Acidentes, vazamento de dados, comprometimento de sistemas, denúncias trabalhistas, apagões de energia, recall de produtos, desabastecimento de matéria-prima, questões ambientais, desastres climáticos e diversas outras intercorrências. Situações internas ou externas, capazes de paralisar temporariamente as operações ou não e com grande potencial de serem amplificadas pela imprensa ou pelas redes sociais. Independentemente de sua natureza e magnitude, as crises estão cada vez mais complexas e multifacetadas.

Se nem mesmo a legislação nacional é capaz de antecipar todas as nuances de uma sociedade em constante evolução, é compreensível o desafio encarado por empresas, pequenas, médias ou grandes, de se preparar para situações que demandam uma atuação emergencial.

O que fazer? Quem contatar? Quando acionar o seguro? Quais os impactos? Como conter os danos? O que fazer para manter a continuidade do negócio ou retomar a operação? Como orientar a comunicação? Quais as consequências jurídicas de cada decisão tomada em uma situação emergencial? Enfim, por onde começar? A capacidade de conseguir dar uma resposta adequada e célere ao problema pode ser vital.

O que chamamos de gerenciamento de crise (crisis management) é o antídoto que permite às empresas não apenas enfrentar seus problemas, independentemente da complexidade, mas também se antecipar e se preparar para, se necessário, minimizar os prejuízos e as consequências jurídicas, econômico-financeiras e reputacionais indesejadas.

Afinal, empresas mais bem preparadas têm mais chances de se recuperar mais rapidamente de uma crise. Considerando a importância do tema, inauguramos com este texto a série de artigos que pretende informar e abordar questões sobre respostas a emergências, gestão reputacional e todos os esforços que podem ser empreendidos previamente para mitigar os riscos e controlar as repercussões jurídicas em uma crise.

Para começar, uma primeira dúvida: o que é uma crise?

Consideramos que uma crise é qualquer fato ou evento – repentino ou gradual – capaz de causar um dano e que, por isso, requer resposta imediata. Não se limita, portanto, a grandes acidentes, como explosões e vazamentos. Abrange toda e qualquer circunstância, de maior ou menor grau, com potencial para causar danos à atividade, à reputação e/ou ao resultado financeiro.

Em uma companhia aérea, por exemplo, as crises não se limitam a uma queda de avião – o que, aliás, tem recorrência baixíssima. Crises também podem ocorrer devido à acusação à tripulação por tratamento discriminatório, ao óbito de animal transportado ou a um pouso forçado por imprevisto de saúde com passageiros. Ou ainda, é claro, devido aos mais diversos desdobramentos de atrasos e cancelamentos de voo, gerados por questões da própria companhia – como extrapolação do limite de horas de voo – ou fatores externos – como eventos climáticos.

É extremamente importante também considerar a possibilidade de esses fatores externos originarem grandes crises, o que pode ocorrer também nas hipóteses de desabastecimento de combustível, falta de peças e componentes indispensáveis para a manutenção ou ainda greve de controladores de voo.

Já em uma empresa de óleo e gás, em outro exemplo, a crise não se dá apenas devido a acidentes ambientais de grande repercussão. Protestos de movimentos sociais e ambientalistas, óbito de aves, acidentes de trabalho nas plataformas e intercorrências de logística são exemplos de incidentes sensíveis que podem ser bastante difíceis para as companhias.

Independentemente do setor e do porte, o fato é que todas as organizações se deparam com crises de todo tipo no dia a dia.

Ainda que as empresas sejam, como nos exemplos, de indústrias fortemente reguladas e se considerem, em princípio, tecnicamente preparadas para responder prontamente a crises, falhas ocorrem a todo momento – e os problemas se acentuam justamente quando essas falhas se acumulam.

Como James T. Reason[1] ensina, as pequenas falhas podem convergir para grandes problemas e é justamente nesse ponto que fatores aparentemente insignificantes individualmente ganham relevância quando combinados. Definitivamente, o pequeno pode ficar grande. E todo fato ocorrido e decisão tomada levam, necessariamente, a uma consequência jurídica.

