O Ministério da Transparência Fiscalização e Controle (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU) anunciaram no dia 11 de julho um acordo de leniência com a UTC Engenharia, o segundo celebrado nos termos definidos pela Lei Anticorrupção (12.846/2013) e o único vigente no país firmado por órgão de controle interno.
O instituto do acordo de leniência é reconhecido por sua relevância para aumentar a eficiência do combate e da prevenção a ilícitos, pois melhora os indicadores de recuperação de ativos e permite que o Estado descubra e processe infrações de forma eficiente. Na mesma medida, ele fornece aos entes privados uma oportunidade de mitigar eventuais danos reputacionais e econômicos e oferece uma alternativa negociada e de resolução célere para situações de crise.
Contudo, a pouca frequência de acordos celebrados nos termos da Lei Anticorrupção – isto é, envolvendo a CGU quando se trata de atos contra a administração pública federal – contrasta com o sucesso do programa de leniência existente para as infrações de natureza concorrencial – envolvendo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – e mesmo com os acordos atípicos que algumas empresas têm assinado com o Ministério Público Federal no âmbito da Operação Lava Jato.
Várias razões podem explicar por que são raros os acordos fundados especificamente na Lei Anticorrupção, mas é inegável que a ausência de segurança jurídica para as empresas desempenha um papel determinante. Diferentemente do que ocorre no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, no qual o Cade tem papel central e o programa de leniência já pode ser definido como consolidado, a repressão a ilícitos relacionados à corrupção é regida por um conjunto de normas (como Lei Anticorrupção, Lei de Improbidade Administrativa, Lei de Licitações, entre outras) e aplicada por uma multiplicidade de órgãos (como CGU, Ministérios Públicos, Advocacias Públicas, Tribunais de Contas etc.). Por esse motivo, as empresas nunca estão seguras de que uma determinada instituição respeitará o que foi acordado com outra.
Nesse sentido, a celebração de acordos em casos de corrupção tem ficado adstrita aos episódios em que a empresa celebrante já tem elevado grau de certeza de que receberá uma punição ou que ela está de algum modo cooperando com as investigações por meio de seus agentes. Isso é ilustrado pelo fato de que a maioria dos acordos celebrados foi feita com o Ministério Público Federal, de forma individual, na esfera criminal dos executivos das companhias celebrantes.
Embora permaneça nesses casos a discussão sobre a oponibilidade do acordado perante outros órgãos públicos e a consequente exposição da empresa a novas sanções, o acordo permite que a celebrante dê continuidade às suas operações em novas bases após a crise, assumindo um compromisso público de mudança de práticas e mitigando danos jurídicos e reputacionais já materializados ou pelo menos prováveis.
No entanto, quando a empresa se depara com um ato ilícito ainda não investigado pelas autoridades, muitos especialistas afirmam que a atual dinâmica legal não fornece segurança suficiente para a autodelação, seja por não abarcar todos os órgãos com competência de apuração, seja pelo fato de que – diferentemente do que ocorre fora do país – a lei brasileira excluiu do acordo de leniência a possibilidade de negociação sobre a sanção penal das pessoas físicas envolvidas, o que aumenta a complexidade do processo a ponto de colocar a empresa e seus gestores em posições conflitantes.
É necessário resolver essas deficiências no âmbito legislativo e institucional para que o acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção consiga cumprir plenamente sua função como meio de cooperação em casos ainda não deflagrados. Isso potencializará a detecção de novos ilícitos por parte do poder público, auxiliando no combate à corrupção e oferecendo às empresas uma resposta assertiva em casos de quebra de integridade detectados por seus controles internos.
A própria Lei Anticorrupção e sua regulamentação federal incentivaram as empresas a adotar instrumentos para prevenir e detectar ilícitos, como canais de denúncia e comunicação e mesmo investigações internas em casos de suspeitas. Sendo assim, nada mais lógico do que oferecer também um caminho seguro para que, quando tais mecanismos detectarem um episódio indesejado, as empresas possam reportá-lo às autoridades e mitigar os seus riscos de forma adequada.