Por Clarissa Freitas, Rafael Costa Silva e Georgia Schneider
O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apreciou, em junho, proposta de termo de compromisso apresentada por um diretor de Relações com Investidores (DRI). O processo administrativo sancionador (PAS) tratava da divulgação intempestiva de fato relevante no âmbito de renegociação de termos e condições de proposta de incorporação societária, envolvendo a companhia e seu acionista controlador. A divulgação do fato relevante só ocorreu após publicação feita em um portal de notícias na internet.
O colegiado da autarquia acompanhou a recomendação favorável do Comitê de Termo de Compromisso para a celebração do acordo, com o pagamento, em parcela única, de R$ 400 mil à CVM.
A investigação foi iniciada por notificação feita por conselheiro independente da companhia à Superintendência de Relações com Empresas (SEP), relatando que a administração da empresa havia recebido uma carta de um acionista de referência informando sobre:
- sua intenção de voto contrário à incorporação de sociedade em Assembleia Geral de Acionistas; e
- a existência de negociações entre o referido acionista de referência e os acionistas controladores da companhia para ajuste da proposta de incorporação societária.
Entre o recebimento da carta enviada pelo acionista de referência e a divulgação do fato relevante, houve um intervalo de seis dias, período no qual a intenção de voto contrário e a renegociação dos termos da incorporação foram publicadas em portal de notícias na internet.
Ao ser questionado pela Superintendência de Relações com Empresas, o diretor de Relações com Investidores ressaltou que:
- a divulgação do conteúdo da carta iria contra o interesse social da companhia;
- a informação estava dentro do controle das partes e se tratava de uma negociação em curso, sendo duvidoso abordá-la como fato relevante naquele momento;
- de acordo com especialistas consultados, ainda não havia motivo para divulgação;
- a ausência de ordem de divulgação da CVM o levou a entender que não era necessário levar a informação a público naquele exato momento; e
- após a matéria jornalística, as medidas necessárias foram tomadas imediatamente.
Na lavratura do termo de acusação, a Superintendência de Relações com Empresas destacou, entre outros argumentos:
- a não divulgação imediata do conteúdo da carta compromete aqueles que participaram de transações no mercado durante esse período, por ter alçado os acionistas da companhia a uma posição de assimetria informacional, o que viola, portanto, o princípio do full and fair disclosure;
- não cabe a alegação de sigilo de totalidade ou de parte da informação diante de indicativos de vazamento, muito menos em casos em que a informação não estava sob o controle da companhia;
- a negociação entre o acionista de referência e o controlador resultou em condições bastante diferentes das inicialmente divulgadas ao mercado para a incorporação societária;
- não seria possível manter o controle sobre a informação, cuja origem era externa à companhia; e
- o aconselhamento do diretor de Relações com Investidores com consultores externos e/ou outros administradores não exime ou mitiga a responsabilidade.
Inicialmente, o acusado apresentou proposta de assunção de obrigação pecuniária no montante de R$ 250 mil para extinguir o processo administrativo sancionador, alegando, resumidamente, que:
- teria agido de acordo com os seus deveres fiduciários como diretor de Relações com Investidores da sociedade;
- a divulgação de uma negociação existente entre os acionistas controladores e um acionista de referência poderia gerar especulação no mercado;
- o tópico havia sido abordado com especialistas da área que o teriam aconselhado a não divulgar fato relevante naquele momento; e
- não houve, no período que compreende o envio da carta e a divulgação do fato relevante, qualquer oscilação da cotação das ações de emissão da companhia.
Na análise da proposta, o Comitê de Termo de Compromisso ponderou os seguintes aspectos para concluir pelo aprimoramento da proposta inicial de obrigação pecuniária:
- a oportunidade e conveniência na celebração da proposta, assim como a natureza e a gravidade das infrações objeto do PAS, os antecedentes do proponente, a colaboração de boa-fé deste e a efetiva possibilidade de punição;
- conduta praticada após a entrada da Lei 13.506/17, que dispõe a respeito de PAS na esfera do Banco Central do Brasil e da CVM, estabelecendo novos parâmetros de penalidade e negociação de obrigações pecuniárias;
- a condição da companhia entre os emissores de valores mobiliários e seu grau de dispersão acionária;
- o histórico do proponente, que nunca havia sido acusado pela CVM em PAS anteriores;
- o possível enquadramento no grupo II do anexo 63 da RCVM 45, pressupondo como pena máxima R$ 600 mil; e
- precedentes da CVM na análise de casos semelhantes.
Após a ponderação dos elementos acima, recomendou-se aprimorar a proposta de obrigação pecuniária para R$ 400 mil, a serem pagos em parcela única. O proponente aceitou os novos termos da proposta, o que levou o colegiado da CVM a acompanhar a recomendação do Comitê de Termo de Compromisso e decidir, por unanimidade, pela celebração do termo de compromisso.