Com uma proposta mais prática e experiente do que sua primeira publicação, a Controladoria-Geral da União publicou, nesta terça-feira, 15 de outubro de 2024, o segundo volume do guia “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas”.

A extensão que complementa o guia original, publicado em setembro de 2015, não parece apenas ser incentivada pela nova regulamentação para a Lei Anticorrupção trazida pelo Decreto 11.129/2022, como também fruto de importante experiência adquirida pela CGU em avaliações de programas de integridade derivada de processos administrativos de responsabilização, acordos de leniência e projetos fomentadores da integridade, como o Pró-Ética.

Como principal diretriz do novo documento, observa-se que a CGU buscou distanciar-se da concepção de que os “Programas de Integridade” se limitariam apenas aos riscos de corrupção pública. Essa perspectiva, embora tenha sido adotada no primeiro volume do guia orientador, já não se mostrava nos últimos anos como a melhor forma de alocar os esforços relacionados à integridade corporativa.

A CGU parece reconhecer essa mudança paradigmática e a insuficiência de sua definição original, passando a recomendar uma interpretação mais abrangente do Programa de Integridade. Agora, recomenda que este seja visto como um sistema empresarial que englobe decisões sobre sustentabilidade, governança, direitos humanos, assédio moral e sexual, discriminação e até mesmo proteção ambiental, refletindo a complexidade e a interconexão dos desafios corporativos.

Com isso, o Programa de Integridade se torna ferramenta ainda mais central.

O novo volume, assim, demanda um comprometimento e um investimento ainda mais expressivo da alta liderança para ser considerado adequado. Isso implica que a alta liderança tenha um movimento mais ativo, possuindo tanto conhecimento teórico quanto prático sobre o programa e as aspirações corporativas relacionadas à integridade, além de que aja de forma a personificar os padrões de conduta estabelecidos pelo programa, tanto em suas falas quanto em seus comportamentos diários, sob risco de impacto direto em sua avaliação e remuneração.

Reconhecendo o protagonismo das organizações privadas em desenvolver mecanismos de autotutela, o novo guia se propõe como uma referência principiológica para a criação ou fortalecimento de um programa corporativo. Isso abrange desde a definição dos critérios mínimos para que um Programa de Integridade seja considerado existente, até recomendações específicas e práticas para aqueles que desejam aprofundar ainda mais suas iniciativas.

Nesse contexto, o novo volume do guia passa a definir a estrutura mínima do Programa de Integridade, recomendando que este produza efeitos na rotina da empresa e conte com (i) apoio da alta direção, (ii) instância interna responsável, (iii) análise de riscos para integridade, (iv) código de ética, (v) política anticorrupção, (vi) treinamentos e comunicação e (vii) um canal de denúncias.

Ao mesmo tempo, aprofunda orientações inicialmente trazidas pelo guia de 2015, refletindo uma evolução no entendimento das melhores práticas em integridade.

É digno de nota, por exemplo, a ilustração prática do que a CGU considera como boa prática na definição de metas de desempenho e indicadores de integridade. Sendo bastante razoável às práticas de mercado, a CGU tangibiliza, no documento, indicadores que podem ser adotados pelas organizações com impacto direto nas metas de desempenho da área responsável pelo programa. Isso inclui indicadores como o número de parceiros de negócios contratados sem a devida diligência (incluindo questões de direitos humanos, trabalhistas e ambientais) e o percentual de funcionários com percepção positiva em relação ao comprometimento da alta liderança com o programa.

De modo bastante profissionalizado, a CGU também aproveita do guia para referenciar práticas de governança corporativa recomendadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Exemplos disso incluem a importância da divisão de linhas de defesas, segregação de atribuições, transparência e formalização de práticas corporativas. A própria definição da instância responsável pelo programa de integridade e segregação de suas funções daquelas do Comitê de Ética é recomendada que seja formalizada em documento aprovado pelo mais elevado nível hierárquico da empresa. Parece buscar assim que a integridade não seja apenas uma meta, mas uma realidade efetiva na organização.

A experiência acumulada pela CGU nos últimos 10 anos de aplicação da Lei Anticorrupção traz também maior criteriosidade a alguns pontos de recomendação. Por exemplo, a CGU aponta insatisfação com o modo ainda superficial com os quais as organizações conduzem treinamentos – focados em quantidade, e não qualidade. Assim, o guia recomenda maior atenção aos grupos de risco da organização, com treinamentos aprofundados e capacitação ampla sobre os riscos de integridade em suas atividades, além de diversificação de meios de treinamento, evitando monotonia e tédio dos ouvintes.

Ao tratar do tema de detecção de irregularidades, o guia indica a insuficiência de um simples e-mail para recebimento de relatos. É, nesse sentido, bastante específico ao falar sobre um sistema de recebimento de denúncias – o qual, além de ter seu acesso e comunicação facilitados no idioma nacional, também deve permitir acompanhamento da denúncia pelo reportante para maior credibilidade do processo de apuração.

Da mesma forma, o uso de sistemas é promovido tanto para assegurar controles contábeis confiáveis quanto para apoiar a instância responsável no gerenciamento, na implementação e no monitoramento das medidas de integridade do programa. Além disso, é incentivada a transparência de dados e informações relacionadas ao funcionamento do programa, uma vez que, em consonância com o “Movimento Transparência 100%” do Pacto Global, é considerado uma boa prática que a organização divulgue indicadores do seu canal de denúncias e das medidas disciplinares aplicadas.

Essa prática de transparência incentivada pela CGU não só busca reforçar a confiança dos stakeholders na gestão da organização, mas também promover uma cultura de responsabilidade e ética, essencial para o fortalecimento da integridade institucional. Ao tornar esses dados acessíveis, a organização demonstraria seu compromisso com a responsabilidade social e a boa governança.

Percebe-se que a CGU considera, no documento, sua experiência em condenações por práticas lesivas à Administração Pública nos últimos anos, sinalizando como a não observância das recomendações presentes no primeiro e segundo volume do guia podem afetar de forma negativa o desenvolvimento de uma cultura de integridade na organização.

Caminhando no mesmo trilho do Evaluation of Corporate Compliance Programs pelo U.S. Department of Justice, o novo documento da CGU se mostra bastante funcional e busca dar maior luz às organizações sobre como criar, fortalecer ou questionar suas iniciativas de integridade. Ambos incentivam a customização, constante atualização e adequação das iniciativas à realidade operacional e tecnológica da organização.

Diferentemente do Evaluation of Corporate Compliance Programs, no entanto, que foi atualizado em 23 de setembro de 2024, mas trouxe poucas novidades em relação à sua atualização de março de 2023, o guia da CGU, que não era reavaliado há quase uma década, busca sanar de forma objetiva pontos relevantes de questionamento dos últimos anos.