A Superintendência de Supervisão de Securitização (SSE) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, no dia 5 de julho, o Ofício-Circular 6/2023/CVM/SSE (OC 6), com o objetivo de complementar as manifestações contidas no Ofício-Circular 4/2023/CVM/SSE (OC 4) sobre a possível caracterização dos tokens de recebíveis e tokens renda fixa (em conjunto TR) como valores mobiliários, seja por serem considerados ofertas públicas de operações de securitização (segundo a Lei 14.430/22) ou contratos de investimento coletivo (segundo a Lei 6.385/76).

O OC 6 traz ainda novas explicações sobre o OC 4 e aponta como o entendimento expresso nesse ofício pode afetar direta ou indiretamente a tokenização de títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira – como Cédulas de Crédito Bancário (CCB), Certificados de Cédulas de Crédito Bancário (CCCB) ou Cédulas de Crédito Imobiliário (CCI). Também dá esclarecimentos sobre a utilização de plataforma de crowdfunding para a oferta pública de títulos ou valores mobiliários representativos de operações de securitização.

A seguir, fazemos uma breve síntese sobre os principais pontos abordados no OC 6 e como esses tópicos podem afetar o mercado de tokenização no Brasil.

Diferenças entre operação de securitização e contrato de investimento coletivo

Aprofundando-se na questão tratada no OC 4, a SSE esclarece que é possível que determinada modalidade de TR seja considerada contrato de investimento coletivo, sem que necessariamente se enquadre como operação de securitização

Nesse caso, o ofertante do TR não se isentaria de cumprir as normas aplicáveis sobre oferta pública de valores mobiliários, porém estaria dispensado da necessidade de fazer a oferta via securitizadora.

A SSE esclarece que isso pode acontecer quando, cumulativamente:

  • houver oferta pública de um único direito creditório, via instrumento de cessão ou outra modalidade, sem coobrigação ou outra forma de retenção de risco pelo cedente ou por terceiro;
  • o fluxo de caixa do direito creditório fluir diretamente para os investidores, com a mínima interferência do cedente ou de terceiros para viabilizar o repasse do fluxo;
  • não houver mecanismos predeterminados para a substituição, recompra ou revolvência do direito creditório cedido, nem qualquer coobrigação pelo adimplemento do contrato de investimento coletivo ofertado;
  • não houver prestadores de serviço previamente contratados, como, por exemplo, os equivalentes aos de custódia, escrituração, depositário, agente fiduciário, cobrança ordinária do direito creditório ofertado ou serviço de monitoramento ou acompanhamento; ou seja, não houver um “empacotamento” do direito creditório com serviços, mas sim a venda direta; e
  • em caso de inadimplência, quando cabe ao investidor adotar as medidas de cobrança judiciais ou extrajudiciais, podendo o investidor, diretamente as suas expensas, contratar agentes de cobrança.

Nesse sentido, a venda perfeita e acabada de um único ativo (true sale) pode descaracterizar a operação de securitização. É preciso, porém, avaliar se as demais características do TR o tornam um contrato de investimento coletivo – caso em que as normas sobre oferta pública de valores mobiliários devem ser aplicadas.

As considerações da SSE sobre a possível caracterização de operação de securitização são bastante positivas para o mercado de tokenização no Brasil, na medida em que trazem maior previsibilidade e segurança jurídica para os ofertantes de tokens lastreados em créditos ou direitos creditórios. A partir de agora, os ofertantes poderão se orientar em bases mais sólidas sobre a necessidade ou não de ampararem suas operações por meio de entidade securitizadora.

Títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira

Avançando na discussão sobre o alcance do OC 4, a SSE esclarece que o entendimento ali manifestado não se aplica aos títulos de responsabilidade de instituição financeira, como CCB, CCCB e CCI, quando atendidos os requisitos do art. 45-A da Lei 10.931/04.

Por expressa disposição legal, a emissão e a comercialização de tais títulos estão fora do perímetro regulatório da CVM. Contudo, a SSE esclarece que, se uma oportunidade de investimento for lastreada em uma cesta de alguns desses títulos, é possível que a operação seja caracterizada como contrato de investimento coletivo ou operação de securitização, ambos sujeitos à jurisdição da CVM.

