A regulamentação das bets e de outros jogos de apostas on-line no Brasil, bem como o julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 7.721 e 7.723 (ADI 7.721 e ADI 7.723), ajuizadas contra a Lei 14.790/23 (Lei das Bets), foram temas de discussão na audiência pública convocada pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A audiência, realizada nos dias 11 e 12 de novembro, reuniu autoridades, especialistas e representantes de diversos setores, para debater as consequências econômicas, sociais e de saúde pública das bets, principalmente nas populações mais vulneráveis.
Ao final, houve um consenso sobre a necessidade de regulamentação das apostas no Brasil para proteger populações vulneráveis e mitigar os impactos negativos em diversos setores da sociedade.
Neste ebook, destacamos os pontos mais importantes levantados na audiência pública e as posições apresentadas pelos expositores. A leitura ajuda a compreender os diversos aspectos relacionados a esse tema, que tanto vem impactando a economia e a sociedade.
As bets e seus impactos
As bets são uma modalidade de jogo que, segundo muitos expositores, vem aumentando o endividamento familiar, desviando, inclusive, recursos de programas de benefícios sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Atualmente, de acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o assunto lidera o ranking de denúncias nos órgãos de defesa do consumidor, com mais de 366 mil reclamações em seis meses.
Aspectos econômicos
- Estima-se que, em 2024, R$ 3 bilhões do Bolsa Família foram movimentados para as bets. Segundo o Banco Central, cinco milhões de beneficiários de programas sociais apostaram aproximadamente R$ 3 bilhões apenas em agosto de 2024. Detectou-se um crescimento no índice de inadimplemento dessas famílias, entre as quais houve um cancelamento maior de planos de saúde e matrículas em instituições de ensino superior.
- Um dos pontos destacados na audiência foi o baixo retorno que as bets trazem para economia nacional. Do ponto de vista tributário, não há pagamento de impostos, já que as empresas que atuam no setor estão sediadas no exterior. Da mesma forma, as bets não contribuem para a geração direta de emprego, ao contrário, por exemplo, dos bingos, que geravam direta e indiretamente mais de 700 mil empregos.
- O impacto negativo sobre o varejo também foi discutido. Apontou-se que a tendência das famílias de comprometer importante parcela de sua renda com as bets diminui o poder de compra e, portanto, reduz seus gastos como consumidores. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que ingressou com a ADI 7.721, relatou que o varejo deixou de faturar cerca de R$ 90 bilhões de janeiro a agosto deste ano.
Na audiência, entretanto, percebeu-se que há contradição entre os levantamentos sobre o tema. O estudo do Banco Itaú, por exemplo, não identificou impacto relevante do crescimento das apostas sobre o desempenho do setor varejista. O que se notou foi uma ascensão do setor varejista menos marcante do que a da renda média do brasileiro, indicando desvio dos recursos para fora do mercado regulado.
Não é fácil, porém, identificar que destino tiveram esses recursos. Sobre esse aspecto, concluiu-se que é preciso fazer pesquisas mais aprofundadas, que rastreiem melhor a destinação da renda.
Impactos das apostas na saúde mental
Houve grande discussão sobre o impacto das bets sobre a saúde mental, com destaque para as contribuições do Ministério da Saúde e da Defensoria Pública. Ambos registraram aumento de atendimentos ambulatoriais voltados a transtornos psicológicos atribuídos ao vício em jogo. Crianças e adolescentes acabam por ser altamente expostos às bets, diante da pouca fiscalização e do fácil acesso às plataformas. Por estarem em fase de desenvolvimento, esses são os grupos etários mais afetados e suscetíveis aos seus impactos negativos.
A força da propaganda
Foi ressaltado o grande impacto das propagandas, que, apesar de regulamentadas, influenciam muito a população – o que, inclusive, motivou votos em favor de sua proibição. Como alternativa a essa medida, sugeriu-se um tipo de propaganda mais restritiva, que explicite melhor os possíveis impactos negativos das bets, em vez de limitar-se à simples propagação da ideia de "jogo responsável".
Lei das bets: solução ou problema?
A Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda, entende que a Lei das Bets regulamentou lacunas importantes, ao melhorar a segurança jurídica, a proteção dos apostadores e a economia popular.
Nesse contexto, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional entende que a situação atual não decorre da nova lei, mas sim da anterior, que regulamentou a atividade por cinco anos. Dessa forma, o efeito protetivo só poderá ser avaliado com o funcionamento do mercado regulado, a partir de janeiro de 2025.
