A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, reconhecer a possibilidade de rescisão de contrato de compra com garantia fiduciária. Para isso, o tribunal aplicou as normas do Código Civil (CC), Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Súmula 453 do STJ, em detrimento das normas especiais previstas na Lei 9.514/97.
A questão central envolvia a possibilidade de rescisão contratual com restituição integral das quantias pagas, descontado um percentual a título de cláusula penal compensatória, ou a aplicação das regras de excussão da dívida previstas na Lei 9.514/97 e no Tema 1095 do STJ, nos casos em que, por um longo período, o alienante do imóvel optou por não registrar o contrato no Cartório de Registro de Imóveis (RGI).
A Segunda Seção do STJ, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.095), estabeleceu que a resolução contratual por inadimplência do contrato de compra de imóvel com garantia de alienação fiduciária, quando devidamente registrado em cartório e com o devedor em mora, deve seguir a forma prevista na Lei 9.514/1997. Por se tratar de legislação específica, essa norma prevalece sobre a aplicação do CDC.
No caso concreto, o contrato foi celebrado em 30/04/2017. Após o pagamento do sinal e de algumas parcelas anuais, os compradores manifestaram interesse claro na rescisão do contrato em abril de 2019. A ação foi proposta em 20/05/2019, e o registro do contrato na matrícula do imóvel ocorreu em 05/07/2019, após o início da ação judicial.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, inicialmente destacou que a falta de registro não prejudica a validade e eficácia do negócio jurídico, mas afasta a possibilidade de utilização do procedimento de execução extrajudicial, previsto da Lei 9.514/97. A ministra reforçou que, nas negociações imobiliárias, as partes devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e de lealdade, afastando relações desequilibradas, e compreendeu que o registro do contrato ocorreu com o nítido objetivo de afastar a incidência do CC, do CDC e da Súmula 543 do STJ.
Na decisão, a relatora asseverou que deixar de registrar o contrato por mais de dois anos da sua celebração fere os princípios da boa-fé objetiva e da supressio (hipótese em que alguém deixa de exercer um direito por um período prolongado, considerando sua renúncia).
A decisão do STJ reforça a formalidade essencial do registro da propriedade fiduciária na matrícula imobiliária para sua constituição, nos termos do art. 23 da Lei 9.514/97.