Em um país tão vasto e diversificado como o Brasil, a regulamentação é fundamental para manter altos padrões na publicidade e garantir que o controle permaneça nas mãos dos profissionais do setor. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), organização sem fins lucrativos, foi criado para estabelecer parâmetros e fiscalizar a ética da propaganda comercial veiculada no Brasil.
O Conar segue as disposições do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) e tem como principal objetivo evitar a veiculação de anúncios e campanhas de conteúdo enganoso, ofensivo, abusivo ou que desrespeitem a leal concorrência entre anunciantes ou outros princípios norteadores das relações empresariais.
Financiado com a contribuição das principais entidades da publicidade brasileira e de empresas associadas, o Conar não tem poder de polícia, ou seja, não pode multar ou impor outras medidas coercitivas. É, porém, uma instituição renomada que, em 44 anos de história, passou a ser respeitada e ter suas decisões respeitadas pelos anunciantes, em nome das boas práticas de mercado.
Em relação a suas decisões, ao analisar uma denúncia, o Conar pode, separada ou conjuntamente:
- arquivar a representação, ao entender que nenhuma regra foi violada;
- recomendar a alteração da publicidade; ou
- requerer a suspensão ou sustação da propaganda.
Em 2024, o Conar julgou mais de 180 representações. Das 131 analisadas para produção desse artigo, 24 foram instauradas diretamente pela instituição, 22 se originaram de denúncias feitas por empresas de diversos segmentos e 85 foram instauradas devido a denúncias de consumidores.
Dessas 131 representações, 56 resultaram em sustação da publicidade, 48 na recomendação de alteração, 26 foram arquivadas e uma recebeu uma advertência.
Neste artigo, fazemos um levantamento totalmente independente das decisões publicadas pelo próprio Conar em seu site. É importante destacar que nem todas as categorias de decisões foram analisadas, e pode haver outras sobre os temas abordados que não foram divulgadas pelo órgão.
Compromisso com a responsabilidade social
Um dos tópicos mais discutidos este ano foram as regras para publicidade de apostas. Em dezembro de 2023, o Anexo X, que trata das apostas, foi incorporado ao Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária. As determinações contidas no anexo passaram a vigorar efetivamente em janeiro deste ano. Desde então, o Conar abriu mais de 60 representações contra publicidade de apostas.
Das 16 representações analisadas sobre o tema, foi possível notar que as denúncias mais recorrentes se referiam à falta de proteção ao público infantojuvenil.
Algumas representações envolviam a participação de influenciadores mirins, o que contraria as disposições legislativas que proíbem a participação de crianças e adolescentes nesse tipo de produto. Como a atividade é proibida para o público infantojuvenil, a regra determina que os modelos que protagonizam as publicidades do segmento deverão ser e parecer maiores de 21 anos.
Nessas representações, os responsáveis pelos menores também foram advertidos, apesar de alegarem que não tinham conhecimento da regulação.
Outro ponto de destaque em relação ao segmento de apostas foi a necessidade de estipular o uso ferramentas de seleção etária para impedir que menores criassem perfis nas plataformas das marcas (age gating), assim como divulgar frases sobre jogo responsável e cláusula de advertência ("Jogue com responsabilidade").
O tema deverá ser bastante explorado em 2025. Diante das recentes medidas das autoridades relacionadas à publicidade de apostas – como as medidas cautelares nas ações diretas de inconstitucionalidade 7.721 e 7.723 (ADI 7.721 e ADI 7.723) e a Nota Técnica 6/24, da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça –, a direção do Conar reafirmou seu compromisso de contribuir para estabelecer um ambiente de publicidade regular e responsável para o segmento de apostas. Deverá ser dada total atenção à necessidade de proteger crianças, adolescentes e outras pessoas em situação de vulnerabilidade.
Nessa linha, em maio deste ano, três grandes empresas do segmento de apostas se associaram ao Conar e tornaram pública sua adesão à entidade. Segundo Sergio Pompillo, atual presidente do Conar “a adesão formal das empresas de bet às normas éticas praticadas pelo Conar é um sinal especialmente positivo, demonstrando a rápida maturidade e compromisso deste importante segmento anunciante com os consumidores, por meio de publicidade responsável”.
