Entre as várias decisões que precisam ser tomadas no âmbito societário e empresarial, uma das mais relevantes é o que deve ser feito com a participação societária do sócio ou acionista pessoa física após seu falecimento. É um tema que muitas vezes deixa de ser tratado nos instrumentos jurídicos das empresas e pode dar origem a enormes litígios.

Quando um sócio de uma empresa limitada falece, a regra geral é, nos termos do artigo 1.028, caput, do Código Civil, liquidar a quota dele e dissolver parcialmente a sociedade. Isso envolve calcular o valor da participação dele e pagar a quantia correspondente ao espólio.

No entanto, conforme previsto no próprio artigo 1.028 do Código Civil, a regra geral de dissolução parcial pode ser afastada por meio de:

  • disposição diversa no contrato;
  • opção dos sócios remanescentes em dissolver a sociedade; e
  • acordo com os herdeiros, regulando-se a substituição do sócio falecido com o consequente ingresso dos herdeiros no quadro social.

Por outro lado, nas sociedades anônimas de capital fechado, a regra geral normalmente é a transmissão das ações aos herdeiros.

É comum (e recomendável), entretanto, que as partes façam um acordo prévio sobre o tema para definir especificamente se o herdeiro pode ou não permanecer na sociedade, como será calculado o valor de sua parte e o que acontecerá com direitos específicos que o falecido tinha.

Esse tipo de arranjo, tanto em sociedades anônimas quanto em sociedades limitadas, costuma ocorrer por meio de um acordo de sócios, mas pode ser incluído diretamente no contrato ou estatuto social.

Nos termos do artigo 118 da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.), acordos de acionistas devem tratar tipicamente de compra e venda, preferência para aquisição, direito de voto e poder de controle. No entanto, eles podem também tratar de outras matérias relacionadas, como cláusulas de não competição, regras para exercício do direito de voto e disposições sobre sucessão.

Diante disso, surge a pergunta: com o falecimento do sócio/acionista, os acordos parassociais por ele assinados vinculam seus herdeiros? Ou seja, o herdeiro está obrigado contratualmente a seguir as disposições de acordo assinado pelo falecido?

Os princípios básicos do direito sucessório indicam que sim. Isso acontece porque, com a abertura da sucessão após o falecimento, a herança é automaticamente transmitida aos herdeiros do falecido (artigo 1.784 do Código Civil, conhecido como princípio da saisine).

Os herdeiros, entretanto, têm a prerrogativa de aceitar a herança ou renunciar a ela, desde que o façam integralmente. A legislação proíbe a aceitação ou renúncia parcial, sob condição ou termo.

A herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações transmitidos aos herdeiros por meio da sucessão. Quando os herdeiros aceitam a herança, eles também assumem todas as obrigações do falecido, incluindo as existentes nos acordos firmados em relação às sociedades das quais ele detinha participação.

Os herdeiros passam a ocupar o lugar do falecido nas posições por ele assumidas contratualmente e são responsáveis por pagar as dívidas deixadas até o limite o valor da herança.

O quinhão de cada herdeiro somente será entregue e a partilha concretizada após o pagamento dos credores e a extinção dos débitos.

Desse modo, assim como não é possível aceitar a herança “com condições”, não é possível ao herdeiro assumir a posição do falecido, recebendo as quotas/ações por ele detidas, sem concordar e assumir acordos parassociais firmados previamente.

Caso existam direitos personalíssimos atribuídos ao falecido, é preciso deixar claro como eles serão tratados para que não restem dúvidas sobre quais direitos e deveres serão transmitidos aos sucessores.

Apesar de haver disposições legais, o tratamento adequado e específico do tema nos acordos de sócios e, quando necessário, nos contratos ou estatutos sociais é relevante para todos os envolvidos:

  • para a sociedade, representa a regulamentação da sucessão de sua gestão, planejamento de transição da tomada de decisão e programação financeira, considerando que, dependendo do tratamento adotado, o falecimento pode representar o pagamento de haveres aos herdeiros;
  • para os herdeiros, indica clareza sobre o destino das participações societárias detidas pelo falecido e orienta a melhor forma de condução daquele negócio, seja pela venda ou pelo ingresso na sociedade; e
  • para os sócios remanescentes, confere segurança ao destino da sociedade, sobretudo no que se refere à relevância da participação pessoal de cada sócio para a condução das atividades.

A ausência de tratamento adequado abre margem para questionamentos sobre o destino das participações societárias, o valor a ser considerado para a sua apuração e o exercício de direitos.

Assim, é essencial regulamentar a transferência de quotas/ações no caso de falecimento dos sócios/acionistas por duas razões: além de ajudar a planejar a transição e o futuro da empresa, a regulamentação vincula eventuais herdeiros que possam se tornar detentores da participação societária após o falecimento dos titulares.