Além de instituir o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, a Medida Provisória nº 905/2019, publicada na terça-feira, 12 de novembro, implementou diversas alterações e inovações relevantes nas legislações previdenciária, trabalhista e tributária.
Para discutir os impactos da MP 905 no dia a dia das empresas e seus efeitos multidisciplinares, estamos lançando uma série de artigos para analisar as principais alterações e inovações trazidas pela medida provisória (todos podem ser acessados nos links ao fim deste texto).
Resumimos a seguir os principais pontos da MP 905 e esclarecemos o prazo de vigência das mudanças implementadas em outro artigo, já que nem todas passaram a vigorar imediatamente.
Contrato de Trabalho Verde e Amarelo
As empresas que contratarem empregados por meio do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo terão redução significativa dos encargos incidentes sobre a folha de pagamento desses trabalhadores.
De acordo com a MP 905, elas terão a isenção de contribuição previdenciária, salário-educação, contribuição destinada a outras entidades (Sistema S), inclusive a destinada ao Incra. Além disso, a alíquota de FGTS é reduzida para 2%, independentemente do valor da remuneração.
Para a contratação nessa modalidade, que será válida no período de 1/1/2020 a 31/12/2020, as empresas deverão observar os seguintes requisitos:
(i) idade do trabalhador entre 18 e 29 anos;
(ii) salário-base mensal limitado a 1,5 salário mínimo nacional;
(iii)prazo de vigência do contrato de 24 meses;
(iv) ser o primeiro registro de emprego do trabalhador (não serão considerados primeiro emprego vínculos como menor aprendiz, contrato de experiência, trabalho intermitente e trabalho avulso);
(v) a contratação deverá ser realizada exclusivamente para novos postos de trabalho; e
(vi )a quantidade de trabalhadores na nova modalidade não poderá ultrapassar 20% do total de empregados da empresa.
A forma de remuneração nessa modalidade também será diferente, devendo a empresa contratante pagar mensalmente o salário e a antecipação das férias proporcionais, acrescidas de um terço e do 13º salário proporcional. Será possível também negociar o pagamento antecipado de metade da indenização da multa do FGTS.
Alterações nas regras de pagamento de Participação nos Lucros ou Resultados (PLR)
Em linhas gerais, as alterações promovidas pela MP 905 visam esclarecer o texto das normas utilizadas como base para a construção de interpretações restritivas da legislação pelas autoridades fiscais e pelas cortes administrativas sobre PLR.
Em resumo:
(i) foi dispensada a participação do sindicato caso o PLR seja instituído por comissão eleita pelas partes;
(ii) na fixação dos direitos substantivos e das regras adjetivas, inclusive no que se refere à fixação dos valores e à utilização exclusiva de metas individuais, a autonomia da vontade das partes contratantes será respeitada e prevalecerá em face do interesse de terceiros;
(iii)consideram-se previamente estabelecidas as regras fixadas em instrumento assinado (a) antes do pagamento da antecipação, quando prevista e (b) com antecedência de, no mínimo, 90 dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final, caso haja pagamento de antecipação; e
(iv)a inobservância da periodicidade de pagamentos macula exclusivamente os pagamentos feitos em desacordo com a norma, assim entendidos: (a) os pagamentos excedentes ao segundo, feitos a um mesmo empregado, dentro do mesmo ano civil; e (b) os pagamentos efetuados a um mesmo empregado, em periodicidade inferior a um trimestre civil do pagamento anterior.
Alterações sobre a concessão de vale-alimentação
O novo texto do parágrafo 5º do artigo 475 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê que o fornecimento de alimentação aos empregados, seja in natura (refeições fornecidas na própria empresa) ou por meio de vales, cupons, cheques, cartões eletrônicos destinados à aquisição de refeições ou de gêneros alimentícios, não tem natureza salarial e, sobre ela, não incidem contribuições previdenciárias nem os demais tributos da folha de pagamento, como FGTS e IRRF.
A inovação colocou uma pá de cal na discussão a respeito da incidência de contribuição previdenciária sobre o fornecimento de alimentação aos empregados oriunda das antigas determinações das autoridades fiscais. Agora, a MP 905 define expressamente que, sobre a alimentação concedida nos termos no parágrafo 5º do artigo 475 da CLT, não incidirão contribuições previdenciárias, nem encargos trabalhistas e fiscais.
Esse entendimento, entretanto, diz respeito apenas às hipóteses definidas pela MP 905, não sendo considerados os valores pagos em espécie (pecúnia) para fins de alimentação.
Alterações nas regras para pagamento de prêmios
As alterações implementadas pela MP 905 visam deixar claro que as partes podem fixar os termos e condições para o pagamento de prêmio por meio de um documento escrito, via ato bilateral (contrato, acordo ou convenção) ou unilateral do empregador (política interna ou comunicado), solucionando a atual controvérsia sobre o requisito da “liberalidade” que havia sido criada pela Solução de Consulta Cosit nº 151/19.
