A Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz/SP) publicou recentemente duas respostas a consultas tributárias sobre o cumprimento das obrigações principais e acessórias do ICMS nas prestações de serviço de transporte com coleta, estadia e transbordo das mercadorias em estabelecimento intermediário – tanto em caso de transit point como de crossdocking.

Na Resposta à Consulta Tributária 28.971/23 (RC 28.971/23), a Sefaz/SP reconheceu, de forma pioneira, a possibilidade de estadia das mercadorias em estabelecimento de terceiro – contratado pela empresa transportadora e não vinculado à prestação do serviço de transporte – como transit point. Nesse ponto de transbordo, o transportador realiza a consolidação da carga para otimizar o seu transporte.

De forma semelhante, na Resposta à Consulta Tributária 29.158/24 (RC 29.158/24), a Sefaz/SP tratou da possibilidade de utilização de um estabelecimento intermediário do próprio transportador (crossdocking) para a realização do transbordo das mercadorias transportadas, com estadia temporária da carga no ponto de cross.

Conceitos

Antes de analisar os entendimentos da Sefaz/SP nas duas consultas, é importante relembrar que o transbordo consiste na transferência física direta de mercadoria de um para outro veículo transportador, como estabelece o artigo 335 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/09).

Apesar do conceito implementado pelo Regulamento Aduaneiro, o artigo 73 do Convênio Sinief 06/89 estabeleceu que o transbordo das cargas não configura o início de uma nova prestação de transporte apenas quando realizado pela empresa transportadora, ainda que através de estabelecimentos situados no mesmo ou em outro Estado e desde que sejam utilizados veículos próprios, como definidos neste Ajuste e que no documento fiscal respectivo sejam mencionados o local de transbordo e as condições que o ensejaram”.

Dessa forma, diversos estados, como é o caso de São Paulo, interpretam que, para que uma transferência de mercadoria entre veículos seja caracterizada como transbordo, ambos os veículos devem ser próprios – ou seja, da mesma empresa transportadora. Trata-se, portanto, de entendimento mais restritivo de transbordo do que o estipulado no Regulamento Aduaneiro.

Há estados que adotam um conceito de transbordo ainda mais restritivo – somente para os casos em que a transferência da carga ocorre no âmbito de um mesmo modal de transporte. Para esses estados, como é o caso do Pará (ver artigo 281, RICMS/PA), a transferência de carga para modais diferentes não se caracteriza como transbordo.

Entretanto, a legislação tributária não estabeleceu – e muito menos disciplinou – o conceito de transit point ou o conceito de crossdocking. Esses são conceitos estritamente comerciais que não encontram um tratamento fiscal uniforme ou mesmo intuitivo, considerando os diferentes modelos e estruturas implementados pelos agentes.

Na prática comercial, o conceito de transit point é normalmente utilizado para se referir ao estabelecimento intermediário onde ocorre a consolidação e o transbordo das mercadorias comercializadas e transportadas por terceiros não relacionados (vendedor e transportador, respectivamente). Não figura como parte dos negócios jurídicos de venda da mercadoria ou da prestação do serviço de transporte.

Já para os casos em que a titularidade do estabelecimento intermediário que realiza a consolidação e o transbordo das cargas é do próprio transportador, é comum denominar a operação como crossdocking – o estabelecimento intermediário seria o ponto de cross.

Ambos os conceitos comerciais (transit point e crossdocking) não são estanques e podem abranger uma diversidade de estruturas operacionais concretas, que podem ter o seu tratamento tributário impactado, dependendo da estrutura estabelecida e dos agentes envolvidos.

Tanto é assim que a própria Sefaz/SP, em respostas a consultas tributárias anteriores sobre o crossdocking, indicava a possibilidade de os contribuintes pleitearem regimes especiais para viabilizar a realização do crossdocking, nos termos a serem concretamente implementados pelo contribuinte em suas operações (ver RC 23.775/21, RC 18.215/18, RC 3.227/14 e RC 1.724/13).

Entendimento da Sefaz/SP

Com base nesses conceitos, nas RC 28.971/23 e RC 29.158/2024, a Sefaz/SP reconheceu a possibilidade de estadia das mercadorias em um estabelecimento intermediário próprio do transportador (crossdocking) ou de terceiros (transit point) – contratado pela empresa transportadora e não vinculado à prestação do serviço de transporte – para a consolidação e transbordo das cargas, de forma a otimizar o transporte das mercadorias.

Apesar das diferenças conceituais e práticas entre os dois cenários, nota-se que a Sefaz/SP partiu de premissas e fundamentos comuns para analisar a viabilidade da estadia nas operações de transit point e crossdocking.

A Sefaz/SP reconheceu que, ao ocorrer o transbordo em estabelecimento intermediário, podem ocorrer algumas atividades inerentes ao serviço de transporte, sem que isso o descaracterize (como as atividades de separação, consolidação e estadia da carga). No entanto, é imprescindível que, dentre outros requisitos, essas atividades sejam inerentes à prestação de serviço de transporte, estando umbilicalmente ligadas a este serviço”.

Dessa forma, o fisco paulista reconheceu ser viável o transbordo das cargas com a estadia das mercadorias em um estabelecimento intermediário, sem que essas atividades caracterizem um negócio jurídico de armazenagem ou uma nova prestação do serviço de transporte. Essas duas atividades poderiam impactar o recolhimento do ICMS devido pelo vendedor ou pelo transportador e gerar a necessidade de emitir novos documentos fiscais (NF-e e CT-e).

