A evolução da economia brasileira nos últimos anos trouxe novos desafios aos responsáveis pela administração das entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs), regidas pela Lei Complementar nºº109/2001 (LC 109) e pela Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.).Diferentemente das companhias que têm como propósito a obtenção de lucro para seus acionistas e demais stakeholders envolvidos, porém, as EFPCs objetivam a gestão de recursos para o pagamento de benefícios previdenciários aos seus assistidos.
A adoção de más práticas de administração e o cometimento de atos ilegais têm sido vigiados de perto pelos stakeholders desde a onda de procedimentos investigatórios inaugurados com a Operação Lava Jato e correlatas. No âmbito da responsabilização desses administradores pelos atos praticados na gestão das entidades e companhias, observamos o aumento do número de ações de responsabilização civil contra esses agentes a fim de obter reparação por danos causados a essa organizações.
Esse aumento de vigilância, aliado a uma evolução positiva da governança das entidades e companhias, com a adoção de boas práticas de compliance, ética e gestão, inaugurou uma nova era em relação à responsabilidade dos gestores profissionais na condução dos negócios, investimentos e relações com a sociedade civil em geral.
Cabe, portanto, analisar quais são os aspectos principais e os limites aplicáveis a tais gestores quando do cometimento de atos que tragam danos às entidades ou companhias geridas. Neste artigo, abordaremos brevemente as diferenças e similaridades das regras de responsabilização civil aplicáveis às EFPCs e às companhias, por meio da comparação dos dispositivos da LC 109 e da Lei das S.A.
A LC 109, que deve ser lida em conjunto com a Resolução nº 4.661/2018, delimita o âmbito da responsabilização civil dos administradores das EFPCs em seu art. 63. O dispositivo estabelece que os administradores[1] responderão civilmente pelos danos ou prejuízos que causarem, seja por ação ou omissão. Além disso, os arts. 35 e 39 estabelecem o dever de informar aos órgãos reguladores sobre o diretor executivo responsável pela aplicação dos recursos da entidade e determinam que os demais membros da diretoria executiva responderão solidariamente com tal diretor pelos danos e prejuízos para os quais tenham concorrido.
Na Lei das S.A., a responsabilização civil é delimitada pelo art. 158. Ela estabelece que o administrador deverá reparar os prejuízos que causar quando proceder com culpa ou dolo e/ou violar a lei ou o estatuto da companhia. O §1º do artigo estabelece a responsabilidade solidária dos demais administradores apenas no caso de conivência, negligência ou concorrência com o ato gerador do prejuízo, outorgando–lhes a possibilidade de afastamento da solidariedade quando inequivocamente expressarem opinião contrária a decisão ou ato prejudicial levado à frente.
Além disso, a configuração de solidariedade, segundo o §2º do artigo, independe dos deveres atribuídos a cada um dos administradores, devendo todos contribuir para o cumprimento dos deveres impostos pela lei.
Essa configuração de solidariedade independentemente das funções estatutárias é afastada no caso dos administradores das companhias abertas, conforme previsão do §3º do dispositivo. Os administradores também responderão solidariamente com seus predecessores caso constatem o cometimento de atos ilícitos e/ou danosos da antiga gestão e falhem em comunicar isso à assembleia geral da companhia.
A responsabilização civil dos administradores das EFPCs e companhias dependerá sempre da comprovação da existência do ato ilícito, da existência de dolo ou culpa e da comprovação do nexo causal entre tal ato e o prejuízo efetivamente suportado pela entidade ou companhia. Tal análise deve ser feita caso a caso, pois é necessária a adaptação fática a cada um dos requisitos supracitados.
Com esse exercício de comparação, é possível observar que existem diversos elementos similares na LC 109 e na Lei das S.A. para a responsabilização civil dos administradores. A grande diferença está na caracterização da solidariedade entre eles: enquanto na LC 109 ela é imputada sem a exemplificação dos elementos que poderiam afastá-la, na Lei das S.A. essa possibilidade é claramente exposta, seja no caso de voto em contrário, seja nas obrigações de comunicação aos órgãos competentes quando algum ilícito é constatado.
Apesar dessa diferença, os mesmos elementos mitigadores da solidariedade constantes da Lei das S.A. são aplicáveis mutatis mutandi aos administradores sujeitos à LC 109. O cerne dos deveres fiduciários de administração (diligência, lealdade, boa-fé, informação, entre outros) é aplicável a todos os administradores atuantes no Brasil. Portanto, é necessário adotar os mesmos critérios de boas práticas, compliance e ética tanto nas EFPCs quanto nas companhias.
A diferença conceitual na responsabilização civil no âmbito das EFPCs e das companhias está no fato de que os administradores das entidades, por gerirem recursos de terceiros a fim de garantir direitos previdenciários, devem ter ainda mais cuidado na condução de suas atividades. Já os administradores de companhias, cujo objetivo é o lucro, sempre agem com a intenção de aferir vantagens pecuniárias para seus acionistas, embora também devam se cercar de diversos cuidados. Por óbvio, isso influencia diretamente a atuação desses dois tipos de gestores, bem como os elementos de configuração de sua responsabilização civil.
[1] Também são responsáveis civilmente pelos danos ou prejuízos que causarem os procuradores com poder de gestão, os membros de conselhos estatutários, administradores dos patrocinadores ou instituidores, os atuários, os auditores independentes, os avaliadores de gestão e outros profissionais que prestem serviços técnicos à entidade.