A B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão abriu, em 3 de maio, consulta pública para propor alterações nas regras do Novo Mercado, segmento especial de listagem com o mais alto grau de governança corporativa da B3 e que conta com 193 companhias listadas.

A proposta é apresentada pela bolsa como uma “evolução” das regras aplicáveis ao segmento. Não se trata, portanto, de uma reforma estrutural como a ocorrida em 2017, que resultou na edição do regulamento em vigor desde 2 de janeiro de 2018.

O termo evolução se justifica já que as propostas de alteração foram baseadas em estudos de regulação comparada, no Código de Melhores Práticas de Governança do IBGC e nas recomendações de proxy advisors com atuação em múltiplas jurisdições, como a Institutional Shareholder Services (ISS).

Na fase de consulta pública, aberta até 2 de agosto deste ano, qualquer interessado pode participar. Basta enviar comentários e contribuições às propostas de alteração de determinadas regras do Novo Mercado para a superintendência de regulação de emissores. As contribuições serão divulgadas em sua integralidade pela B3.

Além da norma revisada, com as alterações em destaque, a bolsa formulou questões específicas sobre pontos sensíveis de determinados temas, para orientar aqueles que vierem a responder a consulta também sobre aspectos relevantes.

A B3 dividiu a consulta pública em três blocos, que englobam:

  • Bloco I, temas centrais da reforma;
  • Bloco II, temas acessórios da reforma; e
  • Bloco III, duas questões para o mercado, para que ele possa se manifestar antes que se faça uma proposta de redação para o regulamento relativamente a essas duas questões.

No Bloco I, são propostas as seguintes alterações para os temas em destaque:

Selo do Novo Mercado “em revisão”. Nas situações em que um emissor está passando por uma situação atípica, a B3 apontou a necessidade de comunicar essa situação ao mercado investidor. Propõe-se, assim, que o comunicado seja feito por meio de novo selo com a indicação “em revisão”. A B3 pergunta ainda se deveria ser excluída ou acrescentada outra hipótese não prevista na consulta pública para que uma empresa receba o selo “em revisão”. Entre as situações que implicam a atribuição do selo "em revisão", foram descritas:

  • divulgação de fato relevante que demonstre a possibilidade de erro material nas informações financeiras;
  • atraso superior a 30 dias na entrega das informações financeiras;
  • relatório dos auditores independentes com opinião modificada;
  • solicitação de recuperação judicial no Brasil ou procedimentos equivalentes em jurisdições estrangeiras;
  • incapacidade de manutenção de diretor estatutário na função decorrente de prisão ou morte, sem a divulgação de substituto ou plano de sucessão por mais de sete dias úteis,
  • desastre ambiental; e
  • divulgação de fato relevante sobre acidente fatal envolvendo trabalhadores ou prestadores de serviço da companhia (sem plano de ação) ou existência de práticas trabalhistas que violem direitos humanos.

A consulta apresenta os critérios temporais para imposição e retirada do selo “em revisão” e ressalta que a apresentação de plano de sucessão ou plano de ação que implique a retirada do selo não reflete juízo de valor da B3 sobre o plano ou os substitutos.

Composição do conselho de administração. Propõe-se que o conselheiro de companhias do Novo Mercado possa se dedicar a, no máximo, cinco conselhos de administração de companhias abertas, para garantir a disponibilidade de tempo adequado.

Caso o conselheiro seja o presidente do órgão, o cargo será computado como se ele ocupasse dois conselhos para cálculo do limite de cinco conselhos. Se o conselheiro for diretor estatutário, o limite é reduzido para dois conselhos. Caso seja o diretor presidente ou o principal executivo da companhia, a atuação fica limitada a um único conselho.

A bolsa esclarece que a proposta de restrição considera apenas conselhos de companhias abertas. Pergunta-se aos participantes se o cargo de conselheiro em companhia fechada não deveria ser igualmente considerado entre os cargos incluídos no limite de cinco, devido ao tempo dedicado às funções.

