O Banco Central do Brasil (BCB) publicou, em 29 de novembro, o Edital de Consulta Pública 111 (ECP 111/24), que propõe alterar a regulamentação cambial em vigor. O objetivo é incluir atividades ou operações das prestadoras de serviços de ativos virtuais (VASPs, na sigla em inglês, ou PSAVs, na sigla em português) e dispor sobre as hipóteses em que essas atividades deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no país.
As propostas do BCB modificam as resoluções BCB 277/22, 278/22 e 279/22 e preveem hipóteses em que transações com ativos virtuais são consideradas operações do mercado de câmbio, sujeitas à regulamentação aplicável.
O ECP 111/24 também faz referência à Lei 14.478/22 (Marco Legal dos Criptoativos), em especial, ao inciso V do artigo 7°, que confere competência ao BCB para disciplinar as hipóteses em que os serviços de ativos virtuais serão incluídos no mercado de câmbio e deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no país.
Segundo o BCB, a alteração nas regras do mercado de câmbio foi elaborada considerando a interconexão com modelos tradicionais desse mercado, envolvendo aspectos como:
- proteção ao consumidor e ao investidor;
- segurança cibernética;
- privacidade;
- prevenção do uso para fins ilícitos;
- integridade financeira e dos mercados; e
- manutenção da estabilidade fiscal e macroeconômica.
O objetivo é propiciar segurança jurídica e permitir o desenvolvimento de novos modelos de negócio.
Nesse sentido, o regulador entende que modelos de negócio envolvendo ativos virtuais podem proporcionar melhorias na prestação de serviços no mercado de câmbio e aumentar a eficiência.
Operação de VASPs no mercado de câmbio
Segundo a minuta proposta, as VASPs poderão operar com ativos virtuais no mercado de câmbio, desde que solicitem autorização específica ao BCB. Se autorizadas, as VASPs poderão exercer as seguintes atividades:
- pagamento ou transferência internacional com transmissão de ativos virtuais;
- compra, venda, troca ou custódia de ativos virtuais denominados em reais de propriedade de não residentes; e
- compra, venda, troca, transferência ou custódia de ativos virtuais denominados em moeda estrangeira.
As VASPs que exercerem essas atividades poderão fazê-lo desde que as transações tenham valor equivalente a até US$ 100 mil ou o correspondente em outras moedas (isto é, mesmo limite atualmente atribuído às instituições de pagamento autorizadas a operar no mercado de câmbio).
De acordo com o ECP 111/2024, as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários, sociedades corretoras de câmbio, sociedades de crédito, financiamento e investimento e agências de fomento, por sua vez, também poderão desempenhar as atividades mencionadas com ativos virtuais no mercado de câmbio. Nesse caso, o pagamento ou a transferência internacional com transmissão desses ativos devem ser limitados ao valor equivalente a US$ 500 mil.
O Edital de Consulta Pública 109 (ECP 109/24), porém, não inclui no rol de entidades que poderão atuar com ativos virtuais as sociedades de crédito, financiamento e investimento e as agências de fomento. Não está claro como ambas as regras funcionarão em conjunto – a discussão desse ponto continua em aberto.
O BCB define ainda como pagamentos ou transferências internacionais com transmissão de ativos virtuais:
- o pagamento ou transferência cuja liquidação ocorra com a transmissão de ativos virtuais entre residente e não residente ou entre não residentes; e
- a transmissão de ativo virtual de titularidade de um mesmo cliente entre o país e o exterior.
O conceito de pagamento ou transferência internacional de ativos virtuais não abrange a transmissão de ativo virtual decorrente de aquisição cujo pagamento ocorra por operação de câmbio ou por movimentação de conta não residente em reais – inclusive com prestação de serviço de eFX.
Procedimentos de transferência de ativos virtuais
O BCB delimitou os procedimentos referentes ao pagamento ou transferência internacional realizados com ativos virtuais. Essas operações podem ocorrer com:
- alteração da titularidade de ativos virtuais custodiados na própria VASP;
- envio ou recebimento de ativos virtuais para outra VASP responsável pela custódia dos ativos virtuais da contraparte; e/ou
- envio ou recebimento de ativos virtuais para a prestadora de serviços autorizada no exterior responsável pela custódia desses ativos virtuais na jurisdição de origem ou destino.
No caso de envio ou recebimento envolvendo prestadora de serviços de ativos virtuais autorizada por regulador no exterior, a VASP autorizada a funcionar pelo BCB precisa assegurar que a prestadora de serviços autorizada no exterior está sujeita à supervisão prudencial e de conduta na sua respectiva jurisdição ou é integrante de grupo financeiro sujeito à efetiva supervisão consolidada, inclusive para fins de comprovação no BCB.
O BCB proibiu a movimentação de recursos de interesse de terceiro por meio da prestação de serviços de ativos virtuais no mercado de câmbio. Essa movimentação é permitida caso o tomador do serviço prestado pela VASP seja outra instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, agindo em benefício de seus clientes.
Stablecoins e limitações referentes à transferência de ativos virtuais
As novas regras propostas pelo BCB definem como ativos virtuais denominados em reais ou em moedas estrangeiras aqueles que, respectivamente:
- são considerados ativos virtuais estáveis criados com o propósito de manter seu valor estável em relação ao real; ou
- são considerados ativos virtuais estáveis criados com o propósito de manter seu valor estável em relação à determinada moeda estrangeira.
