O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão e por unanimidade, reconheceu o cabimento de ação de usucapião de bem imóvel particular sem registro imobiliário. Esse foi o entendimento dos ministros, ao julgarem procedente uma ação de usucapião de imóvel situado em loteamento estabelecido há anos no Setor Tradicional de Planaltina-DF, mas não autorizado ou regularizado pela Administração Pública local.[1]

A questão trazida para apreciação do STJ teve origem em centenas de processos de usucapião em trâmite no Tribunal de Justiça do Distrito Federal envolvendo imóveis particulares desprovidos de registros próprios, inseridos em loteamentos classificados como clandestinos, que não foram autorizados nem regularizados pela administração do Distrito Federal, apesar de existirem há décadas. A decisão consolida, inclusive, decisões anteriores de instâncias inferiores com o mesmo entendimento.

A usucapião é um instituto garantido constitucionalmente. Ela permite a aquisição de um bem imóvel pela comprovação da posse exercida sem oposição e há determinado tempo, além de outros requisitos exigidos por lei. Por se tratar de uma forma originária de aquisição da propriedade, não há transferência de ônus ou gravames sobre o bem para o autor da ação (o usucapiente). O registro da usucapião no cartório de imóveis, portanto, não é feito para constituir a aquisição, mas sim dar publicidade a ela e permitir o exercício do direito de dispor do imóvel, além de regularizar o próprio registro cartorial.[2]

No caso em questão, para o juiz de origem, a usucapião é forma originária de aquisição da propriedade, podendo ser declarada independentemente de existência prévia de matrícula ou registro no cartório de imóveis.

Já o Ministério Público do Distrito Federal e o próprio governo do Distrito Federal defendem a tese de impossibilidade de se declarar a propriedade por meio da usucapião de imóveis nessa condição, sob pena de usurpar da Administração a função de planejamento e regularização urbanística.

Parece razoável sustentar que, no caso do loteamento localizado no Distrito Federal, a ausência de registro imobiliário ou de origem dominial do bem imóvel não deveria realmente inviabilizar a decisão favorável de usucapião. Isso porque o objetivo da norma legal – desde que demonstrada a presença de todos os requisitos legais – é exatamente regularizar, em termos jurídicos e registrário, um fato consolidado, tornando, inclusive, formais as relações jurídicas preexistentes. A ação promove, por fim, segurança jurídica nas transações imobiliárias, em benefício da população menos favorecida.

No caso analisado, há a perfeita individualização da propriedade, servida de infraestrutura e equipamentos que possibilitam o desenvolvimento de vida civil e social, caracterizando o imóvel como pertencente a núcleo absolutamente estabelecido e de difícil (ou impossível) reversão.

Ressalte-se que a integração de núcleos informais consolidados e áreas não regulares ao ordenamento territorial urbano, com a entrega de títulos a seus efetivos ocupantes, parece ser o objetivo geral das políticas fundiárias do país. Tanto é que a legislação vigente não exige registro prévio ou cadeia dominial fechada dos imóveis como pressuposto da usucapião.

Nesse sentido, a decisão do STJ representa, além de uma solução jurídica para uma pretensão recorrente, um enorme avanço. Ela confirma a viabilidade de se regularizar áreas irregulares e vulneráveis (tanto social como economicamente), que sofrem com problemas fundiários expressivos, demonstrando que é possível aplicar soluções céleres e que garantam o direito fundamental à moradia.

 


[1] Recurso Especial 1.818.564 – DF

[2] Resp. 118360/11