A Lei nº 14.133/21, também denominada Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, traz diversas alterações legislativas para substituir as previsões da Lei nº 8.666/93. No âmbito penal, os crimes de licitação, antes previstos nos artigos 89 a 99 da Lei nº 8.666/93, foram integralmente transferidos para o Código Penal, por meio da inclusão dos artigos 337-E a 337-O no Capítulo II-B: “Dos crimes contra licitação e contratos administrativos”.
Além da realocação dos crimes da legislação extravagante para o Código Penal, a descrição das condutas típicas sofreu alterações que podem gerar significativas mudanças. Algumas impactam diretamente a descrição da conduta criminosa. É o caso, por exemplo, do crime de fraude em licitação ou contrato, que passou a incluir como condutas típicas também:
- A entrega de mercadoria ou prestação de serviços com qualidade ou em quantidades diversas das previstas no edital ou nos instrumentos contratuais;
- O fornecimento de mercadoria inservível para consumo ou com prazo de validade vencido; e
- A alteração do serviço fornecido.
Ou seja, a nova lei incluiu no rol de condutas típicas algumas condutas que há muito vinham sendo processadas, apesar de não constarem expressamente como crimes de licitação.
Já o crime de contratação inidônea, que previa punição igual para a admissão, a participação e a contratação de empresa ou fornecedor inidôneo por meio de licitação, agora teve as condutas segregadas por lesividade. Assim, para a mera admissão ou participação em licitação, a pena será mais branda que para o caso de contratação, o que parece mais razoável à luz do princípio da culpabilidade no Direito Penal. A antiga redação colocava na mesma posição agentes que cometeram condutas com graus de lesividade diferentes e que, portanto, mereceriam uma pena diferente e proporcional à lesividade de suas condutas.
Embora alterem apenas a pena imposta e não a tipificação da conduta, outras modificações da lei acabam por gerar importantes consequências processuais que afetam o prazo prescricional, o rito em que tramitará eventual processo penal, a possibilidade de realizar acordos penais e de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
É o caso, por exemplo, dos crimes de patrocínio de contração indevida e perturbação de processo licitatório, cuja pena máxima foi aumentada de dois para três anos, o que acaba por excluí-los do rol de crimes de menor potencial ofensivo, impossibilitando, consequentemente, os benefícios previstos na Lei nº 9.099/95, como a realização de transação penal.
Outro aumento de pena que merece destaque é do crime de frustração do caráter competitivo de licitação, cuja pena passou a ser reclusão de quatro a oito anos – antes era detenção de dois a quatro anos – o que, além de elevar o prazo prescricional de oito para doze anos, impacta também a possibilidade de suspensão condicional da pena, a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a possibilidade de regime inicial aberto para cumprimento de pena.
A nova lei criou, ainda, um tipo penal consistente na omissão grave de dado ou de informação por projetista, previsto no artigo 337-O, ao qual é cominada a pena de reclusão de seis meses a três anos. Trata-se de uma tentativa de punir também aqueles encarregados de definir condições específicas para a apresentação de propostas para licitações e contratos públicos como sondagens, topografia, condições ambientais, estudos de demanda, entre outros. São questões que, por sua natureza, influenciam diretamente o preço e/ou as condições de fornecimento do produto ou prestação dos serviços.
Por fim, o artigo 337-P estabelece um novo critério para o cálculo de pena mínima em caso de crimes contra procedimento licitatório e os contratos administrativos. O antigo máximo de 5% do valor do contrato foi dispensado na imposição de pena, desde que ela seja calculada com base nos critérios do Código Penal.
Na vigência da Lei nº 8.666/93, o valor arrecado pela multa penal deveria ser destinado ao órgão público prejudicado pela conduta criminosa. A nova lei retirou essa previsão, provavelmente na tentativa de fixar o caráter punitivo da multa e desvinculá-la do aspecto indenizatório, que deverá ser discutido em ação cível.
As alterações penais passaram a vigorar na data da publicação da lei, ao passo que as disposições atinentes ao processo licitatório e à celebração de contratos administrativos entrarão em vigor apenas em abril de 2023.
A efetiva implementação das alterações penais ainda deve ser objeto de profundas discussões jurisprudenciais. As cortes têm pela frente a difícil tarefa de conciliar os critérios de aplicação da lei penal no tempo com as datas de celebração e vencimento dos contratos públicos em andamento, além de estabelecer os parâmetros de compatibilização das diretrizes de contratação pública antigas com as novas disposições penais pelos próximos dois anos.
Confira a seguir um quadro comparativo das disposições penais.
Lei nº 8.666/93 | Lei nº 14.133/21 |
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena – detenção de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público. |
Contratação direta ilegal Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. |
Art. 90. Frustrar ou fraudar,
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. |
Frustração do caráter competitivo de licitação Pena – reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa. |
Art. 91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. |
Patrocínio de contratação indevida Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa. |
Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatório, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua apresentação:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. |
Modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo Pena – reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa. |
Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. |
Perturbação de processo licitatório Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa. |
Art. 94. Devassar o sigilo de proposta apresentada em
Pena – detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa. |
Violação de sigilo em licitação Pena – detenção, de 2 (dois) anos a 3 (três) anos, e multa. |
Art. 95. Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida. |
Afastamento de licitante Pena – reclusão, de 3 (três) anos a 5 (cinco) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar em razão de vantagem oferecida. |
Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:
I – elevando arbitrariamente os preços; Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. |
Fraude em licitação ou contrato I – entrega de mercadoria ou prestação de serviços com qualidade ou em quantidade diversas das previstas no edital ou nos instrumentos contratuais; Pena – reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa. |
Art. 97. Admitir à licitação
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração. |
Contratação inidônea Pena – reclusão, de 1 (um) ano a 3 (três) anos, e multa. § 1º Celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo: Pena – reclusão, de 3 (três) anos a 6 (seis) anos, e multa. § 2º Incide na mesma pena do caput deste artigo aquele que, declarado inidôneo, venha a participar de licitação e, na mesma pena do § 1º deste artigo, aquele que, declarado inidôneo, venha a contratar com a Administração Pública. |
Art. 98. Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. |
Impedimento indevido Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. |
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Omissão grave de dado ou de informação por projetista Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa. § 1º Consideram-se condição de contorno as informações e os levantamentos suficientes e necessários para a definição da solução de projeto e dos respectivos preços pelo licitante, incluídos sondagens, topografia, estudos de demanda, condições ambientais e demais elementos ambientais impactantes, considerados requisitos mínimos ou obrigatórios em normas técnicas que orientam a elaboração de projetos. § 2º Se o crime é praticado com o fim de obter benefício, direto ou indireto, próprio ou de outrem, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo. |
Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais § 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento)
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Art. 337-P. A pena de multa cominada aos crimes previstos neste Capítulo seguirá a metodologia de cálculo prevista neste Código e não poderá ser inferior a 2% (dois por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta. |