A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da Audiência Pública SDM nº 07/19, propõe regulamentar, nos termos do artigo 291 da Lei das Sociedades por Ações, escala para reduzir o percentual do capital social previsto no §4ºdo artigo 159. O objetivo da minuta de instrução, atualmente em fase de análise pela autarquia, é tornar mais fácil para os acionistas minoritários a propositura de ação de responsabilidade civil contra administradores. Caso aprovada, a minuta pode trazer alguns impactos, que são analisados a seguir.

Nos termos atuais do caput do artigo 159 da Lei das Sociedades por Ações, a norma faculta a possibilidade de ajuizar a ação de responsabilidade civil contra administradores, primeiramente à companhia, mediante prévia deliberação em assembleia geral de acionistas. Caso, contudo, a assembleia delibere não promover a ação, esta poderá ser proposta diretamente por acionistas que representem pelo menos 5% do capital social, a chamada “ação derivada”.

A minuta de instrução da CVM sugere mudanças nesse percentual. A proposta é dividir as companhias abertas em cinco faixas, de acordo com o valor do seu capital social. Para cada uma das faixas, é estabelecido um percentual de ações necessário para que os acionistas minoritários possam ingressar diretamente com a ação de responsabilidade civil. Quanto maior o capital social, menor será o percentual mínimo exigido:

Intervalo do capital social (R$)

Percentual mínimo

0 a 100.000.000

5%

100.000.001 a 1.000.000.000

4%

1.000.000.001 a 5.000.000.000

3%

5.000.000.001 a 10.000.000.000

2%

Acima de 10.000.000.000

1%

A possibilidade de o acionista minoritário ajuizar diretamente a ação é um mecanismo de proteção contra abusos por parte dos acionistas controladores. O objetivo é evitar que estes criem uma redoma para proteger atos ímprobos praticados por administradores indicados por eles, em detrimento do melhor interesse da companhia e de seus acionistas como um todo.

O que se discute não é a existência do mecanismo em si, mas o percentual considerado “ideal” para evitar abusos, por parte tanto de acionistas controladores quanto dos minoritários.

Esta não é a primeira vez que a CVM exerce a prerrogativa prevista no artigo 291. Exemplo disso são as instruções da CVM nº 165/91, na qual a autarquia regulamentou escala reduzindo o percentual do capital social necessário para a requisição do voto múltiplo, e a nº 324/00, que regulamentou os percentuais para requisição da instalação do conselho fiscal em companhias nas quais ele não tem funcionamento.

A justificativa apresentada pela CVM no edital de audiência pública remete a uma suposta baixa capacidade de coerção das medidas estabelecidas pelos dispositivos que se pretende regulamentar. A CVM também cita no documento que, se por um lado a existência de percentuais mínimos evita a propositura de ações frívolas, por outro, percentuais elevados podem impedir que acionistas relevantes tomem medidas para proteger os interesses das próprias companhias.

Não se pode negar que a intenção da CVM em estabelecer mecanismos que fortaleçam a atuação saudável e positiva dos acionistas minoritários é medida salutar que deve ser aplaudida. A medida poderia ser ainda mais efetiva se combinada com a intenção demonstrada pela CVM na mesma audiência de reduzir os percentuais exigidos para exibição por inteiro dos livros da companhia (nos termos do artigo 105 da Lei das Sociedades por Ações) nos casos em que sejam apontados atos violadores da lei ou do estatuto ou haja fundada suspeita de grave irregularidade praticada por órgão da companhia. Isto porque a faculdade de fiscalizar está diretamente relacionada à possibilidade de propositura de ação judicial.

A norma sugerida, contudo, não necessariamente fomentará o ativismo de acionistas minoritários, uma vez que eles não obtêm benefícios financeiros diretos com a medida. De fato, nos termos do parágrafo 5º do artigo 159 da Lei das Sociedades por Ações, os resultados positivos da ação de indenização são destinados somente à companhia, e não ao acionista que ajuizou a ação. Este acionista terá ressarcidas apenas as despesas nas quais incorreu, inclusive juros e correção monetária). Ou seja, para aquele acionista pessoa física, que não possui uma participação relevante na Companhia, a alteração pretendida poderá ser inócua, uma vez que este acionista continuará sem se beneficiar diretamente da propositura de referida medida.

Por um outro lado, não se pode ignorar que a intenção de reduzir os percentuais para ajuizamento de tais ações poderá acarretar abusos de minoria, uma vez que a norma não estabeleceu mecanismos para evitar atitudes oportunistas, como a exigência de participação societária ininterrupta por um período mínimo. Essa medida, a nosso ver, poderia desestimular a propositura de ações judiciais por parte de acionistas que não estejam em linha com políticas e estratégias de longo prazo da companhia. Poderia ainda tornar menos atraente a ideia de comprar ações da companhia com o único intuito de ajuizar ações de responsabilidade contra determinados membros da administração.

Desse modo, apesar de entendermos que a medida pode ser salutar para incentivar a maior participação e representatividade dos acionistas minoritários no mercado de capitais brasileiro, não nos parece aconselhável reduzir os percentuais pura e simplesmente, sem que se crie qualquer requisito adicional para impedir abusos por parte de acionistas minoritários mal-intencionados.