A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, em 18 de março, o Ofício-Circular 2/25/CVM/SSE, com o objetivo de orientar administradores e gestores sobre a responsabilidade dos cotistas de Fundos de Investimento Imobiliário (FII) em situações de patrimônio líquido negativo.
De acordo com o art. 13, inciso II, da Lei 8.668/93, os cotistas do FII não respondem pessoalmente por obrigações legais ou contratuais relacionadas aos imóveis e empreendimentos integrantes da carteira do fundo, exceto pela obrigação de pagamento do valor integral das quotas subscritas:
“Art. 13. O titular das quotas do Fundo de Investimento Imobiliário: II - não responde pessoalmente por qualquer obrigação legal ou contratual, relativamente aos imóveis e empreendimentos integrantes do fundo ou da administradora, salvo quanto à obrigação de pagamento do valor integral das quotas subscritas.”
O dispositivo estabelece uma limitação da responsabilidade dos cotistas dos FII em relação aos ativos da carteira, restringindo-a ao montante que investiram no fundo.
Essa regra é anterior à inclusão do art. 1.368-D – mais precisamente seu inciso I e parágrafo 1º – ao Código Civil pela Lei 13.874/19 (Lei de Liberdade Econômica), que estendeu a possibilidade de prever responsabilidade limitada para os fundos de investimento em geral.
Em relação aos FII, a CVM esclarece, para evitar dúvidas no mercado, que a limitação de responsabilidade inclui todos os ativos que podem integrar a carteira de investimentos dos FII. Isso porque o conceito de “empreendimentos imobiliários”, utilizado no artigo transcrito acima, foi detalhado no art. 40 do Anexo Normativo III da Resolução CVM 175 (Marco Regulatório dos Fundos de Investimento).
Desse modo, o conceito mencionado abrange todos os ativos passíveis de investimento por FII. Entre os ativos listados no art. 40 do Anexo Normativo III estão:
- imóveis e direitos reais sobre bens imóveis;
- certificados de recebíveis imobiliários;
- títulos e outros valores mobiliários de emissores registrados na CVM cujas atividades preponderantes sejam permitidas aos FII;
- ações ou cotas de sociedades do setor imobiliário; e
- cotas de fundos elegíveis.
Entretanto, caso a limitação de responsabilidade não esteja expressa no regulamento, os cotistas dos FII terão responsabilidade ilimitada em relação a obrigações contratuais e legais que não estejam relacionadas aos imóveis e empreendimentos investidos pelo fundo, ou seja, dívidas do FII com seu administrador, gestor ou outro prestador de serviço.
Nesse sentido, mesmo para os FII, que têm essa limitação de responsabilidade com base na Lei 8.668/93 explicada acima, é recomendável utilizar a regra geral dos fundos prevista no Código Civil e prever expressamente em seus regulamentos que a responsabilidade do cotista é limitada ao valor por ele subscrito, com base no disposto no art. 18 da Parte Geral da Resolução CVM 175:
“Art. 18. O regulamento pode prever que a responsabilidade do cotista é limitada ao valor por ele subscrito.
Parágrafo único. Caso o regulamento não limite a responsabilidade do cotista, os cotistas respondem por eventual patrimônio líquido negativo, sem prejuízo da responsabilidade do prestador de serviço pelos prejuízos que causar quando proceder com dolo ou má-fé.”
Isso porque, se a responsabilidade do fundo permanecer ilimitada, aplica-se o que dispõe o parágrafo único transcrito acima, que admite a chamada de capital dos cotistas para cobrir patrimônio líquido negativo. No caso dos FII, essa situação será restrita àquelas exclusivamente decorrentes de dívidas não relacionadas aos ativos da carteira, mas sim a obrigações com prestadores de serviço do fundo.
A CVM entende que esse assunto deve ser tratado de forma transparente com os investidores. A autarquia adverte que os regulamentos dos FII não devem conter disposições genéricas que afirmem que os cotistas podem ser chamados a aportar recursos em caso de patrimônio líquido negativo.
O regulador orientou que os administradores e gestores dos FII que optarem por permanecer na modalidade de responsabilidade ilimitada devem, necessariamente, alterar seus regulamentos para prever expressamente as hipóteses em que, diante de patrimônio líquido negativo, o aporte de recursos adicionais pode ser exigido.
Nesse caso, deve ficar claro que a responsabilidade ilimitada se refere a eventuais dívidas com prestadores de serviços que possam levar à necessidade de aporte adicional. Não abrange, porém, obrigações legais ou contratuais relacionadas aos ativos da carteira de FII, as quais estão cobertas pela limitação de responsabilidade prevista na Lei 8.668/93.
Vale lembrar que os FII têm muito alcance e atratividade entre o público investidor de varejo. Nesse sentido, a transparência e a clareza nas responsabilidades dos cotistas são fundamentais para a confiança e a integridade do mercado. Especialmente considerando eventual ônus de aporte adicional de recursos por investidores de varejo ou, ainda, interpretações equivocadas sobre a extensão dessa responsabilidade que, por força de lei, é limitada em qualquer caso, para não abarcar obrigações relacionadas aos ativos do FII.
Ao assegurar que as informações sejam devidamente comunicadas e que as limitações de responsabilidade estejam claramente estabelecidas, gestores e administradores promovem um ambiente de investimento mais seguro e confiável, essencial para a atração de novos investidores e o fortalecimento do setor.
Reformas trazidas pelo marco regulatório dos fundos de investimento
A Resolução CVM 175 entrou em vigor em 2 de outubro de 2023, exceto em relação a temas específicos, como a existência de diferentes classes de cotas – que entraram em vigor posteriormente.
A norma atualiza as regras sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento. Também trata das regras relativas à prestação de serviços para os fundos – aplicáveis, de forma geral, a todos os tipos de fundos. As regras específicas para cada modalidade foram previstas em anexos normativos.
Recentemente foi editado o Anexo Normativo VI com a regulamentação definitiva dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro). A medida pode aproximar ainda mais o mercado de capitais do financiamento do agronegócio brasileiro.
Os esclarecimentos da CVM apresentados no Ofício-Circular 2/2025/CVM/SSE reforçam a correta implementação das disposições da Resolução CVM 175 ao trazer mais clareza aos administradores e gestores sobre o cumprimento das exigências regulatórias.
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Os detalhes da nova regulamentação da CVM sobre fundos de investimento
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