Além disso, a MP 905 também estabelece que a avaliação do que caracteriza “desempenho superior ao ordinariamente esperado” pode ser feita discricionariamente pelo empregador, desde que o desempenho ordinário tenha sido por ele definido antes, de forma unilateral ou mediante acordo. Essa disposição também soluciona a atual discussão do que seria “desempenho superior ao ordinariamente esperado”.
A MP 905 trouxe restrições, no entanto, à periodicidade do pagamento. Os eventuais impactos que a alteração da periodicidade poderá ter sobre os planos em curso deverão ser avaliados pelas empresas.
Novas regras de armazenamento de documentos eletrônicos
Ainda que de modo brando, a MP 905 buscou adequar a CLT ao cenário atual de informatização, incluindo na CLT o artigo 12-A, pelo qual autoriza o armazenamento de todo e qualquer documento relativo a deveres e obrigações trabalhistas em meio eletrônico. A mudança facilita a guarda de arquivos tanto para empregados quanto para empregadores.
Seguindo o mesmo raciocínio, foi alterada a redação do §3º do artigo 29 da CLT, o qual passa a prever que, caso o empregador não cumpra o prazo de cinco dias estipulado no caput do dispositivo para fazer anotações na CTPS, o auditor fiscal do trabalho deverá lançar as anotações pertinentes à lavratura de auto de infração no sistema eletrônico competente. A mudança dinamiza e torna mais efetiva a disponibilização de informações administrativas sobre as empresas.
Mesmo promovendo a utilização do meio digital para armazenamento de documentos de cunho trabalhista, a MP 905 resguarda a manutenção e conservação da CTPS na versão em papel ao alterar, por exemplo, o artigo 52 da CLT para impor multa administrativa em caso de extravio ou inutilização da CTPS por culpa do empregador. A multa deverá ser estipulada subjetivamente pelo fiscal nos termos do artigo 634-A, também incluído pela mesma medida provisória.
Alterações relacionadas a embargos e interdição
A MP 905 revogou o artigo 160 da CLT, que obrigava novos estabelecimentos, antes do início de suas atividades, a passar por uma inspeção e aprovação de suas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho. Foi revogada também a obrigatoriedade de as empresas comunicarem previamente à Delegacia Regional do Trabalho a realização de modificações substanciais nas instalações para uma nova inspeção.
Em matéria de interdição e embargos, as mudanças trazidas pela MP 905 ajustaram denominações ultrapassadas, como ao substituir Delegacia Regional do Trabalho por autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho.
A medida provisória estabeleceu ainda novo prazo de cinco dias úteis, contados do protocolo, para que o recurso interposto em face da decisão de embargo ou interdição seja analisado. A Portaria SEPRT nº 1.069/19 estabelecia o prazo de sete dias para essa análise, contado do recebimento do processo na SEPRT.
Alterações nas regras sobre trabalho aos domingos e feriados e descanso semanal
A MP 905 altera o artigo 68 da CLT e autoriza o trabalho aos domingos e feriados, observada a legislação local apenas para o setor de comércio. A redação anterior do artigo condicionava a possibilidade de trabalho aos domingos e feriados a permissão prévia. Apesar de mantida a obrigatoriedade da concessão de descanso semanal remunerado, não há mais obrigatoriedade de fazê-lo em regra aos domingos: o artigo 68 da CLT passou a autorizar expressamente o trabalho aos domingos e feriados, assegurando no seu artigo 67 apenas o direito a repouso semanal remunerado de 24 horas seguidas, preferencialmente concedido aos domingos.
A MP 905 também acrescentou um parágrafo ao novo artigo 68 da CLT, determinando que a escala de fruição do descanso semanal remunerado aos domingos será de (i) um domingo a cada quatro semanas de trabalho para o setor de comércio e serviços; e (ii) um domingo a cada sete semanas de trabalho para a indústria.
Não há mais a necessidade de negociar o trabalho aos domingos e feriados com o sindicato, uma vez que a lei autorizou por completo o trabalho aos domingos e feriados, desde que observadas as regras instituídas em acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho que versem sobre o tema.
Alterações na jornada de trabalho dos bancários
Até a publicação da MP 905, a duração normal do trabalho de empregados em bancos, casas bancárias e na Caixa Econômica Federal era de seis horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, totalizando 30 horas de trabalho por semana.
Com a nova medida provisória, a duração normal do trabalho dos bancários passou a ser de seis horas diárias exclusivamente para aqueles que operam no caixa. A MP ressalva expressamente, no entanto, que há possibilidade de pactuar jornada superior, a qualquer tempo, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Em relação aos demais bancários, a jornada de trabalho será de oito horas diárias.