A SSE esclarece que a cesta pode corresponder à oferta pública de um único ativo que represente ou corresponda ao investimento em mais de uma CCB, um CCCB ou uma CCI. Nesses casos, a SSE aponta ser possível haver descasamento entre o fluxo de caixa do lastro e do valor correspondente ao contrato de investimento coletivo, fazendo com que o contrato ofertado não corresponda ao título de responsabilidade da instituição financeira propriamente, mas ao investimento que tem como lastro aqueles títulos.

As considerações da SSE sobre a tokenização de títulos cambiais de responsabilidade financeira ou de títulos baseados em cesta desses ativos é positiva para o mercado, por trazerem maior previsibilidade e segurança jurídica para os interessados em ofertar tokens lastreados nesses títulos.

Simplificação da oferta pública de tokens de recebíveis no modelo de crowdfunding

Ao editar o OC 4, a SSE orientou que, até o volume de R$ 15 milhões, os títulos de securitização emitidos por companhias securitizadoras podem ser tokenizados e ofertados publicamente por meio de plataformas de crowdfunding, nos termos da Resolução CVM 88/22 – regulamentação de crowdfunding – valendo-se, dessa forma, de regime regulatório de ofertas públicas mais simples em comparação àquele previsto na Resolução CVM 160/22.

Para viabilizar que essas operações de securitização cumpram os limites de receita bruta anual do emissor (aplicáveis, em geral, à sociedade empresária de pequeno porte no âmbito de crowdfunding, nos termos previstos no art. 2º, inciso VII e parágrafo 2º, da Resolução CVM 88/22), a SSE esclareceu que, nas operações de securitização de tokens, esses limites poderiam ter como base o patrimônio separado.

Esse patrimônio seria constituído por meio da instituição do regime fiduciário pela companhia securitizadora, e não necessariamente a companhia securitizadora na condição de emissora do título de securitização. Ou seja, o emissor, para fins da Resolução CVM 88/22, seria o patrimônio separado da emissão dos tokens.

Contudo, na edição do OC 4, a SSE havia entendido que essa orientação não seria aplicável às emissões concentradas em apenas um devedor ou devedores que sejam partes relacionadas entre si – inclusive devedores do lastro em operação de securitização.

Esse entendimento, no entanto, acaba de ser alterado e retificado pelo OC 6. A SSE passou a admitir que o patrimônio separado pode ser considerado como emissor para fins da Resolução CVM 88/22, inclusive em emissões concentradas.

Isso significa que o patrimônio separado, e não a companhia securitizadora ou o(s) devedor(es), é equiparado ao emissor, quando se tratar de atender aos requisitos da regulamentação de crowdfunding, entre os quais se destacam:

  • limite de receita bruta anual de R$ 40 milhões ou, em relação ao grupo econômico, R$ 80 milhões;
  • valor máximo de captação de R$ 15 milhões;
  • somatório da captação total; e
  • prazo de 120 dias de intervalo entre ofertas públicas.

Adicionalmente, as limitações em relação à manutenção e trânsito de recursos de investidores em ofertas de crowdfunding previstas no art. 5º, § 1º, incisos (i) a (iii),[1] da Resolução CVM 88/22, em uma interpretação direta, criam proibição de a plataforma de crowdfunding e seus sócios constituírem companhia securitizadora para emitir os tokens e ofertá-los nessa plataforma.

A SSE traz alternativa para afastar essa restrição às operações de securitização de tokens realizadas por meio de plataforma de crowdfunding. O órgão deixa claro que as securitizadoras podem ser constituídas pela própria plataforma, desde que as emissões sejam realizadas com a constituição de patrimônio separado nos termos da legislação e regulamentação aplicáveis às operações de securitização.

O esforço interpretativo do regulador se traduz em simplificação do procedimento de oferta pública dos tokens de recebíveis para viabilizar e estimular a utilização da regulamentação de crowdfunding para essa finalidade. A norma não foi concebida para os tokens de recebíveis, mas está sendo colocada, nesse momento, como alternativa jurídica para facilitar a distribuição desses tokens no mercado.

 


[1] Art. 5º, § 1º, da Resolução CVM 88/22: “Os montantes transferidos pelos investidores não podem transitar por contas correntes: I – mantidas em nome da plataforma; II – mantidas em nome de sócios, administradores, e pessoas ligadas à plataforma; III – mantidas em nome de empresas controladas pelas pessoas mencionadas nos incisos I e II deste parágrafo; (…)”