O governo de Minas Gerais publicou, em 26 de fevereiro, o Decreto Estadual nº 48.140/2021, o segundo de um conjunto de três decretos previstos para regulamentar a Lei Estadual nº 23.291/2021, que instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens (Pesb). A iniciativa busca reforçar o rigor sobre segurança de barragens em território mineiro.
O primeiro decreto - Decreto Estadual nº 48.133/2021 - teve por objetivo alterar a redação dos artigos 11 e 24 do Decreto Estadual nº 48.078/2020, que regulamentou os procedimentos para análise e aprovação do Plano de Ação de Emergência (PAE).[1] A modificação mais significativa refere-se ao §2º do art. 24. Originalmente, atribuía-se ao Gabinete Militar do Governador/Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (GMG/Cedec) o papel de coordenar as reuniões públicas sobre as ações preventivas. A nova redação estabeleceu que as reuniões deverão contar com a participação de um representante do poder público, com procedimentos a serem definidos em ato específico, aparentemente sem nenhuma função de coordenação. De forma complementar, o Decreto Estadual nº 49.190/2021 também trouxe pequenas alterações ao texto original do Decreto Estadual nº 48.078/2020, notadamente no que diz respeito ao prazo para adequação do PAE às normas estaduais vigentes. Originalmente prevista para ocorrer em até cento e oitenta dias da entrada em vigor do Decreto Estadual nº 48.078/2020, o prazo para adequação do PAE deverá agora respeitar o calendário previsto no artigo 20, conforme nova redação trazida pelo Decreto Estadual nº 49.190/2021, segundo critérios que levam em consideração o grau de risco potencial das estruturas.
O segundo decreto – Decreto Estadual nº 48.140/2021 – regulamentou dispositivos da Pesb e estabeleceu medidas de aplicação do art. 29 da Lei Estadual nº 21.972/2016.[2] Aplica-se particularmente aos empreendedores que possuem barragens em Minas Gerais submetidas à classificação de risco, à fiscalização e ao acompanhamento pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) até sua eventual descaracterização.
Este segundo decreto tem como finalidade uniformizar mecanismos de:
- classificação das barragens por categoria de risco e potencial dano ambiental associado;
- etapas da descaracterização de barragens alteadas pelo método a montante;[3]
- prestação de informações relativas ao volume do reservatório, características do material disposto e monitoramento da qualidade da água e do solo; e
- obras e intervenções emergenciais para redução ou eliminação de grave risco para vidas humanas e meio ambiente, entre outros.
Em relação à classificação de risco, o Decreto Estadual nº 48.140/2021 determina que as barragens serão classificadas de acordo com as informações prestadas pelo próprio empreendedor, considerando:
- categoria de risco e potencial dano ambiental associado, levando em consideração aspectos físicos da estrutura (que possam influenciar na possibilidade de ocorrência de acidentes);
- potencial de perdas de vidas humanas e impactos econômicos, sociais e ambientais decorrentes de sua eventual ruptura (existência de comunidade na mancha de inundação, infraestrutura de serviços e urbana, mananciais ou reservatórios de água etc.); e
- capacidade de armazenamento do reservatório, segundo as normas do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Caso o empreendedor não apresente as informações necessárias para a classificação de risco da barragem ou não apresente justificativa técnica considerada válida pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), será atribuída pontuação máxima de risco. Antes, porém, o empreendedor receberá uma notificação, para que possa sanar eventuais irregularidades ou omissões de informações no prazo de dez dias.
O Decreto Estadual nº 48.140/2021 também contemplou a necessidade de realizar auditorias técnicas para avaliação de segurança nas barragens classificadas pelo Sisema. Os responsáveis técnicos pelas auditorias devem necessariamente ser credenciados pela Feam e não poderão ter vínculo empregatício ou ter prestado serviços de natureza similar aos empreendedores e/ou suas subsidiárias ou coligadas nos três anos que antecederem a auditoria.
A exigência visa garantir a independência e isonomia do processo. O decreto estabelece ainda que os custos relativos à contratação do auditor pela Feam, a realização das auditorias e a elaboração dos relatórios correrão às expensas exclusivas do empreendedor.
Nos termos da determinação veiculada pela Pesb, todas as barragens de Minas Gerais construídas pelo método a montante devem ser descaracterizadas até fevereiro de 2022,[4] e a Resolução da Agência Nacional de Mineração (ANM) nº 13/2019 estabeleceu prazos e condições específicos em âmbito nacional (15 de setembro de 2022 a 15 de setembro de 2027), levando em consideração o volume da barragem.[5]
A legislação de Minas Gerais, no entanto, prevê etapas e critérios específicos para descaracterização das barragens a montante, que envolvem fatores de segurança da estrutura, protocolos para redução dos impactos decorrentes de rompimento durante as obras de descaracterização e planos de mitigação de impactos ambientais causados pelas referidas obras.[6]
Tais disposições estão contidas no capítulo IV do Decreto Estadual nº 48.140/2021. Nele se fixam as etapas que deverão ser cumpridas e custeadas pelo empreendedor para o processo de descaracterização, conforme critérios definidos no termo de referência – aprovado e disponibilizado pela Feam – que estabelece os requisitos mínimos de um projeto para a descaracterização de barragens alteadas pelo método a montante em Minas Gerais.
Essas demandas podem protelar o prazo para descaracterização, especialmente por exigir uma manifestação formal da Feam para que a estrutura possa ser considerada descaracterizada.[7]
A barragem apenas será considerada descaracterizada após manifestação formal do órgão competente, quando será descadastrada do banco de dados da Feam - sem, no entanto, eximir o empreendedor das responsabilidades civis associadas aos aspectos ambientais e à manutenção de segurança das áreas onde se localizava a barragem.
Caso a barragem a montante apresente risco grave ou iminente a vidas humanas e ao meio ambiente em seu entorno, cabe ao empreendedor adotar as medidas emergenciais necessárias, de forma imediata, independentemente de prévio licenciamento ambiental ou autorização para intervenção.
Nos termos do art. 25 do Decreto Estadual nº 48.140/2021, entretanto, as medidas consideradas emergenciais dependerão:
- de comunicação prévia e justificada ao órgão estadual ambiental responsável;
- do envio de relatórios periódicos mensais com indicação das intervenções realizadas e das medidas adotadas para mitigar os riscos associados; e
- do envio de relatório final que comprove o encerramento da situação emergencial.
Nos casos de intervenção em que não seja verificado o aspecto emergencial ou na ausência de cumprimento das exigências previstas no art. 25 acima mencionadas, o empreendimento estará sujeito à aplicação das sanções administrativas cabíveis, e o fato deverá ser comunicado ao Ministério Público para que tome as providências que achar necessárias.
As eventuais despesas extraordinárias feitas pelo poder público em resposta a emergências provocadas por acidentes ou desastres deverão ser ressarcidas pelo empreendedor em até 30 dias, contados da decisão administrativa irrecorrível proferida nos autos de processo administrativo próprio, que será aberto pela Feam.
Há, por fim, as inclusões feitas no Decreto Estadual nº 47.383/2018 pelo Decreto Estadual nº 48.140/2021.[8] O art. 80-A estabelece novos critérios para cálculo das multas aplicadas aos empreendedores, de acordo com o potencial de dano ambiental da barragem e a capacidade econômica do infrator. Na inclusão dos parágrafos 6º a 8º ao art. 113, destaca-se a determinação de destinar 50% dos valores arrecadados a título de multa administrativa aos municípios atingidos pelo rompimento de barragens.
Como exposto, os decretos estaduais nº 48.133/2021 e nº 48.140/2021 visam regular dispositivos da Pesb. Caberá aos empreendedores se adaptar à nova regulamentação estabelecida para as barragens situadas em Minas Gerais de maneira proativa e dentro dos prazos estabelecidos.
A expectativa é que seja editado um terceiro decreto relacionado a aspectos socioeconômicos da Lei Estadual nº 23.795/2021, que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens em Minas Gerais (Peab). Aspectos como a contratação de assessoria técnica independente aos atingidos (art. 3º, VIII), definição de outros beneficiários da Peab (art. 6º, §1º) e atribuições do comitê representativo para acompanhamento das ações previstas na Peab (art. 7º).
A partir de uma análise conjunta das normas estaduais aqui mencionadas, publicadas desde meados de 2019, percebe-se o aumento do rigor nas exigências dos órgãos públicos ambientais, nos meios de fiscalização e nas penalidades aplicadas aos empreendedores que possuem barragens, especialmente aquelas construídas pelo método a montante. A motivação não parece ser outra senão a tentativa do poder executivo estadual em dar uma resposta aos eventos ocorridos nos últimos anos em Minas Gerais envolvendo barragens de minérios.
[1] A obrigação de elaboração e aprovação do PAE pelo órgão estadual competente foi estabelecida no art. 9º da Lei Estadual nº 23.291/2019, que instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens.
[2] A Lei Estadual nº 21.972/2016 trata do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) e dá outras providências. Para fins do presente artigo, o art. 29 dispõe que: “Entre as medidas de controle ambiental determinadas para o licenciamento ambiental de atividade ou empreendimento que possa colocar em grave risco vidas humanas ou o meio ambiente, assim caracterizados pelo órgão ambiental competente, será exigida do empreendedor a elaboração e implementação de Plano de Ação de Emergência, Plano de Contingência e Plano de Comunicação de Risco.”
[3] Aquela em que os maciços de alteamento apoiam-se sobre o próprio rejeito ou sedimento previamente lançado e depositado.
[4] Conforme prazo estabelecido no artigo 13, § 2º, da Lei Estadual nº 23.291/2019.
[5] Art. 8º, III da Resolução ANM nº 13/2019.
[6] Previsão trazida nos arts. 18 a 21 do Decreto Estadual nº 48.140/2021.
[7] Conforme art. 22 do Decreto Estadual nº 48.140/2021.
[8] Estabelece normas para licenciamento ambiental, tipifica e classifica infrações às normas de proteção ao meio ambiente e aos recursos hídricos e estabelece procedimentos administrativos de fiscalização e aplicação das penalidades.