As primeiras horas e dias de uma crise são intensas. Demandas de imprensa, acionistas exigindo informações, enxurrada de ofícios de autoridades públicas, dificuldades operacionais para conter a crise na linha de frente, protestos, críticas nas redes sociais e, é claro, ações judiciais com pedidos liminares de bloqueio e paralisação de operações.
É tentador que, em meio ao caos, as empresas empreguem seus melhores esforços para apagar incêndios. No entanto, é imprescindível que, desde o começo, a área jurídica esteja devidamente engajada, para conseguir agir de forma estruturante e, no médio prazo, minimizar os prejuízos da empresa.
Embora a regra do Código Civil preveja a responsabilidade subjetiva, em que há necessidade de comprovação de culpa, negligência, imprudência ou imperícia, existem diversas hipóteses legais que a excepcionam e estipulam a responsabilidade objetiva. Nesse caso, para além do evento danoso em si, basta haver nexo de causalidade e dano para configurar o dever de indenizar.
É o que ocorre nos casos de responsabilidade jurídica ambiental, de transporte de pessoas e de mercadorias, do prestador de serviços públicos, do fornecedor de produtos ou serviços, entre outros.
Subjetiva ou objetiva, a responsabilidade civil deve ser apurada na extensão do dano. Engana-se quem pensa que a identificação e a apuração de responsabilidades são tarefas simples. Trata-se de um processo complexo que pode envolver diversos tipos de danos, como:
- Danos morais individuais e coletivos
- Danos materiais a bens móveis e imóveis
- Lucros cessantes de atividades econômicas impactadas
- Danos ao meio ambiente
- Danos relacionados ao acesso à água
- Danos aos animais
- Dano ao modo de vida e aos povos tradicionais
- Danos a terceiros com ativos próximos impactados
- Danos a parceiros comerciais
- Perdas de arrecadação
- Dano à subsistência
- Violações aos direitos humanos
- Dano morte
A lista é extensa, controversa e não para de crescer. Exemplo mais recente é o mencionado dano morte, em que o titular da indenização não são os familiares ou pessoas próximas ao falecido (de cujus) por sofrerem abalo moral com a perda de uma pessoa querida, mas sim o próprio falecido, por ser exposto diretamente ao sofrimento e à aflição nos momentos anteriores ao seu óbito.
Até então inédito e sem previsão expressa na legislação do país, o dano morte representa uma interpretação elástica do direito alemão, ainda controvertida no Brasil.
A infinidade de danos que podem emergir em uma crise é, de fato, impressionante – e, como antecipado, o desafio não se limita à sua identificação, envolvendo também a sua apuração, que carrega uma série de desdobramentos igualmente inimagináveis.
Para ilustrar esse cenário, pensemos, por exemplo, em uma concessão para expansão de um aeroporto que causa danos a um imóvel residencial.
O primeiro passo é realmente identificar o dano material, mas será que esse impacto é total ou parcial? Os residentes precisarão desocupá-lo? Se sim, temporária ou permanentemente? Se de forma definitiva, a compensação será exclusivamente em dinheiro ou via reassentamento coletivo ou familiar? E se for caso de comodato informal, com conflito entre as partes, como ter certeza sobre a identificação do real titular? E se o imóvel estiver penhorado e/ou financiado? E se estivesse em área de preservação permanente (APP) e nem nunca pudesse ter sido construído?
Esses questionamentos demonstram a quantidade de indenizações possíveis em uma crise, bem como a complexidade da análise jurídica para identificar e valorar cada um desses danos.
É nesse contexto que se insere a importância do planejamento estruturado mencionado no começo deste artigo. Se a área jurídica é protagonista desde o início da crise e se consegue contar com uma atuação estruturada, em que alguns executam as medidas imediatas, enquanto outros pensam estrategicamente na tomada de decisões, os impactos são mitigados.
Com essa atuação estratégica da área jurídica no gerenciamento de crise é possível delimitar a multiplicidade de danos e assim definir como indenizar, quem indenizar, quanto indenizar e até quando indenizar. Esse cuidado é essencial para que a empresa possa enfrentar a crise de maneira econômica, célere e produtiva, garantindo assim a sua sobrevivência.