O texto visa alterar as Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, e nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que regulam, respectivamente, a incorporação imobiliária e o parcelamento do solo urbano. O destaque do texto proposto é a previsão de regras expressas sobre as consequências do desfazimento de contratos celebrados para a aquisição de imóveis no âmbito de incorporações imobiliárias, sejam elas decorrentes de inadimplemento do adquirente ou do incorporador.
Caso convertida em lei, a redação atual do projeto manterá o direito reconhecido pela jurisprudência ao adquirente de rescindir ou distratar o contrato, devendo o incorporador restituir o valor pago até então, descontado (i) da comissão de corretagem e (ii) de cláusula penal de, no máximo, 50% dos demais valores pagos pelo adquirente, caso o empreendimento tenha sido submetido ao regime de afetação, ou de, no máximo, 25% dos demais valores, caso o empreendimento não tenha sido afetado. Caso o adquirente originário consiga ceder sua posição contratual a outra pessoa, a penalidade não será devida.
Nos casos em que desfaça o contrato já na posse do imóvel, o adquirente deverá pagar também o valor correspondente à fruição do bem (conforme pactuado contratualmente ou, caso não tenha sido pactuado, conforme fixado judicialmente), além das cotas e taxas condominiais e dos tributos devidos relacionados ao imóvel.
Além de trazer segurança jurídica ao pacificar a porcentagem da penalidade aplicável, a redação aprovada vai em sentido contrário ao antigo entendimento sumulado de nossos tribunais (que prevê a devolução imediata), concedendo à incorporadora prazo para reembolsar o antigo adquirente, da seguinte forma: até 30 dias da emissão do habite-se nos casos em que há patrimônio de afetação; até 180 dias do desfazimento do contrato nos casos em que a segregação não existe; ou, para a hipótese de revenda da unidade, até 30 dias a contar da transação.
A nova lei, se aprovada com o texto atual, pacificará ainda a admissibilidade de tolerância de 180 dias para a conclusão das obras, desde que tal prazo tenha constado de forma clara e expressa pelo incorporador quando da alienação da unidade. Ou seja, não será admitido como hipótese de rescisão do contrato o atraso inferior ao prazo de carência. Ultrapassado esse prazo sem a devida entrega, o adquirente poderá optar pela (i) rescisão contratual, cabendo-lhe o direito ao recebimento integral dos valores pagos, além de multa; ou (ii) manutenção do contrato até a conclusão e entrega da unidade, hipótese em que lhe será devida indenização correspondente a 1% do valor efetivamente pago à incorporadora para cada mês de atraso.
A aprovação do projeto de lei será um marco importante para o mercado imobiliário, que desacelerou consideravelmente após o grande crescimento registrado entre os “anos dourados” de 2010 e 2014 (potencializado pelo aumento da oferta de crédito e dos investimentos no país), como reflexo da elevação do desemprego, das taxas de juros, da recessão econômica e da grande oferta de empreendimentos imobiliários lançados e a lançar. Durante essa desaceleração, percebida principalmente entre 2015 e 2017, houve um aumento estarrecedor no número de distratos: segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), esse total chegou a 34,8 mil (o equivalente a 32,3% das vendas de imóveis novos) entre novembro de 2016 e novembro de 2017 – uma das principais causas dos pedidos de recuperação judicial que envolveram incorporadoras brasileiras desde 2015.
O boom dos distratos, aliado à falta de regulamentação, teve como consequência o aumento considerável das ações judiciais em que se discutia o valor a ser devolvido aos adquirentes de unidades autônomas que, pelas mais diversas razões, pleiteavam a rescisão de seus contratos. Sem uniformidade no entendimento dos tribunais brasileiros, a maioria das decisões não levava em conta toda a cadeia que envolve uma incorporação imobiliária. A viabilidade desses empreendimentos depende dos recursos captados e é diretamente prejudicada nos casos em que o incorporador é obrigado a devolver valores irrazoáveis e de forma imediata, em razão de rescisões contratuais muitas vezes injustificadas. Nesses casos, os prejuízos recaem tanto sobre a conclusão do empreendimento quanto sobre os demais adquirentes, pondo em risco efetivamente o patrimônio de afetação tão buscado em nosso ordenamento jurídico para proteger os adquirentes.
O texto do projeto aprovado pelo plenário da Câmara está em sintonia com a nova tendência jurisprudencial observada desde 2017 em alguns julgados das cortes estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo, que passaram a averiguar o tipo de adquirente envolvido na ação judicial (se consumidor ou investidor); a não autorizar o término da relação contratual desmotivada; e a conceder prazos para o reembolso de parcela dos valores pagos ao adquirente investidor (vide TJSP: Apelação 1116739-74.2016.8.26.0100 10 e TJRJ: Apelações 0291672-78.2015.8.19.0001, 0031585-12.2016.8.19.0000, 0072679-03.2017.8.19.0000 e 017226-23.2017.8.19.0000).
Se aprovada no Senado a redação proposta e, não havendo veto presidencial, a entrada em vigor do projeto de lei trará luz às incontáveis ações judiciais sobre o tema e fortalecerá a retomada do avanço do mercado imobiliário no Brasil.