Como já vimos ao longo dos artigos de nossa série sobre gerenciamento de crise, toda empresa está sujeita a enfrentar crises, sejam elas internas ou externas. Os eventos variam desde vazamentos de dados a denúncias de assédio, incidentes operacionais, acidentes, pandemias e adversidades na economia que afetem um setor em particular, entre outros.
Esses eventos podem acontecer a qualquer momento e têm o potencial de paralisar ou, no mínimo, impactar as atividades sociais, além de gerar danos reputacionais e prejudicar a posição da sociedade diante de seus acionistas, fornecedores, clientes e principais stakeholders.
A existência de uma estrutura interna de governança corporativa robusta contribui – e muito – para que a empresa esteja preparada para evitar o evento causador e, principalmente, reagir de forma rápida à crise.
Governança corporativa[1] nada mais é do que o conjunto de regras e procedimentos internos de tomada de decisão e gestão da sociedade, para fazer com que a organização atinja seus objetivos e fins sociais. A complexidade da estrutura de cada companhia depende de diversos fatores, incluindo o seu porte, a natureza das atividades desenvolvidas e o seu potencial de risco, além de custos e disponibilidade de recursos.
Em uma sociedade, os órgãos da administração são parte do sistema de governança, em conjunto com auditores, comitês de assessoramento, conselheiros fiscais, entre outros. Cada um desses agentes desempenha um papel diferente na cadeia de governança e pode contribuir de forma diferente em um cenário de crise – seja na fase preventiva de mapeamento de riscos e criação de políticas, seja na fase aguda, após o desencadeamento da crise. Vejamos como atua cada agente:
- Assembleia geral. É a instância máxima de deliberação e fixação dos rumos dos negócios dentro da sociedade. Por meio do exercício do direito de voto dos acionistas, a assembleia tem como funções primordiais:
- eleger os administradores, sejam os diretores diretamente (na ausência do conselho de administração) ou os conselheiros que, por sua vez, elegerão a diretoria; e
- fiscalizar a atuação da administração.
A escolha consciente de administradores qualificados para os respectivos cargos, capazes de cumprir os seus deveres fiduciários, é fundamental para as etapas preventiva e de tratamento de uma crise. Isso é especialmente importante porque os sócios são diretamente prejudicados por crises reputacionais que afetam a empresa, sobretudo devido à perda de valor do negócio.
- Conselho de administração. É órgão não obrigatório na maioria das sociedades. Tem como finalidade orientar a gestão dos negócios sociais, eleger e fiscalizar a diretoria, convocar a assembleia geral e deliberar sobre temas, de acordo com o estabelecido no estatuto social.
Cabe ao conselho de administração monitorar as ações da companhia, além de seus resultados e impactos. Sob a perspectiva da crise, o conselho pode ajudar:- no mapeamento de riscos relacionados à atividade social;
- na criação de políticas internas e comitês específicos de assessoramento;
- no monitoramento do cumprimento das políticas e desenvolvimento de planos de gestão de crise a serem utilizados durante uma ocorrência, incluindo planejamento de comunicação com a mídia, sócios e stakeholders; e
- nas estratégias para contratação de prestadores de serviços e acionamento de medidas de emergência.
- É o órgão da administração responsável pela representação social e execução efetiva dos atos de negócios. Como gestores, cabe à diretoria planejar, organizar e utilizar os recursos para alcançar os fins sociais da organização, dar cumprimento às políticas e atuar de forma diligente e em atenção aos seus deveres fiduciários em cada uma de suas esferas.
O dever de diligência envolve as obrigações de se informar sobre o negócio, investigar fatos suspeitos e vigiar. Em um cenário de crise, a diretoria muito provavelmente será o primeiro órgão a ser investigado, pois a ela cabem as funções de execução das atividades e a efetiva condução do negócio.
- Comitês de assessoramento. O conselho de administração ou mesmo o estatuto social podem criar comitês de assessoramento relacionados a temas específicos que requerem atenção especial da sociedade, de acordo com suas atividades. O objetivo dos comitês é fornecer conhecimento técnico e especializado para viabilizar a condução dos negócios.
A necessidade, conveniência e os custos dos comitês devem ser avaliados caso a caso e de acordo com a realidade da empresa, seu porte, suas atividades e disponibilidade de recursos, entre outros fatores.
- Órgãos de fiscalização e controle. Outros agentes, como o conselho fiscal e o auditor independente, também atuam, sob a perspectiva fiscalizatória, com o objetivo de verificar e monitorar os atos da administração. A auditoria emite uma opinião sobre as demonstrações financeiras e sua adequação à realidade patrimonial da companhia.
O conselho fiscal, por sua vez, representa um mecanismo independente de controle do conselho de administração e da diretoria. Ambos contribuem para o fortalecimento da governança interna e melhor adequação às práticas recomendadas, sobretudo para coibir fraudes contábeis.
Independentemente da estrutura de governança adotada por determinada sociedade, é preciso fazer com que essa estrutura contribua de forma coordenada para identificar riscos, desenvolver um plano de ação para cenários de crise e permitir a adoção de respostas rápidas e efetivas, capazes de mitigar os efeitos da crise e, principalmente, preservar a continuidade do negócio e suas atividades.
O bom preparo e a reação eficaz a um evento de crise requerem uma coordenação multidisciplinar, que envolve as áreas operacionais e departamentos estratégicos. Entre eles, o financeiro, a comunicação e o departamento jurídico, ao qual caberá lidar com as diversas demandas e potenciais passivos decorrentes do evento de crise.
[1] “Governança corporativa é um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, para seus sócios e para a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e demais indivíduos de uma organização na busca pelo equilíbrio entre os interesses de todas as partes, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente.” Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, 6ª ed., IBGC, São Paulo, SP : IBGC, 2023.