Na redação anterior, o artigo 224 da CLT estabelecia expressamente que a duração normal de trabalho dos bancários não incluía os sábados, já que as atividades deveriam ser desempenhadas de segunda a sexta-feira. Entretanto, a nova redação não manteve qualquer ressalva em relação ao tema. Desse modo, não há mais vedação legal para que o trabalho dos bancários também ocorra aos sábados, respeitando-se o limite da jornada semanal de trabalho de 30 horas.
Alterações relacionadas a relações e organizações sindicais
A MP 905 trouxe duas alterações principais sobre esse tema: (i) tornou não obrigatória a participação do sindicato na negociação de planos de PLR, conforme exposto em outro artigo (permitindo que ela seja feita pelo empregador diretamente com seus empregados); e (ii) aumentou a multa para infrações a regras relativas à organização sindical, inclusive em casos que a empresa tente impedir que o empregado se associe ou organize sindicato, ou exerça seu direito de sindicalizado.
Alterações nas regras de fiscalização e imposição de multas administrativas relacionadas à legislação trabalhista
Uma das principais alterações da MP 905 sobre a fiscalização está relacionada aos critérios para aplicação da dupla visita. De acordo com a redação proposta para o artigo 627 da CLT, os auditores fiscais do trabalho deverão observar esses critérios nas seguintes hipóteses: (i) promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções ministeriais, durante o prazo de 180 dias; (ii) primeira inspeção de estabelecimentos ou locais de trabalho recentemente inaugurados ou empreendidos, no prazo de 180 dias; (iii) quando se tratar de microempresa, empresa de pequeno porte e estabelecimento ou local de trabalho com até 20 trabalhadores; (iv) quando houver infração a preceito legal ou a regulamentação sobre segurança e saúde de gradação leve; e (v) quando ocorrerem visitas técnicas de instrução previamente agendadas.
A MP 905 também institui prazo máximo de vigência de dois anos para os Termos de Ajustamento de Conduta e para os Termos de Compromisso firmados com o Ministério Público do Trabalho e com o Ministério da Economia, respectivamente. Desde a entrada em vigor da medida-provisória, não é mais permitido firmar acordos extrajudiciais com prazo indeterminado.
Outro aspecto da MP 905 é a necessidade de o auditor fiscal do trabalho, ao lavrar auto de infração, informar quais ações coletivas de prevenção e saneamento de irregularidades deverão ser adotadas pelas empresas, se detectadas infrações reiteradas ou níveis elevados de acidentes ou doenças ocupacionais. Essa obrigação decorre da instituição de planejamento de ações de inspeção do trabalho, que deverá contemplar projetos especiais de fiscalização por setores para prevenção de acidentes de trabalho, doenças profissionais e irregularidades trabalhistas envolvendo esses temas.
Além disso, a MP 905 inova ao instituir o domicílio eletrônico trabalhista, com o objetivo de cientificar empregados de atos administrativos, ações fiscais, intimações e avisos e de permitir o recebimento de documentação eletrônica no curso de fiscalizações ou quando da apresentação de defesa ou interposição de recurso administrativo.
A medida provisória prevê ainda a observância ao requisito de desterritorialização para a análise das defesas administrativas. Isso significa que, apresentada impugnação a determinado auto de infração, outra unidade federativa diferente da que lavrou a autuação será responsável por analisar a defesa administrativa.
Foram criados também critérios para aplicação das multas administrativas, que serão aplicadas de acordo com a natureza da infração (leve, média, grave ou gravíssima). Os valores dependem de as infrações estarem sujeitas a multa de natureza variável (R$ 1.000,00 a R$ 100.000,00) ou per capita (R$ 1.000,00 a R$ 10.000,00).
Alterações na aplicação de juros e correção monetária aos débitos trabalhistas
A MP 905 alterou o índice de correção monetária e a taxa de juros aplicável aos débitos trabalhistas. A correção será feita pelo IPCA-E, e não pela TR. Os juros serão os mesmos aplicáveis à caderneta de poupança, em lugar do atual percentual fixo de 1% ao mês.
Alterações nas regras e na tributação do seguro-desemprego
Com a vigência da MP 905, os trabalhadores que estiverem em gozo do seguro-desemprego serão considerados segurados obrigatórios da Previdência Social durante todo o período de recebimento do benefício.
Para isso, o seguro-desemprego foi incluído no rol de verbas consideradas como salário de contribuição e, portanto, passará a sofrer desconto da contribuição previdenciária. Em contrapartida, será assegurada a manutenção da qualidade de segurado até 12 meses após o término do seguro-desemprego.
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