Ainda sobre a composição do conselho, propõe-se limitar os mandatos consecutivos para conselheiros independentes a dez anos, com o prazo de dois anos de desincompatibilização. Após dez anos consecutivos, o conselheiro pode permanecer no órgão, mas sem se qualificar como conselheiro independente.

Por fim, propõe-se alterar o mínimo de conselheiros independentes para dois membros ou 30%, o que for maior. Assim, companhias com até seis membros no conselho deverão ter pelo menos dois membros independentes. A partir de sete membros, o conselho passa a contar com três membros independentes e assim sucessivamente, de acordo com a regra de arredondamento do regulamento.

Confiabilidade das demonstrações financeiras. Sobre as demonstrações financeiras das companhias listadas no segmento, propõe-se que, no relatório anual da administração, o diretor presidente (ou principal executivo da companhia) e o diretor financeiro prestem declarações da efetividade dos controles internos da companhia.

Além das declarações, a bolsa entende ser pertinente que uma empresa de auditoria independente realize a asseguração da avaliação feita pela administração da companhia sobre os mecanismos de controles internos. O relatório deverá ser emitido no mesmo momento das demonstrações financeiras.

A bolsa pergunta aos participantes se outros administradores deveriam prestar as mesmas declarações e qual seria o escopo da asseguração, com a possível necessidade de se editar normas de auditoria para esse fim.

Inabilitação e multas no regime sancionador. Na conclusão de um processo sancionador que busque impor penalidade decorrente do descumprimento de regra de fiscalização e controle do regulamento, propõe-se a possibilidade de aplicar pena de inabilitação, em casos graves, pelo prazo máximo de dez anos, para o exercício de cargo de administrador, membro do comitê de auditoria e membro do conselho fiscal de companhia listada no segmento. Sobre a proposta de alteração, a bolsa pergunta se há necessidade de limitar os administradores potencialmente sujeitos a essa penalidade.

Além da pena de inabilitação, propõe-se que as atuais faixas para imposição de multa sejam substituídas por tetos (multa máxima por categoria de infração). Com isso, na dosimetria, a pena-base seria fixada na metade da pena máxima, com subsequente aplicação de atenuantes e agravantes. Desse modo, as multas passíveis de aplicação se tornam mais previsíveis. A bolsa elaborou uma questão sobre a conveniência de adotar algum outro critério de limitação em relação à aplicação de penalidades pecuniárias.

Flexibilização da câmara de arbitragem. Propõe-se que, alternativamente à eleição da Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) na cláusula compromissória estatutária, as companhias listadas possam eleger outras câmaras de arbitragem, desde que credenciadas pela CAM.

No Bloco II, as principais alterações propostas para os temas em destaque são:

Comitê de auditoria. Propõe-se que o comitê de auditoria seja sempre estatutário e informe as atividades desenvolvidas ao conselho de administração, independentemente de se enquadrar na Resolução CVM 23. Também se prevê expressamente que seus membros aceitem os termos e condições do regulamento do Novo Mercado.

Propõe-se ainda que sejam lavradas as atas de todas as reuniões do comitê. A realização de agendas trimestrais entre o comitê de auditoria e o auditor independente também faz parte da proposta de aprimoramento do regulamento.

Por fim, a atribuição de avaliação e monitoramento das exposições de risco da companhia pode ser do comitê de auditoria estatutário ou de outro comitê estatutário criado para essa finalidade específica. O comitê específico deverá contar com ao menos um conselheiro independente da companhia, regimento interno próprio e membros independentes.

Canal de denúncia. Propõe-se a existência de um único canal de denúncias, desde que seja realizada triagem das denúncias para posterior encaminhamento ao órgão competente, de acordo com o código de conduta, políticas, legislação e regulamentação aplicáveis à companhia ou em matérias de competência do comitê de auditoria.

Ainda sobre o canal de denúncia, a proposta contempla a possibilidade de o denunciante revelar sua identidade, caso queira, mantendo-se o anonimato como regra geral. Por fim, propõe-se divulgar, no formulário de referência da companhia, o número de denúncias recebidas por ano, separadas por natureza, assim como as sanções aplicadas.

