Entre as muitas características que tornam alguns negócios pujantes, a manutenção de um ponto comercial marcante e bem-sucedido é, sem dúvida, uma das principais.
Dependendo do tipo de atividade exercida, o ponto comercial é fundamental para construir a clientela e a reputação da empresa. Na maioria dos casos, é impensável que a alteração do ponto comercial não cause grandes impactos ao negócio.
Por esse motivo, a lei brasileira prevê a ação renovatória, um instrumento essencial para locatários de imóveis de uso comercial. Trata-se de um instituto que garante aos locatários continuar suas atividades empresariais, caso as partes não tenham entrado em acordo para renovar a locação do imóvel.
Esse mecanismo protege o locatário e permite que ele renove o contrato de locação, desde que cumpridos os seguintes requisitos legais:
- o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
- o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
- o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.
Caso esses requisitos sejam cumpridos simultaneamente, o locatário interessado em manter a relação locatícia poderá promover, entre 12 e 6 meses antes do término da locação, a chamada ação renovatória. Por meio desse instrumento, ele poderá pleitear a renovação do contrato e, em tese, terá a renovação da locação confirmada.
A Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), porém, prevê situações excepcionais nas quais, embora o locatário cumpra os requisitos mencionados, o locador não tem a obrigação de renovar o contrato.
As exceções, previstas no artigo 52 da Lei do Inquilinato, ocorrem nas seguintes hipóteses:
- realização de obras exigidas pelo poder público que levem à transformação radical do imóvel ou a modificações que aumentem o valor do negócio ou da propriedade; ou
- se o locador optar por utilizar o imóvel para uso próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano – o próprio locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente, no caso, deverá ser o detentor da maioria do capital social.
Em relação às exceções mencionadas, há muito debate em relação aos casos de obras realizadas no imóvel. Para justificar a desobrigação do locador de renovar a locação, essas obras precisam ter sido determinadas pelo poder público?
O STF já analisou o tema e editou, ainda em 1964, a Súmula 374.[1] Nessa súmula, a Corte descartou a obrigatoriedade de a construção ter sido ordenada por autoridade pública. Assim, o locador interessado em expandir a área locável ou mesmo em realizar nova construção/empreendimento no imóvel locado, em tese, pode se livrar da obrigação de renovar o contrato de locação.
Por outro lado, a simples intenção de fazer obra no imóvel não é suficiente. O locador deverá demonstrar planos concretos de modificar a propriedade, com a apresentação de um relatório detalhado da obra e demais elementos probatórios que comprovem as alegações para retomar o imóvel. Caso não faça isso, o juízo poderá decidir que o contrato seja renovado, mesmo que o locador declare que pretende retomar o imóvel para realização de obra.
Nesse sentido, o STF também editou a Súmula 485,[2] que determina a relatividade da presunção de veracidade da declaração do locador. Isso quer dizer que a declaração realizada pelo locador para defender a retomada do imóvel poderá ser contestada com a apresentação de provas que a contrariem.
Ainda assim, as ações renovatórias são objeto de complexas disputas. Como exemplo, mencionamos dois casos análogos que tiveram desfechos contrários.
Em 2012, uma importante empresa varejista propôs ação renovatória contra os locadores de dois imóveis em que estava instalada uma de suas lojas. Em primeira instância, foi concedida a renovação em relação a apenas um dos imóveis pleiteados.
No julgamento do recurso de apelação, entretanto, a autora saiu vitoriosa, ao comprovar a inviabilidade técnica das obras pretendidas pelos locadores e utilizadas como justificativa para o pedido de retomada. Foi apresentada, inclusive, uma negativa a um pedido de expedição de alvará de aprovação de nova edificação. Além disso, em nenhum momento os locadores apresentaram o relatório detalhado de obra, requisito legal específico para instruir a retomada do imóvel.
Em decisão, a 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) julgou procedente a apelação da empresa varejista e concedeu o direito à renovação. Como argumentos para a renovação mencionou-se ser “indispensável que para o exercício da retomada, nos termos do artigo 72, § 3º, da Lei nº 8.245/1991, os locadores apresentem relatório pormenorizado das obras [...]” e que “seja na esfera administrativa, seja em juízo, os apelados não conseguiram apresentar relatório/projeto pormenorizado das obras a serem realizadas”.[3]
Entretanto, em situação análoga, a mesma empresa varejista teve a renovação de locação negada pela 26ª Câmara de Direito Privado do TJSP.[4]
No caso em questão, apesar de preencher os requisitos da ação renovatória, a autora teve o seu pedido de renovação negado, pois entendeu-se que o locador poderia exercer o seu direito de retomada para a instalação de um empreendimento imobiliário (incorporação imobiliária).
O caso se torna ainda mais interessante porque o locador figuraria no empreendimento imobiliário apenas na condição de sócio participante do futuro empreendimento.
Para demonstrar o aumento do valor do imóvel, o locador se valeu dos documentos relacionados ao empreendimento, inclusive documentos técnicos e orçamento da obra.
Essas discussões demonstram como é fundamental compreender os aspectos legais e comerciais da ação renovatória e da retomada do imóvel para locatários e locadores. São situações que frequentemente se tornam objeto de disputas no Judiciário.
Enquanto os locatários têm a ação renovatória como uma proteção à continuidade de suas atividades comerciais, o possível exercício do direito de retomada poderá permitir ao locador utilizar o bem de acordo com suas necessidades e interesses e evitar uma renovação desvantajosa financeiramente.
Uma orientação correta é essencial para manter um relacionamento equilibrado e justo entre locador e locatário, capaz de promover estabilidade nas relações locatícias. Para evitar conflitos e assegurar que os direitos de ambas as partes sejam respeitados, é recomendável que o contrato preveja de forma detalhada esses entraves ao longo da relação locatícia, além das hipóteses de realização dessas obras e as consequências para a locação e sua renovação.
[1] Na retomada para construção mais útil, não é necessário que a obra tenha sido ordenada pela autoridade pública.
[2] Nas locações regidas pelo Decreto 24.150, de 20 de abril de 1934, a presunção de sinceridade do retomante é relativa, podendo ser refutada pelo locatário.
[3] TJSP; Apelação Cível 0152368-68.2012.8.26.0100; relator(a): Sá Moreira de Oliveira; órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 26ª Vara Cível; data do julgamento: 8 de maio de 2017; data de registro: 8 de maio de 2017
[4] TJSP; Apelação Cível 1018507-22.2019.8.26.0100; relator: Carlos Dias Motta; órgão julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; data do julgamento: 3 de setembro de 2020; data de registro: 15 de setembro de 2020.