Por oferecem oportunidades para diversificação de negócios, aumento/consolidação de market share, economia de escala, entre outras, as operações de fusões e aquisições (M&A) são parte relevante das estratégias de crescimento e expansão de diversas empresas.

Quando realizadas por companhias abertas, as operações de M&A devem observar disposições legais específicas, como o artigo 256 da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.).[1] Essencialmente, esse artigo estabelece as hipóteses nas quais a aquisição do controle de uma sociedade por uma companhia aberta dependerá de deliberação por sua assembleia geral e, eventualmente, gerará direito de recesso aos acionistas que discordarem da deliberação.

Como o dispositivo se refere a companhias abertas, ele não se aplica, em geral, às operações em que as companhias abertas adquirem sociedades por intermédio de suas investidas. Isso porque a Lei das S.A. se refere apenas à situação de aquisição “por companhia aberta”, sem mencionar “direta ou indiretamente”.

Apesar disso, os controladores e administradores da compradora poderão ser responsabilizados por abuso ou desvio de poder, respectivamente, se for comprovado que houve utilização de sociedade “veículo” na aquisição do controle em detrimento de interesses legítimos dos demais acionistas da companhia aberta.

Existem precedentes julgados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em que foi determinada a aplicação do artigo 256 no caso de aquisição de controle de sociedade realizada por meio de sociedades controladas ou subsidiárias de companhias abertas, com o fundamento de terem sido utilizados “veículos” para essas aquisições.

Quando a operação de M&A envolvendo a compra do controle de sociedade por companhia aberta se enquadrar nas hipóteses específicas previstas no artigo 256 da Lei das S.A., a operação deverá ser submetida à prévia autorização da assembleia geral ou à sua ratificação. Para permitir a adequada avaliação da operação pelos acionistas, as informações constantes do Anexo 19 da Instrução Normativa da CVM 481/09 devem ser disponibilizadas, bem como a proposta ou o contrato de compra da operação e laudo de avaliação, o qual deve ser elaborado em observância ao disposto no artigo 8º da Lei das S.A.

Ainda que a assembleia geral não seja, à primeira vista, o órgão mais apropriado para aprovar os investimentos de uma companhia aberta, o artigo 256 busca assegurar transparência e acesso a informações pelos acionistas, ao exigir que operações de compra de controle cujo investimento seja relevante para a compradora ou cujo preço atinja determinados parâmetros estabelecidos pela lei sejam submetidas à assembleia.

A interpretação do artigo 256 requer também o exame dos conceitos de “investimento relevante” e “patrimônio líquido a preços de mercado”, o que, agravada pela pobreza da técnica legislativa, pode tornar a tarefa razoavelmente complexa.

A primeira hipótese para submissão da operação à assembleia geral da companhia aberta ocorre quando o preço de compra constitui investimento relevante para a compradora. Nos termos do artigo 247, parágrafo único, alínea a, da Lei das S.A., considera-se relevante o investimento, em cada sociedade coligada ou controlada, caso o seu valor contábil seja igual ou superior a 10% do valor do patrimônio líquido da companhia. Desse modo, de acordo com o dispositivo, será obrigatória a realização da assembleia geral da compradora sempre que o preço de compra do controle representar 10% ou mais do seu patrimônio líquido.[2]

A segunda hipótese se dá quando o preço médio de cada ação/quota da sociedade adquirida ultrapassa uma vez e meia o maior dos seguintes valores:

  • cotação média das ações em bolsa ou no mercado de balcão organizado, durante os 90 dias anteriores à data da contratação;
  • valor de patrimônio líquido da ação ou quota, avaliado o patrimônio a preços de mercado; ou
  • valor do lucro líquido da ação ou quota, que não poderá ser superior a 15 vezes o lucro líquido anual por ação nos dois últimos exercícios sociais, atualizado monetariamente.

