Neste segundo artigo sobre gerenciamento de crise, tratamos do dinâmico setor de energia elétrica, em que as empresas concessionárias de serviço público enfrentam desafios cada vez mais complexos, especialmente em condições climáticas adversas – como chuvas em excesso –, cuja recorrência se agrava com o aquecimento global.

Aliado ao aumento da frequência e intensidade desses eventos climáticos, que impõem uma pressão maior sobre a infraestrutura elétrica, há ainda a crescente politização dos debates envolvendo o setor elétrico e em especial as empresas que passaram por processos de privatização.

Nesse contexto, é necessário que concessionárias de serviços e instalações de energia elétrica se preparem adequadamente para situação de crise – seja ela por eventos originados em ativos de geração, transmissão ou distribuição de energia.

Por ser um setor fortemente regulado, a indústria de energia elétrica conta com uma série de obrigações legais que devem ser seguidas à risca pelas concessionárias. Essas obrigações estão em constante mudança e têm acompanhado a crescente necessidade de adequação frente aos eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes.

Como exemplo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) instaurou a Tomada de Subsídios 002/24 (TS 002/24), em decorrência da Nota Técnica 7/2024-STD-SFT/Aneel. O objetivo é avaliar a necessidade de intervenção regulatória para esses eventos, abordando a regulamentação dos serviços de transmissão e critérios para aplicação de parcela variável por indisponibilidade.

A nota técnica também menciona a necessidade de revisão de planos de contingências das empresas e trata da definição de interrupção em situação de emergência.

Para lidar com situações de crise, como na hipótese de um apagão decorrente de eventos climáticos extremos, há a Portaria Normativa 61/GM/MME, de 13 de março de 2023, que instituiu o Protocolo Geral de Segurança e de Gerenciamento de Crises de Ativos de Infraestrutura de Energia Elétrica, Mineração, Petróleo e seus derivados, Gás Natural e Biocombustíveis (PGC), assim como o Comitê de Gerenciamento de Crise (CGC).

O PGC define ações preventivas e responsivas para situações que comprometam a integridade ou disponibilidade dos serviços. Já o CGC tem a função de acompanhar e propor ações estratégicas, categorizar incidentes, estabelecer procedimentos de resposta e definir o conteúdo de comunicados durante crises.

Uma preparação eficaz para uma situação de crise, porém, requer mais que organização (altamente recomendada) e o estrito cumprimento da regulação – sobretudo porque, em regra, os gatilhos e exigências legais são focados em aspectos técnicos e operacionais, não em desdobramentos jurídicos e ações que, se tomadas, poderiam mitigar prejuízos.

Um exemplo disso é a avaliação de suprimento energético e riscos de eventuais blecautes ou indisponibilidades de equipamentos das empresas atuantes no setor. Se realizada como um esforço de preparação para eventual crise, essa avaliação pode ajudar a evitar grandes transtornos.

Da mesma forma, esforços de estruturação, orientação e organização que permitam uma comunicação transparente, direta e segura com o regulador e a sociedade têm muito a acrescentar.

Se em vez de fazer suas comunicações como um mero cumprimento de exigências regulatórias, as empresas se empenharem em compartilhar informações mais detalhadas com o Estado, o poder público passará a ter efetivas condições de empregar esforços em uma mobilização para suprir eventuais lacunas apontadas.

Em ambos os exemplos, os esforços mencionados não apenas podem entregar resultados imediatos e perceptíveis às empresas, como contribuem consideravelmente para mitigar riscos e prejuízos em caso de eventos críticos.

Estar preparado para uma crise (e saber como agir antes e diante dela) é importante para tomar decisões jurídicas acertadas, o que resulta em respostas eficazes, capazes de controlar a situação que a empresa vive naquele momento.

Em suma, do ponto de vista jurídico, a atuação proativa por parte dos agentes do setor elétrico no sentido de contribuir para o sistema e mitigar as chances de uma interrupção do fornecimento regular de energia pode significar sua não responsabilização por eventos imprevistos, como é o caso dos eventos climáticos extremos.

Por isso, diante dos desafios do setor de energia – em que as inovações e aprimoramentos andam junto com uma maior pressão sobre as concessionárias e agentes do setor de energia elétrica em geral –, a preparação estratégica, crítica e provocativa pode se revelar uma importante aliada das empresas na gestão de um apagão.

É certo que os departamentos jurídicos não têm o poder de propriamente evitar um apagão, questão eminentemente técnica. No entanto, eles podem, e muito, contribuir previamente para mitigar os efeitos de uma crise, especialmente ao fazer a avaliação crítica das potenciais consequências jurídicas e orientar sobre ações capazes de minimizar danos na esfera civil, administrativa, regulatória e criminal.