Desde a reforma promovida pela Lei 10.303/01, que reintroduziu o instituto da oferta pública de aquisição de ações (OPA) por alienação de controle na legislação societária, estabeleceu-se que a oferta deveria ser lançada por um preço equivalente a, no mínimo, 80% do valor pago por ação com direito a voto do bloco de controle.

Paralelamente, certos segmentos especiais de listagem criados pela B3 dão tratamento igualitário aos acionistas da companhia (controladores e minoritários). Assim, por tais segmentos de listagem, a OPA passa a abranger as ações preferenciais (quando emitidas) e o preço por ação pago pelas ações do bloco de controle se iguala ao das ações detidas pelos minoritários.

A questão do preço da OPA por alienação de controle tem sido discutida pela doutrina e analisada pelo colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ao longo dos anos.

Ao se firmar contratos de compra e venda do controle de uma companhia aberta, portanto, é importante que a negociação e a estruturação do negócio considerem os entendimentos da área técnica e do colegiado da CVM sobre o assunto.

Questões referentes à definição do preço da oferta devem ser cuidadosamente analisadas. Isso porque, com a transação, o adquirente do controle deverá obter o registro da OPA na CVM, como estabelece o artigo 33, parágrafo 2, da Resolução CVM 85/22. Nesse processo, pode haver controvérsia entre o adquirente, os acionistas minoritários e os órgãos reguladores do mercado de capitais sobre o preço ofertado.

Uma das questões controversas se refere à extensão dos ajustes de preços.

Isso ocorre porque o preço por ação tem origem em negócio jurídico privado, formalizado por meio de contrato de compra e venda de participação societária. Nesses casos, a negociação pode ter mecanismos contratuais capazes de aumentar ou reduzir o preço. Exemplos disso são instrumentos presentes nas negociações de fusões e aquisições, como as cláusulas de ajuste de preço, retenção de preço, earn-out, indenização e superveniência ativa.

Nessas situações, os ofertantes procuram transpor a lógica desses mecanismos para o preço da oferta, o que normalmente acarreta o oferecimento de duas alternativas de preço aos acionistas minoritários:

  • o pagamento do preço da OPA à vista, com determinado desconto; ou
  • o pagamento integral do preço ofertado aos acionistas controladores no âmbito da operação de compra e venda do controle, com uma parcela paga à vista e as demais parcelas retidas para fazer frente a ajustes futuros, sendo que a retenção deve observar os exatos termos do contrato de compra e venda.

No processo administrativo 19957.003983/2022-89, julgado em junho deste ano, a CVM entendeu que, quando houver parcelas futuras a serem retidas ou pagas aos acionistas minoritários, deve-se dar a eles informação ampla e detalhada sobre os termos e as condições de liberação ou retenção desses valores.

No processo de registro da OPA analisado, a área técnica solicitou ajustes no edital da oferta para incluir:

  • a transcrição de determinadas cláusulas e anexos do contrato de compra e venda para esclarecer aos destinatários da oferta detalhes sobre as cláusulas contratuais, entre elas indenização e ativos contingentes;
  • o procedimento de “divulgação e acompanhamento por parte dos acionistas minoritários de cada liberação ou retenção de valores retidos [...], [detalhando] os valores retidos que seriam inerentes à companhia[1] e aqueles que seriam inerentes exclusivamente aos vendedores [...]”;[2] e
  • o esclarecimento de “situações sujeitas à dedução dos valores retidos da indenização que seriam de responsabilidade da companhia[3] e aquelas que seriam de responsabilidade integral dos vendedores [...]”.[4]

Portanto, tais mecanismos de ajuste devem ser extensa e detalhadamente divulgados no edital da OPA, de modo que os acionistas minoritários que desejam vender suas ações na OPA possam tomar uma decisão consciente sobre a alternativa de preço que pretendem escolher.

Unificação da OPA

Outro fator que interfere na definição do preço é a unificação da OPA por alienação de controle com as modalidades de cancelamento de registro e saída de segmento especial de listagem, com o objetivo de aproveitar o movimento da oferta para tornar a companhia privada.

