciona o remédio contratual cabível quando é constatado o descumprimento.

Esses contratos, no entanto, ainda não estão devidamente regulados. Não há legislação atualmente que discipline o uso desse tipo de tecnologia e os efeitos que sua utilização pode gerar. Além disso, alguns temas sobre a utilização desses tipos de contratos ainda precisam ser aprofundados.

Um exemplo é a definição das responsabilidades por eventual falha interpretativa e a definição sobre qual linguagem prevalece: a contratual escrita ou a utilizada para programação. Isso se torna especialmente relevante em negociações nas quais equipes técnicas tenham se dedicado largamente à programação do contrato inteligente.

O uso de linguagem de programação levanta, ainda, dúvidas sobre o pleno entendimento dos termos contratuais e sobre a declaração de vontade daí decorrente, em especial se uma das partes estiver em posição de vulnerabilidade.

Campos distintos para cada modalidade

A exemplo do propósito original dos contratos de adesão, os contratos inteligentes também buscam inovar a relação com o consumidor e propiciar um ambiente mais previsível e seguro para a realização de negócios.

Embora no futuro eles possam vir a preponderar – em boa medida, por exemplo, por meio da automação de contratos de adesão –, atualmente essas duas modalidades contratuais têm campos de atuação distintos.

Enquanto os contratos de adesão podem ser utilizados mais largamente, já que são aplicáveis às relações comerciais massificadas, cada vez mais recorrentes, os contratos inteligentes despontam como alternativa para relações contratuais complexas. Casos em que se justifique investir em solução jurídica sofisticada capaz de reduzir riscos de inadimplemento e, assim, oferecer aos contratantes maior previsibilidade de que o contrato será executado tal como contratado.

 


[1] ROSA, Josimar Santos. Contrato de adesão. São Paulo: Atlas, 1994.

[2] ZANETTI, Andrea Cristina; TARTUCE, Fernanda. A interpretação das cláusulas do contrato de adesão pelos princípios da boa-fé e equilíbrio nas relações de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 25, n. 106, p. 381-409. jul./ago. 2016.

[3] Ibidem.

[4] NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha; MAMED, Kaue. Os smart contracts como originadores de criptoativos. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v. 23, n. 89, p. 97-116. jul./set. 2020.

[5] ROCHA, Matheus. Contratos inteligentes: o que são e quais suas vantagens?, 2024.

[6] JOELSONS, Marcela. Smart contracts nas relações de consumo. Corejur, 2024.

[7] VALUATES Reports. Global Smart Contracts Market Research Report 2024.

[8] JOELSONS, Marcela. Smart contracts nas relações de consumo. Corejur, 2024.

[9] SILVA, Rodrigo da Guia; PINTO, Melanie Dreyer Breitenbach. Contratos inteligentes (smart contracts): esses estranhos (des)conhecidos. Revista de Direito e as Novas Tecnologias, São Paulo, n. 5. out./dez. 2019.

[10] GUERREIRO, Mário Augusto Figueiredo de Lacerda; VIEIRA, Leandra Araujo. Os contratos inteligentes sob a perspectiva da análise econômica do direito: da eficiência ao menor custo de transação. Revista de Análise Econômica do Direito, São Paulo, n. 6. jul./dez. 2023.

[11] FACHINI, Tiago. Smart contracts: o que é, como funciona e aspectos legais. Projuris. 2023.