Outra pauta recorrente nas representações do Conar refere-se à publicidade de bebidas alcoólicas. Apesar de ser um tema já muito explorado, que todo ano aparece nas representações, foi colocada novamente a necessidade de adoção do age gating e frases sobre responsabilidade na ingestão de bebidas alcoólicas. Nesses casos, as decisões do Conar tendem a ser mais severas, justamente pela recorrência.
Ainda sobre a publicidade relacionada a atividades e produtos sensíveis, ao julgar representação envolvendo cigarros eletrônicos, o Conar deixou claro que a publicidade sobre o tema deve ser incluída na modalidade de publicidade de causa, ou seja, publicidade destinada a endossar a regulamentação dessa categoria de produto no país.
A publicidade de produto para esse tipo de tema tem limitações impostas pela legislação em vigor, que estabelece a proibição da comercialização, importação e propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, bem como restrição de publicidade, em veículo de comunicação de massa, de produtos fumígenos em geral.
A conselheira Juliana Vansan ressaltou a importância de se cumprir as legislações relativas a categorias sensíveis, como produtos fumígenos e bebidas. Esses produtos têm importantes impactos sociais e culturais que precisam ser considerados. Além disso, seu consumo é fortemente influenciado pelo marketing e pela publicidade. Por esse motivo, as empresas devem tomar o dobro de cuidado ao tratar de suas comunicações.
Veracidade das informações
Outro tópico amplamente discutido este ano foi a veracidade do conteúdo de propagandas de suplementos. Diversas representações foram instauradas devido a denúncias sobre anúncios que garantiriam ao consumidor a cura milagrosa de alguma enfermidade ou a garantia de que, a partir da ingestão do suplemento, os efeitos seriam instantâneos.
Em sua grande maioria, trata-se de publicidade que propaga resultados como “eliminação de dor e sofrimento”, “garante foco e concentração”, “performance mental”, “elimine 1kg por dia”, “cura ressacas”, “elimina dores na articulação”, “elimine diabete”, “emagrecimento rápido e eficiente”, “melhora na ansiedade”, “controla o colesterol”, entre outros.
Mesmo quando a defesa apresenta estudos com componentes químicos do produto que sustentam a afirmação feita pela marca, o Conar entende que não é possível garantir que o produto cumpra exatamente o que está oferecendo.
A recomendação de sustação em três representações que continham, segundo decisões do Conar, enganosidade nas promessas de cura categórica e milagrosa de diabetes tipo 2 (uma doença crônica) com a simples ingestão de suplementos alimentares, fez com que a câmara que julgava o caso aprovasse uma moção para submeter à diretoria do Conar.
A moção propõe que Conselho de Ética do órgão envie suas recomendações às autoridades públicas competentes, em especial à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Ministério Público, para que possa ser apurada, inclusive, a possível ocorrência de oferta danosa à saúde do consumidor.
Impactos da era digital
O Conar está bastante atento a questões envolvendo influenciadores digitais, que atualmente têm grande poder de persuasão sobre as massas – o que, inclusive, levou à publicação de um manual sobre o tema em 2021, o Guia de Publicidade por Influenciadores do Conar.
Nesse cenário, ao julgar uma representação que tratava de colaborações entre empresas e influenciadores, o Conar decidiu que o uso da funcionalidade “collab” nas redes sociais não é suficiente para identificar o conteúdo como publicidade, especialmente quando esse conteúdo aparece em perfis que não são o da anunciante.
Essa funcionalidade refere-se aos posts colaborativos que permitem que duas ou mais contas atuem como coautoras de um conteúdo. O criador do conteúdo original pode convidar outras contas como colaboradoras. Se essas contas aceitarem a colaboração, seus nomes de usuário serão adicionados ao post, que será compartilhado com seus seguidores.
O relator recomendou a alteração da propaganda, indicando que os anúncios devem deixar claro que se trata de publicidade, como estabelecido no item 1.1 do Guia de Publicidade por Influenciadores do Conar.
Destacamos que, de forma geral, identificar corretamente o conteúdo como publicidade é considerado indispensável para o Conar. Esse, inclusive, é um dos focos do órgão quando lida com trabalhos que envolvem empresas e influenciadores digitais.