O colegiado da CVM já se manifestou sobre a definição do preço da OPA, principalmente para reforçar que a “oferta [deve ter] as mesmas condições previstas para o pagamento do controlador”.[5]

Ao adquirir o controle, muitas vezes o adquirente também opta por fazer o cancelamento de registro e a deslistagem das ações da companhia-objeto. Por isso, é comum o pedido de registro de OPA por alienação de controle unificada com cancelamento de registro e saída de segmento de listagem.

No processo administrativo 19957.001012/2019-07, julgado em junho de 2019, o diretor relator entendeu que “o argumento de que os requisitos de preço de cada uma das modalidades de OPA que se pretende aglutinar podem ser satisfeitos por uma alternativa de preço distinta baseia-se em uma premissa equivocada: a de que a OPA Unificada consistiria em um procedimento em que duas ou mais ofertas correm em paralelo. A dicção da regra é clara e indica que se trata de uma única oferta, que visa a mais de uma das finalidades previstas naquela Instrução”.[6]

A unificação das OPAs, portanto, nesse caso, se tornou possível porque a parcela à vista do preço ofertado (desconsiderando retenções feitas devido a mecanismos contratuais e estendida aos minoritários) já perfazia o valor justo exigido para uma OPA de cancelamento de registro e saída de segmento.

A parcela à vista, paga na liquidação da OPA, não poderia, entretanto, ser inferior ao valor mínimo da faixa de valor justo indicada no laudo elaborado para fins de cancelamento de registro. Isso geraria incerteza sobre o pagamento do valor justo pelas ações no processo, um dos requisitos da OPA de cancelamento de registro e deslistagem.

Alteração de controle indireta

Outra questão controversa ocorre quando a companhia adquirida na transação controla a companhia aberta que é alvo da oferta, ou seja, quando a alteração de controle é indireta.

O ofertante, nesses casos, deve justificar[7] o preço por ação a ser pago pelas ações da companhia aberta na oferta, já que o preço da transação pode abranger outros ativos detidos pela controladora, além das ações de emissão da companhia aberta.

A CVM pode até mesmo determinar que o laudo de avaliação da companhia-objeto seja apresentado com esse objetivo.

No processo administrativo CVM RJ 2007/96, julgado em março de 2007, o colegiado entendeu que “a CVM tem competência para analisar (e o dever de fazê-lo) se a ‘demonstração justificada da forma de cálculo do preço devido por força do art. 254-A da Lei 6.404/76, correspondente à alienação do controle da companhia objeto’, a que se refere o § 6º do art. 29 da Instrução 361/02, foi realmente feita de maneira justificada”.[8]

A alteração da metodologia empregada pelo ofertante na justificativa do preço — de múltiplos de Ebitda para cotação em bolsa, como pretendeu a área técnica — não foi endossada pelo colegiado. Determinou-se, porém, que “fossem acolhidos os ajustes no cálculo de preço baseado em Ebitda apresentados pela SRE [...], tendo em vista os equívocos constantes do cálculo efetuado pela ofertante, que quanto a esses pontos, portanto, não logrou apresentar a ‘demonstração justificada”.[9]

A competência da área técnica para determinar correções na justificativa do preço por ação incluída nos laudos de avaliação foi, portanto, reconhecida. Ao serem implementadas pelo ofertante, essas correções podem alterar o preço da OPA.

Diante do exposto, fica evidente que situações como a aquisição indireta de controle e a oferta unificada com cancelamento de registro exigem análises cuidadosas sobre o preço a ser ofertado, para que controvérsias não atrapalhem o bom andamento do negócio.

 


[1] O reconhecimento da contingência afetaria o preço da OPA.

[2] Adaptação de trecho extraído da ata de reunião do colegiado realizada em 22 de junho de 2023.

[3] O reconhecimento da contingência afetaria o preço da OPA.

[4] Adaptação de trecho extraído da ata de reunião do colegiado realizada em 22 de junho de 2023.

[5] Trecho extraído de ata de reunião do colegiado realizada em 5 de outubro de 2004.

[6] Trecho extraído do voto do diretor relator do processo administrativo 19957.001012/2019-07.

[7] Artigo 33, §6º, da Resolução CVM 85/22

[8] Trecho extraído de ata de reunião do colegiado realizada em 21 de março de 2007.

[9] Trecho extraído de ata de reunião do colegiado realizada em 21 de março de 2007.