O Conselho Diretor da Superintendência de Seguros Privados (Susep) publicou, em 20 de março, o Edital de Consulta Pública 2/2024/Susep, com a minuta de resolução que pretende regulamentar a política de remuneração das sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradores locais.
A minuta de resolução colocada em consulta pública tem como um de seus principais objetivos o aprimoramento das regras de remuneração das unidades de negócios das entidades supervisionadas. O documento se inspira na Resolução do Conselho Monetário Nacional 3.921/10 (Resolução CMN 3.921/10), que regula a política de remuneração de administradores de instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil – Bacen.
Apesar de a regulamentação bancária sobre o tema ter se mostrado duradoura e funcional, a minuta de resolução apresentada pela Susep deve ser cuidadosamente avaliada pelo mercado.
Confira abaixo detalhes sobre a minuta:
Abrangência
A minuta de resolução impõe uma nova obrigação regulatória às entidades supervisionadas enquadradas nos segmentos prudenciais S1, S2 e S3. Essas entidades precisarão manter uma política de remuneração.
Como já indicado na exposição de motivos publicada pela Susep, a abrangência dessa obrigação é ampla – superando, por exemplo, a abrangência da regulamentação bancária.
Nota-se, por exemplo, que a Resolução CMN 3.921/10 estabelece regras aplicáveis apenas à remuneração de administradores, sem interferir na remuneração de empregados. Já a minuta de resolução em consulta pública estabelece regras para administradores e:
- diretores não estatutários (incluindo, “no mínimo, vice-presidentes e diretores”);
- outros funcionários-chave em funções de controle (como é o caso dos integrantes das unidades de gestão de riscos, conformidade e auditoria interna); e
- outros funcionários que, de acordo com a avaliação de cada entidade supervisionada, possam impactar materialmente a exposição da respectiva supervisionada a riscos.
O foco da minuta de resolução é a fixação de regras para a definição da remuneração variável das pessoas listadas acima. Pelo novo regulamento, essa remuneração é definida como a “parcela da remuneração cujo valor é pós-fixado em função do desempenho ou do atingimento de metas, em nível individual ou corporativo”.
Essa parcela variável, na lógica da norma em consulta pública, é dividida em:
- incentivos de curto prazo (a subparcela paga no prazo de um ano após o fim do período de apuração dos critérios para seu pagamento); e
- incentivos de longo prazo (a subparcela paga em prazo superior a um ano após o fim do período de apuração dos critérios para seu pagamento).
Ao fazer a diferenciação acima, a Susep reconheceu, oficialmente, a possibilidade de que as supervisionadas utilizem instrumentos societários variados para remunerar seus administradores e funcionários. Isso inclui a “concessão de ações ou opções, ações fantasma, entre outros” sob programa de incentivo de longo prazo.
Ainda de acordo com a minuta de resolução, sempre que as supervisionadas optarem por utilizar mecanismos de remuneração variável, esses mecanismos deverão contribuir para atingir certos objetivos corporativos (entre eles, a geração de valor no longo prazo, a efetividade da gestão de riscos e a atração/retenção de profissionais qualificados e experientes). Os mecanismos também deverão:
- levar em consideração o nível de responsabilidade de cada colaborador que receba parcelas remuneratórias variáveis;
- considerar, como critérios para recebimento e cálculo da remuneração, o desempenho individual do profissional, o desempenho da unidade em que esteja inscrito e a performance da supervisionada como um todo;
- contemplar mecanismos que permitam a redução proporcional da remuneração na hipótese de materialização de riscos financeiros, riscos não financeiros e/ou resultados adversos decorrentes desses riscos.
A minuta de resolução vai além ao impor que os instrumentos contratuais que regulem o pagamento/recebimento de remuneração variável devem prever hipóteses em que:
- o valor das parcelas não pagas possa ser reduzido a zero; e
- o valor de parcelas já quitadas seja restituído à supervisionada (observados os limites da legislação aplicável).
Ainda que tenha buscado regulamentar o pagamento de remuneração variável, o normativo colocado em consulta pública optou por não interferir na negociação e no pagamento de participações nos lucros ou resultados.
Isso significa que, de acordo com a redação atual da minuta de resolução, as supervisionadas teriam a faculdade (mas não a obrigação) de seguir a regulamentação securitária na definição de seu programa de participação nos lucros ou resultados.
Incentivos de longo prazo
A minuta de resolução dedica uma seção inteira à definição de regras para pagamento de incentivos de longo prazo (ILP) – conceito que engloba apenas a remuneração paga em prazo superior a um ano após o fim do período de apuração dos critérios para seu pagamento e inclui bônus diferidos, ações, stock options e outros tipos de remuneração correlatas.
De acordo com o normativo, o oferecimento de ILP a um colaborador será obrigatório sempre que o valor da remuneração variável anual desse colaborador for igual ou superior a:
- 6,5 vezes o valor de sua remuneração fixa mensal; ou
- 150 salários-mínimos (aproximadamente R$ 211 mil).
Além disso, a minuta de resolução determina que o ILP concedido nos termos acima represente, no mínimo:
- 40% do total da remuneração variável devida aos diretores não estatutários e outros funcionários-chave em funções de controle (como é o caso dos integrantes das unidades de gestão de riscos, conformidade e auditoria interna); e
- 60% do total da remuneração variável devida aos diretores estatutários e membros do conselho de administração.
Pela minuta, também é obrigatório que:
- o diferimento do pagamento de ILP seja igual ou superior a três anos; e
- as parcelas diferidas sejam pagas escalonadamente, de forma proporcional ao decurso do prazo de diferimento ou dos riscos assumidos (o que resultar no valor mais baixo de remuneração).
É preciso aprimorar a redação do artigo 8º da minuta de resolução. O artigo estabelece que, no mínimo, 50% do ILP seja pago em “ações, ou instrumentos baseados em ações da supervisionada ou de controladora direta ou indireta, quando companhias de capital aberto”.
Essa redação não deixa claro se a norma busca:
- oferecer às companhias de capital aberto a faculdade de estruturar ILP com uso de ações ou instrumentos baseados em ações de suas controladoras diretas ou indiretas; ou
- impor somente às companhias abertas a obrigação de concessão de ILP baseado em ações.
Independentemente do propósito do artigo, a minuta de resolução permite que as supervisionadas deixem de estruturar ILP baseado no oferecimento de ações ou opções, caso avaliem que o programa de remuneração não contribuiria para o atingimento de seus objetivos institucionais.
Nesse cenário, a norma em consulta pública faculta a realização de pagamentos em espécie que tenham como referência o valor contábil das ações da supervisionada.
Remuneração vinculada a obrigações de não concorrência (non-compete)
A minuta de resolução também reconhece a possibilidade de que, por ocasião do desligamento de determinado colaborador, as supervisionadas façam pagamentos a título de compensação para que o respectivo colaborador se abstenha de exercer outras atividades remuneradas (garden leave) ou cargo em outras empresas do setor (res)securitário (non-compete).
Esse componente remuneratório, em princípio, não integra o conceito de "remuneração variável" – o que poderia levar à conclusão de que o uso de mecanismos de non-compete ou garden leave estaria livre das restrições quantitativas aplicáveis, por exemplo, aos incentivos de longo prazo.
Política de remuneração
De acordo com a minuta de resolução, as regras de remuneração adotadas pelas supervisionadas deverão ser formalizadas em política própria, por escrito, descrevendo no mínimo:
- as modalidades de remuneração fixa e variável utilizadas pela supervisionada, os colaboradores a que se aplicam, os critérios para pagamento/cálculo da remuneração e regras para ajuste da remuneração, diferimento e vesting;
- identificação dos funcionários não estatutários sujeitos às regras da política de remuneração; e
- composição e regras de funcionamento do Comitê de Remuneração.
Divulgação de informações
De forma controversa, o artigo 11 da minuta de resolução determina que sejam divulgados ao público externo, até 30 de abril de cada exercício, no site de cada supervisionada (ou do grupo ou conglomerado a que pertençam), no mínimo:
- informações qualitativas sobre a política de remuneração; e
- os montantes de remuneração pagos no exercício anterior, bem como as estimativas dos montantes a serem pagos no exercício corrente e posteriores a título de incentivos de curto prazo, incentivos de longo prazo e pagamentos excepcionais (isto é, non-compete, garden leave, entre outros).
Seria importante que a Susep reavaliasse essa exigência de divulgação durante o processo de consulta pública, para mitigar possíveis efeitos anticompetitivos relacionados à ampla divulgação dos valores e estrutura de remuneração utilizados pelas supervisionadas.
Comitê de Remuneração
A minuta de resolução também obriga que as supervisionadas enquadradas nos segmentos prudenciais S1 e S2 constituam um órgão de assessoramento ao órgão máximo de governança corporativa. Esse órgão, denominado "Comitê de Remuneração", seria composto por, no mínimo, três integrantes que cumpram os requisitos estabelecidos na minuta.
Entre as atribuições do comitê estão a:
- elaborar, supervisionar e reavaliar de forma periódica a política de remuneração das supervisionadas;
- submeter proposta ao órgão máximo de administração para pagamento de remuneração variável aos funcionários das supervisionadas; e
- submeter proposta à assembleia geral de remuneração global ou individual dos administradores das supervisionadas.
A norma em consulta pública permite que as supervisionadas enquadradas no segmento S2 deleguem as atribuições do “Comitê de Remuneração” ao Comitê de Riscos (desde que este último comitê não acumule outras atribuições permitidas pela regulamentação aplicável).
Conclusão
A minuta de resolução de que trata o Edital de Consulta Pública 2/2024/Susep se propõe a alinhar o mercado de seguros, resseguros, capitalização e previdência complementar aberta às regras há muito adotadas pelo Bacen para remuneração de administradores. Se aprovada, a nova resolução deverá entrar em vigor em 2 de janeiro de 2026.
No entanto, como apontamos acima, a norma colocada em consulta pública estabelece regras mais abrangentes do que as aplicáveis às instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen.
Além disso, a minuta de resolução ainda carece de debate sobre pontos nevrálgicos – como a regra que institui a necessidade de divulgação da remuneração variável paga e a pagar aos administradores, funcionários e colaboradores das supervisionadas.
O mercado poderá encaminhar até 19 de abril seus comentários à minuta de resolução colocada em consulta pública. Eventuais sugestões deverão ser encaminhadas, por e-mail, ao endereço eletrônico Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
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