O deferimento de medidas cautelares, em especial aquelas envolvendo a indisponibilidade de bens, deve obedecer aos requisitos gerais legais de demonstração do risco ao resultado útil do processo e/ou de perigo de dano irreparável. A competência do Tribunal de Contas da União (TCU) em relação a essa questão está fundamentada no artigo 44, § 2º,[1] da Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/92), no artigo 274[2] do Regimento Interno do TCU e na aplicação subsidiária de outros dispositivos legais, como a Lei de Improbidade Administrativa[3] (Lei 8.429/92). No entanto, essa competência é alvo de críticas e de disputas judiciais.
De um lado, entende-se que os poderes do TCU estão restritos aos artigos 71 e 72 da Constituição Federal e, consequentemente, não abarcariam medidas cautelares e executórias, as quais seriam restritas ao Poder Judiciário. Na verdade, tanto a Lei Orgânica do TCU quanto o seu regimento interno extrapolariam os poderes a ele delegados pela Constituição Federal.
De outro lado, no sentido do leading case do Supremo Tribunal Federal (Mandado de Segurança 24.510 – MS 24.510), o TCU tem essa competência com fundamento na teoria dos poderes implícitos.[4] Isso porque, para que as medidas do TCU sejam oponíveis contra terceiros, a corte necessita de poderes suficientes para executá-las, não podendo depender sempre do Judiciário.
Em 13 de outubro de 2022, o Supremo Tribunal Federal julgou o MS 35.506 e consolidou o seu entendimento[5] de que as cortes de contas têm poderes para adotarem medidas cautelares diversas, “desde que não extrapolem suas atribuições constitucionais”. No caso, o TCU havia decretado a indisponibilidade, por um ano, de R$ 653 milhões de bens e ativos da Projeto de Plantas Industriais Ltda. (PPI), além de confirmar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa – tudo no âmbito administrativo.
De acordo com o ministro Lewandowski, cujo voto foi o vencedor, “a origem pública dos recursos envolvidos justifica que a medida cautelar atinja particulares e não apenas sobre órgãos ou agentes públicos”. Em relação à desconsideração da personalidade jurídica da PPI, o ministro defendeu a sua possibilidade como forma de reprimir abusos e fraudes pela utilização e manipulação da pessoa jurídica.
Ciente dos questionamentos sobre os limites dos seus poderes, o TCU há anos profere decisões deferindo a constrição patrimonial dos investigados. Em muitos casos, as decisões se pautam no risco genérico ao resultado útil do processo a partir da possibilidade de dilapidação patrimonial, sem a demonstração de quais seriam as verdadeiras provas e/ou indícios desse ato, em especial em casos envolvendo acusações de improbidade administrativa e de desvio de dinheiro.
No entanto, as consequências da constrição patrimonial ultrapassam a garantia ao pagamento de eventual condenação no processo. Elas afetam diretamente o caixa das empresas e a conta bancária das pessoas físicas, causando desequilíbrios incontestáveis que podem levar os afetados a situações financeiras indesejáveis e críticas.
Essas medidas contrariam o princípio da preservação da empresa, ultrapassando o objeto da demanda e afetando, numa análise macroeconômica, a garantia de empregos, geração de renda, manutenção de uma economia minimente equilibrada e estável. A decisão proferida em um processo, administrativo ou judicial, pode resultar em sequelas a toda a sociedade.
Considerando-se as consequências acima citadas, a decisão proferida pelo TCU deverá estar devidamente fundamentada, demonstrando no caso concreto o perigo de dano irreparável ou o risco ao resultado útil do processo. Ou seja, a decisão que decreta a indisponibilidade de bens deve estar devidamente fundamentada não apenas em questões jurídicas, mas em provas do risco real ao resultado útil do processo, traduzido em indícios e provas de dilapidação patrimonial.
[1] Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento. [...]§ 2° Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta Lei, decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.
[2] Art. 274. Nas mesmas circunstâncias do artigo anterior, poderá o Plenário, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 270 e 275, decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração, nos termos do § 2º do art. 44 da Lei 8.443, de 1992.
[3] Art. 16. [...]§ 4º A indisponibilidade de bens poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida.
[4] Conforme esclarece Luciano Ferraz, “A teoria dos poderes implícitos foi construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos, no famoso caso McCulloch v. Maryland (1819), e se alicerça na ideia de que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa no deferimento implícito, também a ele, dos meios próprios à integral consecução dos fins prescritos pelo constituinte. Bem verdade que a referida teoria foi concedida a propósito das competências legislativas (implícitas) da União frente aos estados, com base no regime constitucional federativo dos EUA, mas o fato é que ela já foi largamente utilizada pelo STF para justificar poderes escondidos de órgãos como o Ministério Público, o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Contas”. (disponível no site Consultor Jurídico).
[5] No mesmo sentido: Suspensão de Segurança 5.455-RN e Mandado de Segurança 34.446-DF.