Atenção às implicações jurídicas
É nesse contexto que o gerenciamento de crises tem importância crucial para lidar com as implicações jurídicas que uma crise pode acarretar. Uma má gestão da crise, especialmente ao ignorar os aspectos jurídicos envolvidos, pode ter impactos devastadores na continuidade dos negócios e na reputação de uma empresa.

Uma crise sempre desencadeia uma série de desafios legais, desde litígios com clientes, fornecedores ou funcionários até investigações regulatórias e ações judiciais. A falta de preparação e a resposta inadequada a essas questões pode resultar em danos financeiros significativos, perda de confiança dos stakeholders e danos irreparáveis à reputação.

Ao ignorar os aspectos jurídicos envolvidos em uma crise, corre-se o risco de enfrentar consequências graves, como multas, penalidades, perda de contratos e até mesmo processos criminais. Além disso, a falta de uma abordagem jurídica adequada pode minar a capacidade da empresa de se recuperar e retomar as operações normais, afetando diretamente a continuidade dos negócios.

Portanto, é fundamental compreender que a prevenção e a gestão proativa das questões jurídicas durante uma crise são essenciais para proteger a empresa e seus interesses. É necessário identificar, mitigar e gerenciar os riscos legais associados a crises, garantindo que a empresa esteja preparada para enfrentar desafios de forma eficaz e minimizar impactos negativos.

Uma abordagem preventiva e focada nas questões jurídicas relacionadas ao gerenciamento de crises pode agregar grande valor, proteger a empresa de potenciais danos e permitir a continuidade dos negócios de forma resiliente.

Empresas que estão sempre na rotina de "apagar incêndios" geralmente adotam medidas imediatistas que podem temporariamente fechar lacunas e evitar riscos momentâneos. A longo prazo, porém, adiar medidas sobre questões relevantes também pode se transformar em uma crise por si só. Os problemas reincidem e muitas vezes “transbordam”. Soluções temporárias, que tratam apenas de aspectos superficiais, fazem com que velhos problemas reapareçam e novos sejam criados.

Uma crise não gerenciada ou mal gerenciada pode resultar em prejuízos evitáveis e significativos – ou até mesmo, no fim de uma organização. Ter um plano de gerenciamento de crises e de continuidade de negócios bem elaborado e adequadamente estruturado é o primeiro passo. No entanto, se ele não for acompanhado de outras ações, pode não ser suficiente.

Não adianta ter uma política se na empresa não há treinamentos constantes e sinergia entre as áreas que precisarão trabalhar em conjunto em situações de crise. No mesmo sentido, uma matriz de risco elaborada apenas pelas áreas de negócios/técnicas também não é a melhor estratégia. Ao agir assim, deixa-se, por exemplo, de contar com uma avaliação jurídica capaz de mitigar impactos jurídicos inerentes à situação e reduzir a exposição a litígios, o que ajudaria a diminuir os prejuízos.

O que se vê cada vez mais é que, na iminência de desafios operacionais, a capacidade de resposta torna-se vital.

Diante de todo esse contexto, essa série de artigos buscará abordar os mais variados tipos de crise, nos diferentes segmentos e portes de empresas. O objetivo é contribuir para preparar as empresas a dar respostas imediatas, capazes de mitigar os impactos e danos gerados por uma crise. Para aqueles que tiverem interesse, nosso time multidisciplinar da área de Crisis Management está preparado para debater e aprofundar os temas que traremos neste espaço. Até o próximo artigo!

[1] James T. Reason CBE é ex-professor de psicologia na Universidade de Manchester e contribuiu com estudos e pesquisas relacionados ao gerenciamento de riscos nas empresas, ao propor que fatores associados à gestão e à organização convergem maciçamente para a ocorrência de acidentes nas organizações, constituindo falhas latentes dos sistemas de trabalho e podendo ocasionar grandes acidentes.