A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, confirmou a legalidade de cláusula que limita a responsabilidade estabelecida em contrato firmado entre uma empresa multinacional do ramo de tecnologia e uma empresa brasileira que atuava como sua representante no país. A decisão foi tomada apesar de haver disparidade entre as capacidades econômicas dos contratantes.

O REsp 1.989.291/SP trata, em sua origem, de uma ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada pela empresa brasileira que atuava como representante contra a multinacional. A ação se refere à relação comercial de distribuição/representação comercial iniciada na década de 1990, em que a empresa brasileira adquiria equipamentos de informática com desconto e os revendia ao consumidor final, obtendo lucro com a operação.

A empresa nacional alega ter sido forçada a fazer renegociações do contrato, sempre em detrimento dos seus interesses. A cláusula que limitava a responsabilidade da multinacional se enquadraria nesse contexto.

O TJSP concluiu que a multinacional teria se aproveitado da sua superioridade técnica e econômica para aumentar arbitrariamente seus lucros, em prejuízo da sociedade brasileira. Por isso decidiu afastar a incidência da cláusula contratual de limitação da responsabilidade.

O caso foi remetido ao STJ. Após voto do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva pela manutenção do julgado do TJSP – sob o fundamento de que a multinacional teria agido para aumentar a dependência econômica da empresa brasileira, quebrando o equilíbrio contratual –, prevaleceu o voto divergente do ministro Moura Ribeiro.

A maioria acompanhou o entendimento do ministro Moura Ribeiro de que a eventual infração à ordem econômica e desequilíbrio entre os contratantes poderia até ser alegada para subsidiar o rompimento do contrato, mas não para afastar a cláusula de limitação de responsabilidade, livremente pactuada e decorrente do exercício de autonomia de vontade das partes.

Segundo Moura Ribeiro, o simples reconhecimento da superioridade econômica e técnica da fornecedora é insuficiente para tornar nula a cláusula de limitação de responsabilidade.

A distribuidora, ainda de acordo com o ministro, também não pode ser considerada empresa de pequeno porte, já que cresceu muito no período da parceria comercial com a multinacional, não se enquadrando nos conceitos hipossuficiência ou vulnerabilidade. Seria, portanto, plenamente capaz de conhecer e compreender a cláusula limitativa de responsabilidade.

O voto do ministro deixa claro que, se o instrumento estabelecer uma cláusula penal – e por analogia, uma cláusula limitativa de responsabilidade – para regular os eventuais prejuízos provenientes da relação negocial, o credor não pode simplesmente desconsiderá-la e cobrar do devedor a integralidade dos danos. Há exceção[1] no caso de dolo ou se o contrato autorizar a cobrança dos prejuízos excedentes.

O ministro concluiu que, no caso em questão, não ficou minimamente comprovado o dolo e não havia previsão contratual sobre indenização suplementar. Pelo princípio da força vinculativa dos contratos, portanto, caberia a manutenção da cláusula de limitação:

"Não parece lógico, nem mesmo razoável, determinar uma indenização diversa, apenas com base em meras suposições. Nas circunstâncias, ao contrário, merece prevalecer o limite estabelecido pela vontade das partes, as quais, é de se admitir, sopesaram prós e contras quando da contratação".

O ministro Marco Aurélio Bellizze acompanhou o voto vencedor, reconhecendo a validade da cláusula limitadora da responsabilidade. Ele fez considerações importantes sobre a distinção entre cláusula penal e cláusula de limitação de responsabilidade:

“A cláusula penal, que pode ser classificada como compensatória ou moratória, 'pode qualificar-se como indenizatória, quando tem por escopo pré-fixar as perdas e danos decorrentes da mora ou do inadimplemento total, ou punitiva, caso em que assume caráter sancionatório' (REsp 1.736.452/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, DJe de 1/12/2020). A rigor, ela serve como uma prefixação do dano, ou seja, em caso de inadimplemento ou mora do devedor, o seu montante já será devido, independentemente da apuração dos danos efetivamente ocorridos.

Já a cláusula de limitação da indenização, por sua vez, tem a função apenas de limitar o valor indenizatório, caso o credor comprove o dano cometido pelo devedor, a sua extensão e o respectivo nexo causal. Logo, não é possível confundir os institutos, aplicando-se a mesma regra para justificar o afastamento da cláusula limitadora de indenização no caso concreto.”

O ministro Bellizze indicou que os valores deverão ser apurados para liquidação de sentença. Caso o valor apurado seja inferior àquele fixado contratualmente como limite indenizatório, ou seja, abaixo de US$ 1 milhão, a cláusula de limitação não terá qualquer efeito prático. Porém, se o valor apurado for superior, o excedente será desconsiderado e se fixará o teto indenizatório previsto no contrato.

O julgado do STJ é de fundamental importância para ratificar o entendimento da Corte Superior sobre pontos principiológicos do direito privado, como a aplicação da força vinculante dos contratos e a autonomia de vontade das partes.

Contribui, ainda, para sedimentar a legalidade de cláusulas contratuais que permitam a partes sofisticadas, em contratos empresariais, pré-fixar perdas e danos, por meio de cláusulas limitadoras de responsabilidade – instrumentos importantes para o mapeamento de riscos e a precificação dos negócios.

 


[1] SIMÃO, José Fernando. Código Civil Comentado. ANDERSON SCHREIBER et al. Ed. Forense, 5ª Edição, pág. 297