O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.668 (ADI 5.668), julgada em 1º de julho deste ano, “a obrigação, por parte das escolas públicas e particulares, de coibir as discriminações por gênero, por identidade de gênero e por orientação sexual, coibindo também o bullying e as discriminações em geral de cunho machista (contra meninas cisgêneras e transgêneras) e homotransfóbicas (contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais).”

O conceito legal de bullying foi introduzido no país pela Lei 13.185/15 e reforçado, este ano, tanto pela ação direta de inconstitucionalidade mencionada, como pela Lei 14.811/24, que tipificou bullying como crime no art. 146-A do Código Penal.

O bullying em si não é novo, mas o modo como é socialmente visto hoje, de certa forma, é.

O ano de 2024 trouxe não apenas uma nova lei e um julgamento importante, mas uma enxurrada de notícias de casos polêmicos envolvendo instituições de ensino: ações racistas, homofóbicas, gordofóbicas e antissemitas, violência de gênero, segregação e até incentivos ao suicídio no ambiente escolar.

As ocorrências de discriminação são variadas e cada vez mais graves, potencializadas e desafiadoras. A evolução da tecnologia e a explosão das redes sociais mudaram a dinâmica do cyberbullying. Com a velocidade de propagação das notícias, a extensão dos danos causados pode ficar ainda maior, já que o aumento do número de reportagens sobre o assunto pode ampliar e intensificar questões que antes estavam restritas às instituições de ensino.

Grande parcela dos casos envolve menores de idade, que ainda estão em desenvolvimento e não têm capacidade plena para os atos da vida civil. Eles enfrentam esse tipo de situação em uma etapa fundamental de sua formação e educação, naquele que deveria ser um espaço seguro: a escola.

Tudo isso torna a situação do bullying ainda mais delicada. Não por acaso, muitas vezes, os pais e responsáveis pelas crianças ficam exaltados e têm dificuldade de agir racionalmente.

A combinação de todos esses fatores resulta em uma potencial situação de crise com contornos extremamente complexos e específicos para as instituições de ensino – e a pressão e as cobranças públicas em relação às respostas que elas darão a esse tipo de conduta só aumenta.

Questões práticas: desafios, fatores de agravamento e o que fazer

Ao mapearmos os desafios das instituições de ensino para responder a crises, verificamos que há um padrão nas consequências enfrentadas pelas escolas: exposição midiática, desgaste reputacional, evasão de alunos, rescisões contratuais e judicializações.

Entre os fatores que agravam a situação, estão:

  • demora na resposta para lidar com crise;
  • falhas na comunicação, tanto interna quanto externa;
  • ausência de responsabilização e de medidas disciplinares ou de apoio às vítimas; e
  • falta de ações preventivas e de definição prévia de estratégias macro sobre ações a serem tomadas em situações críticas.

A compreensão desses pontos auxilia na criação de estratégias eficazes e adequadas para gerenciar situações de crise em escolas. Existem diversas medidas preventivas com foco na capacitação da comunidade escolar que podem ser implementadas. Alguns exemplos:

  • Professores e funcionários – treinamentos internos para ajudá-los a identificar potenciais red flags e prepará-los para realizar uma abordagem inicial adequada, com roteiros que padronizem as ações e a linguagem a ser adotada;
  • Pais e responsáveis legais – introdução do assunto em reuniões e rodas de conversa para abrir um canal de diálogo sobre temas polêmicos antes que a situação ocorra. As informações coletadas nessas ocasiões pode permitir que a instituição de ensino aprimore seu plano de resposta à crise; e
  • Alunos – elaboração e fixação de cartilhas informativas que fortaleçam as medidas de conscientização, assim como realização de jogos e gincanas educativas com abordagem multidisciplinar.

Além desse importante esforço para capacitar a comunidade, existem outras ações relevantes que podem ser tomadas previamente. Entre elas está a criação de um canal de denúncias anônimas, com gestão de uma entidade independente da instituição de ensino e auditado periodicamente. Por esse canal, as vítimas poderiam relatar ocorrências para análise adequada.

O fato é que, diante das novidades jurídicas deste ano, as instituições de ensino devem se manter ainda mais atentas no combate às discriminações em suas dependências – e documentar suas ações para, se necessário, conseguir atestar seu empenho.

Além de mitigar eventuais repercussões midiáticas, reputacionais e até mesmo financeiras, essa conduta preventiva e mais cautelosa também pode garantir um controle maior das possíveis consequências e repercussões jurídicas de uma situação de crise.

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