Ivana Coelho Bomfim, Leonardo Alfradique Martins e Guilherme Alcântara Nunes

Em decisão publicada no REsp 1.937.821 – SP (2020/0012079-1) em 3 de março, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o Tema Repetitivo 1.113 sobre a base de cálculo do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Essa decisão põe fim a uma antiga discussão sobre qual seria a base de cálculo desse imposto:

  • o mesmo valor venal utilizado como base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU);
  • o valor de referência atribuído pelas prefeituras para fins de cálculo exclusivamente do ITBI; ou
  • o preço efetivo da transação atribuído pelas partes.

O ITBI – ou Imposto de Transmissão Inter Vivos (ITIV) – é um tributo de competência municipal que incide nas transferências onerosas da propriedade ou de direitos reais sobre imóveis (com exceção para os direitos de garantia, como constituição de hipotecas e de alienações fiduciárias em garantia) e sobre a cessão de direitos relativos a essas transmissões onerosas.

De acordo com o art. 38 do Código Tributário Nacional (CTN), a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens imóveis ou direitos que estão sendo transferidos. Isso significa, por exemplo, que, nas aquisições de imóveis, o comprador é responsável pelo pagamento do ITBI, cuja alíquota varia de 2% a 5% (dependendo do município em que se localiza o imóvel) sobre o valor do bem ou direito que está sendo transmitido.

Essa alíquota incide, geralmente, sobre o valor atribuído pela prefeitura ao imóvel (valor venal de referência) ou sobre o preço atribuído pelas partes à transação, o que for maior entre os dois valores.

Na prática, é comum que o valor atribuído unilateralmente e previamente pelas prefeituras seja superior ao preço atribuído pelas partes à venda e compra, levando o ITBI a ser calculado sobre uma base de cálculo maior do que o valor do negócio imobiliário.

Embora o comprador possa, administrativamente, questionar o valor venal de referência atribuído pela prefeitura, isso não significa que essa revisão administrativa será acolhida pelas autoridades municipais para reconhecer que o preço negociado entre as partes é o valor correto a ser utilizado como base de cálculo do imposto municipal.

Além disso, muitas vezes os compradores nem sequer questionam administrativamente o valor de referência, pois esse questionamento acaba atrasando a concretização do negócio imobiliário, já que o pagamento do ITBI é requisito para a lavratura da escritura de venda e compra do imóvel.

Considerando essas informações, o STJ fixou as seguintes teses:

  • a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
  • o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, e essa presunção somente pode ser afastada pelo fisco mediante a instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); e
  • o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

A decisão do STJ vem justamente reconhecer que a fixação prévia de um valor venal de referência pelas prefeituras para servir de base de cálculo do ITBI é ilegal. O preço do imóvel negociado entre as partes deve gozar de presunção de veracidade e de boa-fé e ser considerado o que melhor reflete o valor de venda do bem ou direito em condições normais de mercado.

O STJ entendeu também que, apesar de o IPTU ter como base de cálculo o valor venal do imóvel, esse valor venal atribuído pelas prefeituras e utilizado como base de cálculo do IPTU não deve se confundir com o valor venal que servirá de base de cálculo do ITBI.

Decidiu-se, inclusive, que o valor venal atribuído pelos municípios para fins de cálculo do IPTU não deve ser utilizado nem como piso mínimo para cálculo do ITBI, pois a valoração para fins de alienação em condições normais de mercado reflete outros critérios mercadológicos além daqueles avaliados pelos órgãos municipais para definir o valor venal do IPTU. A definição do valor venal do IPTU é feita por amostragem, nivelando para baixo o valor dos imóveis avaliados. Basicamente, leva-se em consideração a metragem e a localização do imóvel.

Outros critérios mercadológicos relevantes na fixação do preço do bem, como o estado de conservação do imóvel, as benfeitorias existentes, a oferta e procura de imóveis na região, a existência de ônus e gravames sobre o imóvel e as condições comerciais de pagamento do preço, não são levadas em consideração nessa definição do valor venal do IPTU e, portanto, tal valor é inadequado para servir de base de cálculo do ITBI.

De acordo com o STJ, caberá ao contribuinte informar o valor de venda do imóvel ou direito real transmitido (valor da transação imobiliária) a ser utilizado no cálculo do imposto. Caso entenda que o valor informado pelo contribuinte é inferior ao que corresponderia ao real valor de venda do imóvel, o município poderá revisar esse valor no prazo de até cinco anos por meio de instauração de um processo administrativo próprio. Portanto, diante dessa nova jurisprudência que poderá ser firmada pelo STJ, será fundamental que as partes de uma transação imobiliária reúnam elementos de prova consistentes para que, caso o valor do negócio venha a ser questionado pelas autoridades municipais, elas tenham elementos concretos para confirmar o valor atribuído à transação imobiliária.

Essa decisão do STJ, caso se mantenha e transite em julgado, vai impactar diretamente o cálculo do ITBI pago nas transações imobiliárias. Os procedimentos adotados pelas municipalidades precisarão ser revistos para que reflitam o entendimento fixado pelo STJ, sob pena de ilegalidade da exigência de ITBI que esteja em desconformidade com a decisão da corte.

Inconformado com o entendimento afixado pelo STJ, o município de São Paulo entrou com recurso em que defende, por meio de embargos de declaração, declarar o processo extinto sem a resolução do mérito, mantendo-se controverso o tema definido pelo STJ como repetitivo. A municipalidade defende ainda que, caso o processo não seja extinto, a decisão altere os parâmetros afixados por ter alegadamente superado os limites do pedido realizado.

Caso o recurso do município de São Paulo não seja acatado, o entendimento definido pelo STJ deverá, obrigatoriamente, ser aplicado às ações judiciais existentes sobre essa controvérsia e demais casos que futuramente discutam o mesmo assunto, devido à repercussão geral do tema. Os contribuintes que pagaram ITBI sobre uma base de cálculo maior do que o efetivo valor da transação nos últimos cinco anos poderão questionar judicialmente para reaver esses valores. Para recuperar o valor pago a maior no passado, será fundamental que, nesses questionamentos, haja provas concretas que confirmem e validem o valor da transação imobiliária praticada.

Entendemos como acertada essa decisão do STJ, pois afasta em definitivo a arraigada prática adotada pelas municipalidades de se utilizarem de valores arbitrados para a exigência do ITBI, sem considerar as especificidades do efetivo negócio imobiliário realizado pelos contribuintes.

 


Referências:

ITBI – Portal da Prefeitura de Belo Horizonte

Lei 5.172/66

Decreto municipal 55.196/14 SP

Lei municipal 1364/88 RJ

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. 1575 p.

DE MELO, José Eduardo Soares; PAULSEN, Leandro. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015. 463 p.