A Lei 14.905/24, publicada em 28 de junho deste ano, trouxe importantes alterações na Lei 10.406/02 – o Código Civil – sobre índices de correção monetária, taxa legal de juros e a aplicabilidade do Decreto 22.626/33 – a Lei da Usura.

Em relação ao índice de correção monetária, antes da alteração feita pela Lei 14.905/24, o Código Civil estabelecia, em seu artigo 389, que “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.

Apesar da expressa previsão legal de se efetuar a atualização monetária das obrigações civis não cumpridas, nem o Código Civil nem qualquer outra lei estipulavam um índice oficial para isso.

Na ausência de especificação contratual, a lei brasileira deixava as partes sem um referencial seguro para determinar o índice de correção monetária aplicável às obrigações inadimplidas, ainda que fizesse referência a “índices oficiais”.

Isso nunca foi um problema para contratos complexos, que, em geral, preveem expressamente o índice de atualização monetária, inclusive para obrigações inadimplidas.

No entanto, em contratos de menor complexidade, especialmente os que envolvem pequenos valores, o índice de atualização monetária é frequentemente esquecido e acaba se tornando uma questão importante quando alguma obrigação não é cumprida.

Na ausência de um índice “oficial”, os tribunais de Justiça brasileiros acabaram preenchendo essa lacuna de maneira não uniforme. Criaram-se as chamadas tabelas práticas, instrumentos utilizados para determinar valores a serem aplicados em processos judiciais.

As tabelas práticas costumam conter valores de referência para indenizações, honorários advocatícios, custas processuais, índice de correção monetária, entre outros. Elas são elaboradas com base em critérios legais, mas principalmente jurisprudenciais e melhores práticas de mercado – consideradas as especificidades das regiões onde ocorrem as decisões.

Com a publicação da Lei 14.905/24, entretanto, fica estabelecido que, “na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo”.

Além de estabelecer um índice uniforme de correção monetária aplicável em todo o país para as obrigações inadimplidas (na ausência de outro específico), a Lei 14.905/24 poderá levar à aplicação do IPCA, por analogia, a outras situações para as quais não há índice de correção fixado legalmente – como devolução de pagamentos indevidos.

Definição da taxa legal de juros

Outra importante novidade trazida pela Lei 14.905/24 trata da definição da taxa legal de juros. O Código Civil de 1916 (Lei 3.071/16) fixava os juros legais em 6% ao ano. Já o Código Civil atual não fixava parâmetros para o cálculo dos juros legais até a entrada em vigor da Lei 14.905/24.

A norma limitava-se a dispor que os juros moratórios deveriam ser fixados de acordo com a taxa que estivesse em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Isso deveria ser aplicado quando os juros não fossem convencionados – ou fossem, mas sem estipular a taxa – ou quando estabelecidos por determinação legal.

Na ausência de regra sobre os juros remuneratórios, era comum adotar para o seu cálculo essas mesmas diretrizes. A interpretação extensiva foi muitas vezes confirmada por jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros.

O direito brasileiro, porém, ainda era omisso em relação à definição concreta da taxa legal de juros. A questão deu origem a debates acalorados na doutrina e nos tribunais brasileiros, que levaram à formulação de duas correntes principais.

Uma delas defende que a taxa legal de juros seria de 1% ao mês, de acordo com o artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional. A outra sustenta que a taxa legal de juros seria a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (a Selic).

Na jurisprudência, prevalece já há algum tempo o entendimento de que a taxa legal de juros seria a Selic. A Lei 14.905/24, porém, inovou no direito brasileiro ao fixar definitivamente a composição da taxa legal de juros, eliminando, portanto, qualquer dúvida sobre o assunto.

Segundo a Lei 14.905/24, o Código Civil passa a dispor expressamente, em seu artigo 406, parágrafo 1º, que “a taxa legal corresponderá à Taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária aplicável às obrigações inadimplidas” – o IPCA.

Embora tenha definido a taxa legal de juros, a Lei 14.905/24 não fez menção a juros moratórios nem a juros remuneratórios. Com isso, abriu-se a possibilidade de aplicar essa taxa tanto para um caso como para o outro.

Quando a Lei da Usura não se aplica?

A Lei 14.905/24 estabeleceu expressamente que a Lei da Usura (Decreto 22.626/33) não é aplicável a certas situações. O debate sobre a (in)aplicabilidade da Lei da Usura foi recorrente na jurisprudência brasileira e reaparece com certa frequência.

Sobre esse tema, o Supremo Tribunal Federal já havia aprovado a Súmula 596 em 1976. De acordo com essa súmula, a Lei da Usura não se aplica às taxas de juros e a outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional.

Desde então, a jurisprudência brasileira, em diversos processos, decidiu sobre a possível equiparação de determinadas empresas e entidades a instituições integrantes do sistema financeiro nacional. O objetivo foi aplicar (ou não) o limite legal instituído pela Lei da Usura para a contratação de operações com juros remuneratórios.

Isso ocorreu, por exemplo, nos casos das empresas de arrendamento mercantil, das administradoras de consórcios, das empresas de factoring e dos fundos de investimento em direitos creditórios.

Com a Lei 14.905/24, o direito brasileiro ganha maior previsibilidade e segurança jurídica ao prever expressamente que as disposições da Lei da Usura não são aplicáveis às obrigações contratadas entre pessoas jurídicas ou representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários.

A Lei da Usura também não se aplica às obrigações contraídas com instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; fundos ou clubes de investimento; sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito; e organizações da sociedade civil de interesse público (de que trata a Lei 9.790, de 23 de março de 1999) que se dedicam à concessão de crédito. O mesmo ocorre com as obrigações relacionadas a operações realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.

A medida se insere em um contexto de reformulação das bases do mercado de capitais brasileiro e tem o objetivo de gerar maior segurança jurídica, facilidade e flexibilidade para a tomada de crédito sem intermediação.

Na prática, portanto, passa-se a ter dois regimes. Um deles refere-se às obrigações não sujeitas ao limite imposto pela Lei da Usura, nas quais a taxa de juros remuneratórios pode ser livremente pactuada, sem qualquer limite. O outro abrange as obrigações sujeitas ao limite da Lei da Usura. Nesse caso, os juros remuneratórios relativos às obrigações não podem exceder o dobro da taxa legal.

A Lei 14.905/24 passa a vigorar em 30 de agosto, exceto a inclusão do parágrafo 2º no artigo 406 do Código Civil. O dispositivo trata da metodologia de cálculo da taxa de juros legal e está em vigor desde 1º de julho.