A 2ª Turma do STJ confirmou nos autos do AREsp 1.760.009/SP, por unanimidade de votos, que o fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) apenas se verifica com o efetivo registro do título aquisitivo no ofício de registro de imóveis competente, mesmo em casos de transferência de imóveis via cisão de empresas.

Desde a publicação da decisão, em 27 de junho de 2022, foram apresentados embargos de declaração pela empresa requerente, sobre os quais o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu – modificando o acórdão anterior –, deixando expressa a forma de cálculo da repetição de indébito. O município presente no polo passivo da ação não apresentou recursos.

No caso decidido pelo STJ, a empresa ajuizou ação de repetição de indébito contra o município de São Manuel/SP, para reaver valores pagos indevidamente a título de ITBI, pois o imposto seria devido, na verdade, a outro município, e não se sabia desse fato no momento do seu pagamento.

A requerente alega que, como o recolhimento do ITBI ocorreu de forma antecipada ao registro do ato societário na matrícula do imóvel, no momento do seu pagamento ainda não havia ocorrido a transmissão da propriedade e, consequentemente, o fato gerador do imposto.

O efetivo registro do título aquisitivo somente se verificou após a realização de georreferenciamento do imóvel, necessário ao registro do título aquisitivo. O procedimento concluiu que o imóvel estava localizado em município diferente daquele em favor do qual foi pago o ITBI.

As controvérsias sobre o momento do fato gerador do ITBI são muitas, embora o Código Civil, em seu artigo 1.245, seja claro em relação ao fato de que a transferência da propriedade imobiliária somente ocorre com o registro do título aquisitivo no ofício de registro de imóveis, e não com a mera assinatura do título aquisitivo.

Trata-se do dito popular: “quem não registra não é dono”.

A Constituição Federal de 1988 (CF/88), em seu artigo nº 156, inciso II, prevê que o ITBI é tributo de competência municipal cobrado diante da “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.

Parte considerável dos tabelionatos de notas e ofícios de registro de imóveis no país, porém, não age dessa forma.

Para prenotação do título para registro no registro de imóveis, ou seja, previamente ao registro do título em si, é necessário apresentar a guia de ITBI paga ou a guia de exoneração do imposto.

No caso específico da transmissão de imóveis via cisão de empresas, por exemplo, são muitos os municípios que argumentam que a constituição da empresa na data do registro do seu contrato social na junta comercial, por si só, representaria a ocorrência do fato gerador.

Também há legislações municipais estabelecendo que, no caso de transferência de imóveis via instrumentos particulares (como acontece na cisão de empresas que não depende de escritura pública), o ITBI deve ser recolhido antes da assinatura do instrumento particular ou até 30 dias após sua assinatura, o que, a nosso ver, contradiz a previsão legal da CF/88 e do Código Civil.

Nos termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional, a lei tributária não pode alterar a definição de institutos e conceitos de direito privado para definir ou limitar competências tributárias. Portanto, se a lei civil determina que a transferência da propriedade imobiliária somente ocorre com o efetivo registro do título aquisitivo no ofício de registro de imóveis, não podem as autoridades fiscais utilizar outro conceito para exigir o pagamento do ITBI.

A 2ª Turma do STJ, ao avaliar a questão, entendeu que o fato gerador do ITBI somente se verifica com o registro do título no ofício de registro de imóveis, momento efetivo da transferência do direito real. No ano de 2019, em caso análogo ao do julgado que analisamos aqui, o STJ já havia decidido nessa mesma linha:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ITBI. TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE. FATO GERADOR. REGISTRO DO NEGÓCIO JURÍDICO NO COMPETENTE OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. HONORÁRIOS RECURSAIS PREVISTOS NO ART. 85, §11 DO CÓDIGO FUX. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. NÃO CABIMENTO. AGRAVO INTERNO DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RJ A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Segundo a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, mesmo em caso de cisão, o fato gerador do ITBI é o registro no ofício competente da transmissão da propriedade do bem imóvel, em conformidade com a lei civil. Logo, não há como se considerar como fato gerador da referida exação a data de constituição das empresas pelo registro de Contrato Social na Junta Comercial. Precedentes: AgRg no REsp. 798.794/SP, rel. min. FRANCISCO FALCÃO, DJ 6.3.2006; RMS 10.650/DF, rel. min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ 4.9.2000; AgRg no REsp. 982.625/RJ, rel. min. HUMBERTO MARTINS, DJe 16.6.2008. [...] (AgInt no AREsp 794.303/RS, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 13/6/2019.)

Pode-se concluir, portanto, que a transferência de imóveis via cisão de uma sociedade empresária não constitui, de forma alguma, uma exceção à regra. A incidência do ITBI decorre apenas da efetiva transmissão da propriedade ou outro direito real sobre o imóvel (o que não é o caso da mera assinatura ou do registro dos atos societários na junta comercial competente, por exemplo).

Percebemos como acertado o entendimento do STJ de que o fato gerador do ITBI é o momento do registro do título no ofício de registro de imóveis, independentemente da natureza do título aquisitivo, se escritura pública de venda e compra ou ato societário. Não há que se fazer qualquer tipo de diferenciação. Dessa forma, garante-se a segurança jurídica das transações imobiliárias.

Nos casos em que seja devido o recolhimento de ITBI em virtude de operações societárias, portanto, a única data a ser considerada para ocorrência do fato gerador do ITBI deverá ser a do registro do ato societário na matrícula do imóvel transferido, e não a data da assinatura do instrumento societário ou do seu registro na junta comercial ou registro civil de pessoas jurídicas.

Os contribuintes, porém, precisam ficar atentos às especificidades da legislação municipal aplicável e das normas da corregedoria local. É bastante comum que a prática das secretarias municipais de fazenda e dos ofícios de registro de imóveis não esteja em linha com o posicionamento do STJ e seja necessário ajuizar ações judiciais preventivas, para conseguir prosseguir com o registro do título sem ter que pagar previamente o ITBI ou não pagar o imposto acrescido de multa e juros.

Aqueles que já tenham pago o ITBI em função do mero registro na junta comercial do ato societário de cisão, sem a efetiva transmissão da propriedade ou outro direito real sobre o imóvel, podem, assim, postular em juízo a devolução do indébito.