Puffing e sustentabilidade
Um tema muito sensível nos últimos tempos tem sido a prática de greenwashing. Trata-se de uma estratégia de marketing em que empresas promovem uma imagem ambientalmente responsável sem adotar práticas sustentáveis genuínas. Para isso, exageram ou falsificam suas iniciativas ecológicas. O objetivo é atrair consumidores preocupados com o meio ambiente.
Em 2024, o Conar julgou uma representação iniciada com a denúncia de um consumidor, que entendeu que determinado anúncio apresentava apelos irregulares sobre sustentabilidade.
Nesse caso, o órgão ressaltou que, apesar de estimular as empresas a reafirmar seu papel no combate às mudanças climáticas e estabelecer parâmetros sustentáveis em seus negócios e produtos, o CBAP, de acordo com as melhores práticas internacionais sobre o assunto, estabelece que os anunciantes devem ter evidências robustas para fundamentar seus claims de sustentabilidade.
Seria descabida a prática de puffing indiscriminada sobre esse tema. Na prática de puffing, os anunciantes fazem declarações exageradas ou subjetivas sobre um produto ou serviço. Não há a intenção de que essas declarações sejam assimiladas em seu sentido literal (como a expressão “o melhor do mercado”). Esse recurso é considerado lícito, pois se entende que se trata de autoavaliação, e não necessariamente se baseia em dados objetivos.
No entanto, quando o tema é meio ambiente e o apelo envolve sustentabilidade, o Conar parece ter uma visão um pouco mais rígida. É fundamental, portanto, que as empresas sejam transparentes e responsáveis em suas comunicações, especialmente quando tratam de temas sensíveis como a sustentabilidade ambiental.
Prioridades para 2025
O Conar participou, em setembro deste ano, das reuniões do International Council for Advertising Self-Regulation (Icas), entidade da qual o órgão é membro-fundador. Na ocasião, as organizações autorreguladoras (SROs) da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai, Espanha e o Icas assinaram a Declaração de Buenos Aires.
Essa declaração reafirma o compromisso da comunidade publicitária latino-americana em promover estruturas de autorregulamentação robustas, eficazes e independentes. No documento, foram definidos os principais focos da comunidade publicitária para 2025:
- Publicidade on-line e inteligência artificial (IA) – garantir transparência e padrões éticos na publicidade baseada em IA, com foco no desenvolvimento e aplicação de diretrizes para o uso responsável de IA.
- Marketing de influenciadores – abordar o crescimento do marketing de influenciadores, explorando estratégias para manter a transparência, a conduta ética e a conformidade com as regulamentações existentes.
- Sustentabilidade – promover publicidade que reflita princípios de sustentabilidade, incentivando as marcas a adotar práticas ambientalmente responsáveis.
- Publicidade responsável de alimentos e bebidas – reforçar as diretrizes da publicidade dirigida às crianças, particularmente nos setores de alimentos e bebidas, para promover a saúde pública.
- Diversidade, equidade e inclusão (DEI) – promover publicidade que abranja a diversidade, a equidade e a inclusão, ao mesmo tempo que combate estereótipos prejudiciais e promove uma representação mais inclusiva.
- Publicidade de jogos de azar – desenvolver mensagens responsáveis para a publicidade de jogos de azar – especialmente diante do espaço que a modalidade vem conquistando –, para proteger públicos vulneráveis.
No caso do Conar, o ano de 2024 foi marcado por importantes decisões relativas a temas atuais e relevantes. A análise das representações julgadas evidencia a atuação do Conar em diversas frentes, desde a publicidade de apostas e bebidas alcoólicas até a veracidade das informações em anúncios de suplementos e a transparência nas colaborações com influenciadores digitais.
Para 2025, o Conar, em conjunto com outras SROs da América Latina, estabeleceu focos prioritários que incluem, como visto acima, a transparência e padrões éticos na publicidade on-line e baseada em inteligência artificial, a promoção de práticas ambientalmente responsáveis, a publicidade responsável de alimentos e bebidas, e a promoção da diversidade, equidade e inclusão.