Entre essas formas de avaliação do valor do preço médio por ação/quota, a segunda merece atenção especial, uma vez que a avaliação a preço de mercado do valor do patrimônio da sociedade adquirida se faz por meio da avaliação de cada um dos seus ativos de forma isolada. No cálculo, é considerado seu possível valor de venda ou de reposição, de modo que o valor obtido seja similar ao que seria devido ao acionista/quotista na hipótese de liquidação da sociedade adquirida.

A CVM, contudo, já se manifestou a respeito da possibilidade de formas alternativas de avaliação para fins da alínea b, inciso II, do artigo 256 da Lei das S.A. em alguns casos específicos. No Processo Administrativo CVM 19957.002727/2016-26, a CVM concordou com a possibilidade de ativos intangíveis serem avaliados por métodos baseados no resultado de sua exploração econômica. Já no Processo CVM RJ 2010/14254, foi decidido que shopping centers poderiam ser considerados um único ativo e avaliados por método de fluxo de caixa descontado.

Diz-se que o artigo 256 oferece dupla proteção aos acionistas minoritários. Isso porque ele não só permite maior transparência e acesso à informação pelos acionistas com a exigência da aprovação da operação de M&A, como também garante o direito de recesso aos acionistas dissidentes, na hipótese em que o preço médio por ação/quotas ultrapassar em uma vez e meia o maior dos três valores mencionados no inciso II do artigo 256 da Lei das S.A.

O direito de recesso não estará disponível aos acionistas dissidentes, porém, na hipótese de as ações da companhia aberta terem tanto liquidez quanto dispersão no mercado. De acordo com o artigo 137, inciso II, da Lei das S.A., uma ação tem liquidez “quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários”; e dispersão no mercado, “quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação”.

Vale ressaltar, por fim, que a não realização da assembleia geral mencionada no artigo 256 da Lei das S.A. poderá resultar na eventual responsabilização dos administradores da companhia aberta.

 


[1] “Art. 256. A compra, por companhia aberta, do controle de qualquer sociedade mercantil, dependerá de deliberação da assembleia geral da compradora, especialmente convocada para conhecer da operação, sempre que:

I - O preço de compra constituir, para a compradora, investimento relevante (artigo 247, parágrafo único); ou

II - o preço médio de cada ação ou quota ultrapassar uma vez e meia o maior dos 3 (três) valores a seguir indicados:

a) cotação média das ações em bolsa ou no mercado de balcão organizado, durante os noventa dias anteriores à data da contratação;

b) valor de patrimônio líquido (artigo 248) da ação ou quota, avaliado o patrimônio a preços de mercado (artigo 183, § 1º);

c) valor do lucro líquido da ação ou quota, que não poderá ser superior a 15 (quinze) vezes o lucro líquido anual por ação (artigo 187 n. VII) nos 2 (dois) últimos exercícios sociais, atualizado monetariamente.

  • 1º A proposta ou o contrato de compra, acompanhado de laudo de avaliação, observado o disposto no art. 8º, §§ 1º e 6º, será submetido à prévia autorização da assembleia geral, ou à sua ratificação, sob pena de responsabilidade dos administradores, instruído com todos os elementos necessários à deliberação.
  • 2º Se o preço da aquisição ultrapassar uma vez e meia o maior dos três valores de que trata o inciso II do caput, o acionista dissidente da deliberação da assembleia que a aprovar terá o direito de retirar-se da companhia mediante reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 137, observado o disposto em seu inciso II.”

[2] O artigo 256 da Lei das S.A. é norma eminentemente de exceção e, portanto, deve receber interpretação restritiva. Assim, sua definição de investimento relevante não deve levar em consideração o disposto na alínea b, parágrafo único, do artigo 247 da Lei das S.A. (“Parágrafo único. Considera-se relevante o investimento: (...) b) no conjunto das sociedades coligadas e controladas, se o valor contábil é igual ou superior a 15% (quinze por cento) do valor do patrimônio líquido da companhia”), uma vez que isso implicaria a submissão à assembleia geral de uma compra de volume insignificante, a depender da participação detida pela companhia aberta em coligadas e controladas.