A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) avançou para pôr fim à controvérsia sobre o prazo prescricional aplicável às pretensões fundadas em responsabilidade civil contratual. Em julgamento no último dia 14 de maio, os ministros decidiram, por maioria (7x5), que o prazo prescricional de dez anos é o que cabe nesses casos.

A decisão é a de maior relevância hierárquica sobre o tema já proferida no país e configura um precedente vinculante, que deverá ser observado tanto pelas turmas e seções do próprio STJ quanto pelos tribunais inferiores – artigo 927, inciso V do Código de Processo Civil (CPC).

O prazo prescricional para ajuizamento de ações judiciais é tema de relevância inquestionável, uma vez que a ocorrência da prescrição remove a possibilidade de obter em juízo o exercício de direito ou a responsabilização por sua violação. É desejável, portanto, que tais prazos sejam definidos de maneira clara e estável, sem sofrer grandes modificações ao longo do tempo.

Essa questão é especialmente importante quando eventuais modificações possam representar insegurança jurídica, caso advenha um súbito entendimento pelo encurtamento de determinado prazo prescricional. Isso certamente frustraria a expectativa dos jurisdicionados em relação ao ajuizamento de ações judiciais ou instituição de arbitragens e restringiria o período que pode ser tutelado nesses procedimentos.

O tema ganha relevância ainda maior em contratos de longa duração, nos quais muitas vezes as partes optam por aguardar o fim da avença para iniciar uma disputa. Afinal, tal escolha não impacta o início do prazo prescricional, que coincide com o momento da violação do direito (artigo 189 do Código Civil), ainda que a relação contratual continue vigente.

Desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002, contudo, a doutrina diverge quanto ao prazo prescricional aplicável às pretensões fundadas em responsabilidade civil contratual: alguns juristas defendem ser de três anos, em razão do previsto no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil, ao passo que outros argumentam que tal prazo se aplicaria somente às pretensões fundadas em responsabilidade civil extracontratual. Sendo assim, para a responsabilidade civil contratual, seria aplicável o prazo geral de dez anos disposto no artigo 205 do Código Civil para as hipóteses em que a lei não tenha fixado prazo prescricional menor.

A discussão se restringe exclusivamente à responsabilidade civil contratual, pois é pacífico que a responsabilidade civil extracontratual está abarcada no dispositivo do Código Civil citado acima e, consequentemente, seu prazo prescricional é de três anos.

Até se tentou pacificar a questão também em relação à responsabilidade civil contratual, por meio do Enunciado nº 419 da V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, aprovado em novembro de 2011. A ideia, na ocasião, era disciplinar que as pretensões fundadas tanto em responsabilidade civil contratual como em responsabilidade civil extracontratual deveriam ser uniformemente regidas pelo prazo prescricional de três anos. Entretanto, a divergência persistiu.

Contrariamente ao enunciado em questão, por exemplo, o próprio STJ aderiu majoritariamente, durante anos, ao prazo geral de dez anos para a responsabilidade civil contratual, embora, por vezes, tenha decidido por uma contraditória aplicação do prazo de três anos somente para algumas modalidades contratuais.

Em novembro de 2016, a divergência quanto ao tema se instalou definitivamente na Corte Superior: ao julgar o Recurso Especial (REsp) nº 1.281.594 – SP, a Terceira Turma do STJ modificou seu entendimento e decidiu que o prazo prescricional na responsabilidade civil contratual seria de três anos.

A decisão gerou reação imediata dos defensores do prazo geral de dez anos, tendo dois civilistas de relevância nacional publicado artigo sustentando tal posicionamento.[1]

Aparentemente influenciada pelos argumentos apresentados nessa publicação, em junho de 2018, a Segunda Seção do STJ – composta pela Terceira e pela Quarta Turma – decidiu, nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1.280.825/SP, que o prazo aplicável é de dez anos.

Desde que esses dois julgamentos ocorreram, os litigantes em relações contratuais passaram a conviver com intensa insegurança jurídica quanto à possibilidade de exercício de seus direitos.

Felizmente, contudo, a parte vencida no REsp nº 1.281.594 – SP opôs embargos de divergência contra a decisão (exatamente para pacificar a jurisprudência nos tribunais superiores). O recurso foi, então, remetido à Corte Especial do STJ, que decidiu pelo prazo prescricional de dez anos.

A despeito da divergência quanto à vinculação também dos tribunais arbitrais a essa decisão, espera-se que ela seja igualmente observada nos procedimentos arbitrais, por uma questão de tratamento isonômico dos contratantes litigantes e de segurança jurídica.

Ainda é preciso aguardar o trânsito em julgado da decisão para que a divergência seja definitivamente considerada superada, mas a expectativa é de que ela seja mantida e pacifique o tema por longo período.

Além disso, a decisão prestigia a segurança jurídica, pois remove a possibilidade de que, repentinamente, pretensões veiculadas em disputas iniciadas – ou que viriam a ser iniciadas – após três anos do início do prazo prescricional, respaldadas pelo posicionamento majoritário até então vigente, passassem a ser consideradas prescritas.

Também em reforço à segurança jurídica, a decisão assinalou que “prescrição constitui, de certo modo, regra restritiva de direitos, não podendo assim comportar interpretação ampliativa das balizas fixadas pelo legislador” (pág. 33 do acórdão), o que deve servir de parâmetro para que decisões futuras sobre o tema da prescrição, inclusive em contextos distintos, privilegiem interpretações restritivas.


[1] MARTINS-COSTA, Judith; ZANETTI, Cristiano de Sousa; Responsabilidade contratual: prazo prescricional de dez anos. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 797, p. 215-241, mai. 2017.