A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) afirmou que a Lei das Bets não é um problema, mas o início da solução. Ela traz segurança jurídica à matéria. Deve, no entanto, ser aperfeiçoada em relação ao controle de possíveis crimes de lavagem de dinheiro.
Considerou-se, ainda, inegável a movimentação financeira proporcionada por esse mercado por meio de patrocínios – como o vínculo entre as bets e diversos clubes brasileiros de futebol, cujos recursos dependem em grande parte do investimento das plataformas.
Contribuições dos especialistas internacionais revelaram uma experiência positiva da legalização e regulamentação da modalidade na Espanha e Dinamarca, que ajudou a prevenir crimes financeiros e comportamentos patológicos.
A audiência pública
Na audiência pública realizada no STF, foi discutida a ADI 7.721, ajuizada pela CNC em 24 de setembro. A CNC alega que a Lei das Bets estimulou as apostas e o endividamento das famílias. Também esteve em pauta a ADI 7.723, protocolada pelo Partido Solidariedade em 28 de setembro.
Nessa ação, enfatiza-se que as bets diminuem o poder de compra das famílias e a circulação de renda, envolvendo, inclusive, o uso dos recursos de programas sociais, como o Bolsa Família. A questão levantada em ambas as ADIs não tem caráter de urgência e, portanto, será decidida no mérito.
Participaram da mesa o ministro Luiz Fux (presidente), a ministra de Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, o advogado-geral da União, ministro Jorge Messias, e o procurador-geral da República, Luiz Augusto Santos Lima.
PGR ajuíza nova ação
Em paralelo, foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República uma nova ação sobre o tema no STF, a ADI 7.749, na qual se requer a declaração de ampla inconstitucionalidade da Lei das Bets. A iniciativa indica que as discussões sobre o tema continuarão em destaque ao longo de 2025, com ampla participação dos órgãos institucionais e da sociedade civil.
Liminar é concedida após audiência
Após a audiência pública, em sessão extraordinária realizada em 14 de novembro no Plenário Virtual do STF, foi referendada, por unanimidade, a decisão liminar do ministro Luiz Fux que suspendeu, em todo o território nacional, qualquer publicidade de jogos de apostas de cota fixa que tenham crianças e adolescentes como público-alvo.
Além disso, foi determinado que o governo adote medidas para impedir o uso de recursos de programa assistenciais em bets. Na fundamentação, o ministro argumenta que a lei analisada adia para o ano que vem medidas de proteção a usuários vulneráveis, como crianças, adolescentes e dependentes de programas sociais. Contudo, considerando a insuficiência dessa abordagem, destacou a necessidade de aplicação imediata das medidas protetivas.
Segundo o ministro “manifestações realizadas pelos diferentes atores na audiência pública apresentaram evidências dos relevantes e deletérios impactos atualmente em curso (i) da publicidade de apostas na saúde mental de crianças e adolescentes, e (ii) das apostas nos orçamentos familiares, particularmente de pessoas beneficiárias de programas sociais e assistenciais”.
Conclusão
Apesar dos problemas apresentados, a maioria dos grupos expositores foi contrária à declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.790/23 – a Lei das Bets. Entendeu-se que isso levaria à falta de regulamentação, o que impulsionaria o mercado ilegal, beneficiaria empresas piratas e traria mais prejuízos aos mais vulneráveis.
A lei chegou a ser elogiada por alguns setores pelos avanços que trouxe. Entretanto, especialistas e entidades de defesa do consumidor argumentam que ela ainda é insuficiente para conter os prejuízos sociais e que os efeitos das portarias complementares a ela devem ser testados.
Em sede de audiência, o Ministro Luiz Fux informou que o STF analisará o conjunto de informações e ponderações apresentadas pelos mais de 40 entes habilitados (entre eles, acadêmicos, especialistas estrangeiros, entes governamentais, representantes do Poder Executivo, do Senado Federal, da Procuradoria Geral da República, das Defensorias Públicas, da Ordem dos Advogados do Brasil, de clubes de futebol e da sociedade civil em geral). O julgamento do mérito deverá ocorrer no primeiro semestre de 2025.
Organizações vinculadas a essa atividade e impactadas por ela, portanto, devem se manter atentas às movimentações legislativas.
As equipes do Machado Meyer estão à disposição para esclarecer dúvidas sobre o tema. Com nosso conhecimento jurídico, temos condições de realizar uma assessoria jurídica completa e criteriosa para avaliar os impactos da legislação e indicar as medidas recomendáveis para nossos clientes.