Essa definição está em harmonia com o conceito de ativo virtual estável (stablecoin) proposto no Edital de Consulta Pública 109/24 (ECP 109/24), que disciplina os processos de constituição e funcionamento das VASPs.
O domínio desse conceito é relevante para o segmento cambial, já que o BCB limita a possibilidade (ou não) de realizar pagamentos ou transferências, dependendo do tipo de reserva da moeda, seja essa reserva o real ou determinada moeda estrangeira.
Mais especificamente, o BCB somente admite a possibilidade de transferência de ativo virtual denominado em moeda estrangeira aos seguintes casos:
- entre residentes, na hipótese de previsão legal ou regulamentar para estipulação de pagamento em moeda estrangeira;
- entre instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio; e
- transmissão, entre prestadoras de serviços de ativos virtuais, de ativo virtual denominado em moeda estrangeira de titularidade de um mesmo cliente.
Além disso, o BCB sugere que as VASPs devem se certificar de que o cliente não residente que efetive compra, venda, troca ou custódia de ativos virtuais em reais opera em nome próprio. É proibida a realização dessa operação em benefício de terceiro (de forma semelhante às contas de não residente em reais).
Finalidade da transferência
Em caso de pagamento ou transferência internacional por meio de ativos virtuais, a VASP deve obter do cliente informação sobre a finalidade do pagamento ou transferência. Além disso, é preciso apresentar ao BCB os códigos constantes do anexo previsto na minuta normativa. A VASP deve, ainda, prestar orientação e suporte técnico ao cliente para a correta classificação da finalidade do pagamento ou transferência.
O BCB também dispõe que a VASP deve obter do cliente informações sobre o pagador ou recebedor no exterior e sua relação de vínculo com o cliente.
Pedido de autorização
As alterações propostas pelo BCB na regulamentação determinam que as atividades previstas no título específico de ativos virtuais da Resolução BCB 277/22 somente podem ser realizadas por VASPs autorizadas a operar no mercado de câmbio.
Para atuar no mercado de câmbio, as VASPs deverão solicitar autorização específica ao BCB, juntamente com o pedido de autorização para funcionamento, nas mesmas condições e prazos previstos na regulamentação específica.
Até a conclusão do seu processo de autorização, as VASPs poderão desempenhar as seguintes atividades no mercado de câmbio (apenas):
- compra, venda, troca ou custódia de ativo virtual denominado em reais de propriedade de não residente; e
- compra, venda, troca ou custódia de ativo virtual denominado em moeda estrangeira.
Crédito externo, investimento externo direto e capitais brasileiros no exterior
A minuta proposta pelo BCB também promove mudanças nas Resoluções BCB 278 e 279 e fixa diferentes disciplinas normativas referentes a operações de crédito externo, investimento externo direto (IED) e capitais brasileiros no exterior.
As alterações propostas pelo BCB incluem expressamente que as atividades e operações das VASPs, quando efetuadas com o propósito de investimento, deverão se submeter à regulamentação de capitais estrangeiros no país e de capitais brasileiros no exterior, conforme aplicável.
Outros insumos desejados pelo BCB
O BCB também deseja obter subsídios do mercado sobre os seguintes tópicos:
- necessidade de estabelecer limites adicionais para as VASPs, além dos constantes da proposta, em operações de prestação de serviços de ativos virtuais no mercado de câmbio;
- mecanismos que poderiam ser empregados para obtenção do valor equivalente em moeda soberana (reais ou dólares americanos) dos ativos virtuais transacionados;
- critérios para que as VASPs verifiquem se sua contraparte prestadora de serviços equivalentes no exterior estaria sujeita à regulação e supervisão em sua jurisdição;
- em quais aspectos a regulamentação de capitais estrangeiros no país e de capitais brasileiros no exterior, inclusive operações de crédito, deveriam alcançar em seu escopo as operações com ativos virtuais com o propósito de investimento, seja como classe de ativo, seja como forma de intermediação (empréstimos em/de ativos virtuais, dação em pagamento envolvendo ativos virtuais, entre outros).
- o papel das VASPs no exercício de operações de fluxos e estoques de capitais internacionais, inclusive em operações de investimento de não residente em portfólio (por exemplo, na função de representante).
Outros tópicos abordados pela ECP 111/24
Além dos pontos mencionados, a proposta normativa submetida pelo BCB à consulta pública também aborda os seguintes tópicos:
- O dever das VASPs de informar o cliente sobre sua responsabilidade como prestadoras de serviços de ativos virtuais, a natureza e as condições dos serviços prestados.
- A implementação de processos específicos para verificar a origem dos ativos virtuais transmitidos a partir de carteira autocustodiada pertencente a não residentes.
- O compartilhamento de informações referentes às operações realizadas, no formato disposto na regulamentação aplicável.
- A proibição às VASPs de efetuar transmissão de ativos virtuais para carteira autocustodiada detida por não residentes.
- A proibição à transmissão de ativos virtuais denominados em moeda estrangeira para carteiras autocustodiadas.
Próximos passos
O ECP 111/24 fica aberto para tomada de subsídios até 28 de fevereiro de 2025. As propostas de atos normativos estão disponíveis no Portal Participa + Brasil, com link disponível no site do Banco Central do Brasil. Os interessados podem encaminhar sugestões e comentários por meio dos links mencionados e do e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..