Mudança do prazo para entrada em vigor de alterações. Na hipótese em que a B3 informa modificações no regulamento aos emissores listados no segmento, as modificações devem ser informadas com 30 dias de antecedência. Entretanto, há modificações que não representam impacto relevante sobre os emissores. Nesses casos, a B3 propõe que as alterações entrem em vigor imediatamente, sem a antecedência mínima de 30 dias entre o aviso e o início da vigência.

Prorrogação de prazo para defesa e recurso. Nas situações de defesa administrativa ou imposição de recurso no âmbito de processos administrativos sancionadores iniciados pela B3, foi proposta a possibilidade de o diretor de regulação de emissores prorrogar os prazos de defesa e/ou recurso.

Adaptações normativas. Como resultado das alterações legislativas ocorridas desde a última revisão do regulamento, a B3 propõe que determinadas regras sejam alteradas para que se adequem às alterações legislativas (ou as esclareçam), entre elas:

  • manutenção da quantidade mínima de ações em circulação em 15% pelo emissor, desde que cumpridos requisitos mínimos relativos ao volume da oferta pública de distribuição e ao volume diário de negociação (ADTV) do ativo;
  • emprego da nova terminologia da Resolução CVM 160, que substituiu as ofertas de esforços restritos da revogada Deliberação CVM 476 pelas ofertas de rito automático com restrição de público-alvo;
  • incorporação de novos parâmetros criados pela Resolução CVM 168 para verificar a independência de conselheiros – como o fato de o conselheiro ter fundado a companhia e ter influência significativa sobre ela – entre os demais critérios de independência já previstos no regulamento; e
  • extensão da proibição de cumular os cargos de presidente do conselho de administração e de principal executivo também para companhias de pequeno porte[1] listadas no segmento do Novo Mercado.

O Bloco III apresenta, sem proposta de redação, questões para que os participantes da consulta avaliem a conveniência de inserir no regulamento do Novo Mercado obrigação para que os emissores:

  • prevejam em suas políticas de remuneração clawback rules e cláusula malus na remuneração de seus administradores; e
  • adotem política de integridade.

Em síntese, a cláusula de clawback permitiria que as companhias recuperassem remuneração variável paga a administradores com base em resultado apurado em balanços que foram representados ou que continham erros materiais.

Já a cláusula malus permitiria que as companhias reduzissem (de forma total ou parcial) a remuneração de um administrador por violação do código de conduta da companhia. Para tanto, seria necessário que parcela da remuneração variável fosse diferida.

Para as companhias já listadas ou ingressantes no segmento, foram propostas as seguintes regras, considerando, hipoteticamente, que o novo regulamento entra em vigor em 2025:

  • Declarações do CEO e do CFO sobre a efetividade de controles internos – exigível em 2028, no relatório da administração com data-base de 31 de dezembro de 2027, ou a partir do terceiro exercício subsequente à listagem (relatório relativo ao segundo exercício).
  • Relatório de asseguração do auditor independente sobre a avaliação da estrutura de controles internos feita pela administração – exigível em 2029, com data-base de 31 de dezembro de 2028, ou partir do quarto exercício subsequente à listagem (relatório relativo ao terceiro exercício).
  • Previsão de comitê de auditoria estatutário – até a assembleia geral ordinária (AGO) a ser realizada no exercício social subsequente à entrada em vigor do regulamento.
  • Regras de composição do conselho de administração – primeira eleição subsequente ao início de vigência do regulamento.
  • Disclosure de denúncias recebidas pelo canal de denúncias – a partir da atualização anual obrigatória do formulário de referência do ano subsequente ao início da vigência do regulamento.

Após a conclusão da fase de consulta pública, terá início, mediante nova convocação da B3, a fase de audiência restrita, para que as companhias listadas no segmento votem a proposta final do regulamento do Novo Mercado, com as alterações sugeridas.

O método de votação na etapa de audiência restrita levará em consideração as manifestações recebidas e avaliadas pela B3 na fase de consulta pública.

 


[1] Considera-se companhia de menor porte aquela que obtenha receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões