A apuração dos haveres do sócio retirante, falecido ou excluído da sociedade é um tema potencialmente conflituoso entre as partes envolvidas. De um lado, há o sócio que, por qualquer motivo, deixou o quadro societário e pretende receber o maior valor possível por sua participação. De outro, a sociedade e seus sócios remanescentes, que, em geral, buscam pagar o menor valor e no maior prazo.

Ainda que a legislação preveja um critério para a apuração dos haveres nos casos de omissão do contrato social, há diversas peculiaridades em cada situação que podem gerar dúvidas e, portanto, litígios.

Em 22 de agosto, no julgamento do Recurso Especial 1.904.252/RS, de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por votação unânime, confirmou a impossibilidade de inclusão dos lucros futuros da empresa no cálculo da apuração de haveres.

A Quarta Turma reafirmou que o critério para a apuração dos haveres deve ser aquele previsto no contrato social da sociedade, considerando a força obrigatória dos contratos e a autonomia da vontade das partes, nos termos do artigo 604, inciso II, do Código de Processo Civil.

Já no caso de omissão no contrato social, o acórdão confirmou que deve ser aplicado o critério geral previsto em lei.

De acordo com os artigos 1.031 do Código Civil e 606 do Código de Processo Civil, os haveres serão apurados com base no valor patrimonial da sociedade, por meio de balanço de determinação.

O balanço deverá avaliar bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo, que deverá ser apurado da mesma forma. Isto é, os haveres do sócio retirante devem ser calculados como se houvesse partilha por dissolução total da sociedade.

No julgamento em questão, a controvérsia se limitava à inclusão ou não dos lucros futuros da sociedade no cálculo da apuração dos haveres. Como o contrato social não fazia qualquer referência a esse ponto, a Quarta Turma definiu que a apuração dos haveres deveria obedecer ao critério legal.

Ao afastar a inclusão dos lucros futuros, o principal fundamento da Corte Superior foi no sentido de que o sócio, ao se retirar da sociedade, não arcará com os riscos futuros do negócio, tornando a sua posição muito diferente daquela dos sócios remanescentes.

Assim, os haveres do sócio retirante não devem compreender projeções futuras, mas somente a situação patrimonial da sociedade na data de sua retirada.

Esse mesmo entendimento já havia sido registrado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em 13 de abril de 2021, no julgamento do Recurso Especial 1.877.331/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi e com o Ministro Ricardo Villas Boas Cueva como relator para o acórdão.

Nesse acórdão consta que a adoção do método de fluxo de caixa descontado (que inclui a projeção de lucros futuros) para a apuração de haveres teria efeitos danosos, como:

  • o desestímulo ao cumprimento de deveres pelos sócios;
  • o incentivo ao exercício do direito de retirada;
  • a desestabilização da sociedade; e
  • o enriquecimento sem causa do sócio retirante em prejuízo dos demais.

Com base nesse entendimento, o STJ aproveitou para ressalvar que a apuração de haveres difere da avaliação empresarial para alienação de participação societária ou operações de fusões e aquisições.

Nessas situações, o método de fluxo de caixa descontado pode ser empregado para avaliação – ou mesmo qualquer outro método que venha a ser acordado pelas partes.

Em resumo, o entendimento da Corte Superior é o de que o sócio retirante não pode se beneficiar dos esforços que serão despendidos pelos sócios remanescentes no futuro e de seus eventuais resultados. Dessa forma, o sócio não pode receber como partilha valor diferente do que receberia no caso de dissolução total.

Redação do contrato social é extremamente importante

Considerando a jurisprudência consolidada sobre a prevalência do critério previsto no contrato social para a apuração de haveres, os sócios devem discutir o tratamento que pretendem dispensar ao assunto, observando as peculiaridades dos negócios conduzidos pela sociedade. Dessa forma, será possível reduzir o risco de disputas entre as partes que podem evoluir para um litígio longo e custoso.

Esse entendimento proferido pela Corte Superior reforça a importância de os sócios terem cuidado ao elaborar o contrato social. Eles devem estar atentos aos critérios mais adequados ao negócio, além de prever forma e prazo de pagamento dos haveres que não inviabilizem o prosseguimento da sociedade.

Após harmonizar o entendimento jurídico e comercial sobre o assunto, é essencial que as cláusulas do contrato social sejam claras e completas para proporcionar maior segurança a todos os envolvidos e evitar um litígio.