De acordo com a Sefaz/SP, a estadia das mercadorias em outro estabelecimento do transportador (crossdocking) ou de terceiro (transit point) não descaracterizará o serviço de transporte prestado, desde que preenchidas as seguintes condições:

  • a estadianão pode ser utilizada para desvirtuar a natureza jurídica do serviço de transporte e encobrir outro negócio jurídico efetivamente ocorrido”; deve perdurar “por tempo razoavelmente curto”; e deve estar “intrinsecamente associada e inerente à prestação do serviço de transporte”;
  • o destinatário final da mercadoria (adquirente) e a transportadora devem estar “previamente definidos e informados na Nota Fiscal Eletrônica – NF-e antes da saída da mercadoria do estabelecimento remetente”; e
  • a nota fiscal de venda deverá conter, no campo “Informações Adicionais”,a informação relativa à entrega das mercadorias no estabelecimento terceiro intermediário (estadia), com todos os elementos que permitam a perfeita identificação da situação”.

Especificamente para o caso do transit point, a Sefaz/SP pondera na RC 28.971/2023 que “caso o valor cobrado a título de estadia seja repassado pela transportadora ao tomador do serviço, este valor fará parte da base de cálculo do ICMS incidente na prestação de serviço de transporte, bem como qualquer outro valor cobrado do tomador e conhecidos de antemão pelo transportador, devendo constar do CT-e emitido para o referido transporte”.

Pontos de atenção: prazo de estadia das mercadorias e serviços de transporte com subcontratação e redespacho

Como se vê, as RC 28.971/23 e 29.158/24 representam importantes manifestações da Sefaz/SP sobre a possibilidade de coleta e estadia das mercadorias em outro estabelecimento do transportador (crossdocking) ou mesmo de terceiro (transit point) sem a descaracterização dos negócios jurídicos subjacentes (isto é, venda da mercadoria e prestação do serviço de transporte).

Essa conclusão é importante pois afasta, de forma expressa, o entendimento de que a estadia das mercadorias no estabelecimento intermediário para posterior transbordo:

  • constituiria uma relação de armazenagem ou depósito, o que poderia resultar na alegação de ocorrência de uma nova circulação tributável pelo ICMS com a saída das mercadorias; ou
  • implicaria no início de uma nova prestação de serviço de transporte, com a necessidade de o transportador emitir e pagar um novo Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e) para abarcar o trecho remanescente do frete.

Apesar dos relevantes entendimentos expressados pela Consultoria Tributária da Sefaz/SP, permanecem dúvidas relevantes em relação às operações de transit point e crossdocking que não foram tratadas – ao menos diretamente – nas RCs mencionadas:

  • Duração da estadia: na RC 28.971/23, a Sefaz/SP apenas estabeleceu que a estadia deve durar por tempo razoavelmente curto” para que não descaracterize a prestação do serviço de transporte iniciado, sem apontar qualquer critério objetivo do que seria entendido como uma duração razoável para a estadia.

No caso examinado, a consulente havia indicado que as mercadorias ficariam sob posse de seu estabelecimento (ponto de estadia) por até 24 horas. Ficou uma dúvida legítima se a Sefaz/SP entenderia que períodos superiores (dias ou semanas) seriam compatíveis com o propósito da estadia, o que gera substancial insegurança jurídica na aplicação do entendimento do fisco paulista.

  • Aplicabilidade nas prestações com subcontratação e redespacho: nas duas RCs, é possível identificar um entendimento restritivo da Sefaz/SP sobre a possibilidade da estadia das mercadorias em estabelecimento intermediário nos casos em que a prestação do serviço de transporte é realizada mediante subcontratação ou redespacho.

Isso porque, em linha com o artigo 73 do Convênio Sinief 6/89, a Sefaz/SP mantém o entendimento de que o transbordo das mercadorias não configura uma nova prestação de serviço de transporte apenas quando “realizado pela empresa transportadora, ainda que através de estabelecimentos situados no mesmo ou em outro Estado e desde que sejam utilizados veículos próprios, como definidos neste Ajuste e que no documento fiscal respectivo sejam mencionados o local de transbordo e as condições que o ensejaram”.

Dessa forma, nos casos em que a transferência das mercadorias no transit point ou ponto de cross ocorrer para um veículo de titularidade de outro transportador devido a subcontratação ou redespacho, espera-se que a Sefaz/SP entenda que houve uma nova prestação tributável.

Em nosso entendimento, porém, essa ocorrência de subcontratação ou redespacho não deveria impactar a conclusão de que não houve armazenagem ou depósito das mercadorias pelo estabelecimento intermediário (transit point ou ponto de cross). Isso se verifica, principalmente, nos casos de subcontratação, em que o transportador subcontratado realiza a integralidade do trajeto. Ambos os veículos utilizados para o transporte (trecho inicial – transbordo – trecho final), no caso, seriam do mesmo titular.

Entretanto, não se pode descartar eventual risco de a Sefaz/SP afastar o entendimento estabelecido nas RC 28.971/23 e RC 29.158/24 para os casos em que houver a subcontratação ou redespacho na cadeia de circulação da mercadoria e identificar uma relação de depósito ou armazenagem na atuação do estabelecimento intermediário.

Por todo o exposto, é fundamental que os contribuintes busquem estruturar suas operações e malhas logísticas com grande atenção para evitar eventuais questionamentos das autoridades fiscais, além de se manterem constantemente atualizados em relação aos avanços do tema.