Está prestes a completar um ano a decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que autorizou a Inepar a prosseguir com um aumento de capital privado, por meio da capitalização de créditos quirografários e com garantias reais detidos contra ela, mediante a atuação de um intermediário, o comissário, como subscritor das ações a serem emitidas no processo.

A decisão da autarquia representou importante avanço para agilizar e, em alguns casos, viabilizar a reestruturação de dívidas de companhias abertas, permitindo que os credores recebam seus créditos de forma mais simples e rápida.

No caso da Inepar, a autorização da CVM se deu no âmbito do plano de recuperação judicial da companhia homologado em 21 de maio de 2015. Considerando a necessidade de executar as medidas deliberadas no plano, a empresa consultou a CVM sobre a aplicação da Instrução da CVM nº 505, de 27 de setembro de 2011, conforme alterada (ICVM 505), ao aumento de capital realizado por intermédio de um comissário.

A ICVM nº 505 estabelece normas e procedimentos a serem observados pelas instituições habilitadas a atuar como integrantes do sistema de distribuição, por conta própria e/ou de terceiros, nas operações realizadas com valores mobiliários em mercados regulamentados. Seu objetivo é aprimorar os sistemas das instituições habilitadas para evitar falhas de cadastro que possam gerar riscos indesejáveis às operações realizadas nos mercados regulamentados de valores mobiliários.

O ponto central da discussão foi a dispensa do cumprimento do disposto no artigo 22 da ICVM 505, segundo o qual o intermediário deve identificar o comitente final em todas as operações que execute ou registre no prazo máximo de 30 minutos após o registro do negócio. Isso porque uma das opções de conversão dos créditos da Inepar, prevista no plano, estabelecia que os credores que manifestassem, tempestivamente, seu interesse em converter seus créditos em ações de emissão da Inepar para posterior alienação em bolsa de valores receberiam os montantes oriundos de tal alienação em pagamento dos créditos a que têm direito. Todo esse processo ocorreria por intermédio de um comissário, que atuaria por conta e ordem dos credores (ou comitentes).

A figura do comissário encontra respaldo no Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, conforme alterada), notadamente nos artigos 693 e seguintes. Indiretamente, essa figura é respaldada também no inciso III do artigo 1º da ICVM 505, que define comitente como a “pessoa natural ou jurídica, fundo de investimento, clube de investimento ou investidor não residente, em nome do qual são efetuadas operações com valores mobiliários”.

A constituição do comissário pode ser dar por meio de um contrato de comissão, celebrado entre o comitente e o comissário, tendo por escopo a aquisição ou venda, pelo comissário, em seu próprio nome, de bens à conta do comitente. No aumento de capital da Inepar, a manifestação expressa de aceitação da opção de conversão dos créditos a que têm direito e a nomeação do comissário pelos credores seriam suficientes para caracterizar os credores como comitentes e, por conseguinte, para autorizar, conforme viesse a ser o caso, a celebração de contrato de comissão em nome deles.

A decisão do Colegiado fundamentou-se na manifestação da Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI) da CVM em 6 de julho de 2016. Para a área técnica, a proposta de realização do aumento de capital por meio de um comissário, conforme aprovado no plano, traria vantagens que a justificariam, entre elas:

  • (i) conferir agilidade ao processo, especialmente aos credores que, eventualmente, não realizam investimentos habituais no mercado de valores mobiliários e precisariam abrir contas em uma instituição habilitada para uma única operação;
  • (ii) ser a única alternativa viável para determinados credores que, eventualmente, por restrição legal ou outras razões, não podem ser detentores diretos de ações de emissão da Inepar;
  • (iii) solucionar de forma prática um caso específico (recuperação judicial) que encontra respaldo na legislação brasileira e que não contraria normativos; e
  • (iv) fornecer alternativas para atender ao interesse de diferentes credores e assegurar o sucesso da recuperação de empresas em dificuldades financeiras.

Diante dessas vantagens, acreditamos que a figura do comissário como subscritor poderia ser adotada também nos casos de reestruturação de dívidas de companhias que não estão em recuperação judicial. Fica aqui a ponderação para futuras reestruturações.