O Tribunal Administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) analisou, em abril, consulta formulada por duas empresas varejistas de materiais de construção que pretendiam implementar mecanismo de negociação conjunta com fornecedores, por meio de um comitê de compras formado por membros de ambas as empresas.
Acordos de compra conjunta têm como objetivo a aquisição, por mais de uma empresa, de bens e/ou serviços em termos mais favoráveis do que os que seriam obtidos individualmente, por meio do exercício conjunto de poder de barganha.
As partes envolvidas em acordos dessa natureza podem efetivamente realizar compras conjuntamente ou negociar em conjunto preços, descontos ou condições de pagamento com os fornecedores, mas realizar aquisição dos bens e/ou serviços individualmente.
Esses acordos podem ser formalizados pelos mais diversos mecanismos de cooperação empresarial, como como joint venture, associação, aliança varejista etc. Geralmente existe algum tipo de organização comum que facilita o contato entre os fornecedores e as empresas.
Ainda que não possam ser confundidos com cartéis de compra[1] e que possam gerar eficiências econômicas importantes – como redução de preço de insumos ou custos com transporte e armazenagem –, os acordos de compra conjunta podem suscitar preocupações concorrenciais diante dos seguintes riscos:
- exercício abusivo de poder de mercado, pois se as empresas representarem parcela significativa da demanda por um determinado bem ou serviço, o acordo pode levar à formação de uma estrutura de mercado próxima ao monopsônio – em que há apenas um comprador para os diversos vendedores de determinado bem ou serviço – e gerar efeitos anticompetitivos no mercado em que atuam os fornecedores. Esses fornecedores poderão ter uma redução grande de margem e, com isso, perder incentivos ou até mesmo capital para investir em inovação, qualidade ou variedade dos produtos.
Nos termos do guia publicado recentemente sobre acordos de cooperação entre concorrentes, a autoridade concorrencial da União Europeia considera esse risco improvável, se a participação combinada das empresas for inferior a 15% no mercado em que é feita a compra dos insumos e no mercado de venda dos produtos finais. - criação de dificuldades para concorrentes que não fazem parte do acordo, que podem se ver forçados a adquirir produtos e/ou serviços por preços mais elevados; e
- conluio ou troca de informações concorrencialmente sensíveis entre concorrentes, pois quando o preço dos insumos é um fator relevante na formação do preço do produto final, os acordos de compra conjunta podem se tornar um mecanismo de alinhamento de preços e estabilização do mercado, gerando, consequentemente, redução da concorrência entre as empresas.
Ao analisar a consulta formulada ao Cade, que envolvia apenas a negociação conjunta com os fornecedores, mas preservava a independência das partes na celebração dos contratos de compra e venda de mercadoria, na definição do preço de venda e no gerenciamento de questões logísticas, o conselheiro relator apontou que o acordo de compra conjunta sob análise poderia levar a duas preocupações concorrenciais.
Uma delas se referia ao exercício de poder de monopsônio. A outra, à possibilidade de troca de informações concorrencialmente sensíveis entre concorrentes que permitisse a eles atuar de forma coordenada no mercado de varejo de materiais de construção (apesar de ser esperado que uma tivesse acesso aos volumes de compra da outra, para que o desconto e a bonificação oferecidos pelo fornecedor fossem maiores).
O conselheiro relator destacou que as partes não teriam um volume de compras suficientemente alto para exercer o poder de monopsônio.
Em relação à troca de informações concorrencialmente sensíveis, ele entendeu que, apesar de as partes não terem previsto mecanismos para limitá-la a um nível mínimo, eventuais preocupações seriam mitigadas pela reduzida participação combinada das empresas no mercado de varejo de materiais de construção (inferior a 10%).
O conselheiro relator apontou também o fato de as partes não serem concorrentes no mercado de varejo de materiais de construção em âmbito municipal. Assim, concluiu pela ausência de ilicitude do acordo analisado.
Diante disso, empresas que pretendam implementar qualquer modalidade de acordo de compra conjunta devem avaliar previamente a robustez das justificativas econômicas para a cooperação, os riscos concorrenciais envolvidos e as medidas que podem ser adotadas para mitigá-los.
[1] Cartéis de compra se caracterizam pela restrição à concorrência por meio de uma conduta acordada entre duas ou mais empresas, que combinam como irão interagir individualmente com fornecedores comuns em relação a matérias como preço, volume, e termos e condições de compra.