A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu consulta pública para revisão da atual regulamentação de produtos de cannabis, que trata da importação, comercialização, prescrição médica e dispensação desses produtos no mercado brasileiro. As contribuições para a Consulta Pública 1.316/25 podem ser enviadas até o próximo dia 2 de junho.

A RDC Anvisa 327/19 foi o marco regulatório inicial para regularização de produtos industrializados para uso medicinal que contenham insumos ativos obtidos da espécie vegetal Cannabis sativa. A resolução surgiu em um contexto de crescente demanda por esses produtos no Brasil e deveria ser revisada três anos após a sua publicação, por ter sido editada em caráter excepcional.

O assunto foi incluído na agenda regulatória da Anvisa para o biênio 2024-2025 - como estabelece a Portaria 1.409/23 -, que trata dos temas que serão priorizados pela agência nesse período.

Principais aspectos da proposta de norma


Entre os principais aspectos da proposta de norma trazida pela Consulta Pública 1.316/25, destacam-se:

  • Manutenção da categoria de produtos de cannabis. Essa categoria regulatória foi criada pela RDC Anvisa 327/19 para suprir lacunas não atendidas pelos medicamentos registrados. Seu processo de regularização é simplificado, comparado mas não equivalente ao de medicamentos. Tanto a categoria específica para produtos de cannabis, quanto seu carater transitório se mantém.

    Atualmente, há apenas um medicamento de cannabis aprovado e 36 produtos de cannabis regularizados na Anvisa.
  • Prazo da autorização sanitária. A RDC Anvisa 327/19 atualmente prevê que a autorização sanitária de produtos de cannabis tem prazo improrrogável de cinco anos. Ocorre que – como mencionado pelo diretor presidente substituto da Anvisa, Rômison Mota – apesar dos avanços, ainda não há evidências científicas suficientes que confirmem a eficácia dos produtos para grande parte das condições clínicas. Nesse sentido, a minuta estabelece que o prazo inicial de cinco anos pode ser estendido por igual período.
  • Autorização para prescrição por cirurgiões-dentistas. A proposta proposta permite que – além dos médicos – cirurgiões-dentistas prescrevam produtos de cannabis, desde que estejam registrados nos conselhos profissionais competentes. As indicações e formas de uso dos produtos de cannabis são de responsabilidade do profissional.
  • Permissão à publicidade. Enquanto a RDC Anvisa 327/19 proíbe expressamente a publicidade de produtos de cannabis, a proposta atual estabelece que sejam aplicadas por equiparação as restrições já estabelecidas para medicamentos sujeitos a controle especial. Essa publicidade deverá ser dirigida exclusivamente a prescritores e o material publicitário deverá levar em consideração apenas as informações previstas em folheto informativo e rotulagem. As frases obrigatórias padronizadas na proposta de resolução devem ser destacadas em negrito e em formato que permita fácil leitura e compreensão.
  • Dispensação. A minuta de resolução em consulta pública traz a possibilidade de produtos cannabis serem oferecidos e comercializados em farmácias (incluindo farmácias de manipulação) ou drogarias, desde que por profissional farmacêutico habilitado. Atualmente, a RDC Anvisa 327/19 impede a dispensação em farmácias com manipulação.
  • Ampliação das vias de administração. Enquanto a RDC Anvisa 327/19 autoriza apenas as vias oral e nasal, a Consulta Pública 1.316/25 pretende permitir as vias de administração oral, bucal, sublingual, inalatória ou dermatológica para os produtos de cannabis, excluindo-se expressamente produtos de liberação modificada, nano tecnológicos e peguilhados. Permanecem proibidas formas farmacêuticas injetáveis e estéreis.
  • Limite de THC . Os produtos de cannabis devem conter, como insumo farmacêutico ativo (IFA) ou insumo farmacêutico ativo vegetal (IFAV), exclusivamente canabidiol (CBD) ou o extrato obtido a partir do CBD. A concentração de delta-9-tetraidrocanabinol (THC) deve ser controlada.

    A proposta de norma também traz previsão expressa de que os produtos de cannabis contendo teor acima de 0,2% de THC sejam destinados exclusivamente ao tratamento de pacientes portadores de doenças que ameacem a vida ou debilitantes graves - ou seja, que prejudica substancialmente o desempenho das tarefas da vida diária e/ou doença crônica que, se não tratada, progredirá na maioria dos casos, levando a perdas cumulativas de autonomia, asequelas ou à morte. Cabe ressaltar, porém, que o uso dos produtos nessa situação será contraindicado para pacientes menores de 18 anos, gestantes e lactantes. No caso de idosos e pacientes que tenham histórico de dependência de cannabis ou que façam uso não medicinal da planta, a avaliação benefício/risco do seu uso deve ser realizada pelo profissional prescritor.

Outras discussões envolvendo produtos de cannabis


No fim de 2024, no âmbito do REsp 2024250/PR, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a importação de sementes, o plantio, o cultivo e a comercialização do cânhamo industrial (hemp), variedade de cannabis com teor de THC inferior a 0,3%, para fins exclusivamente medicinais e industriais farmacêuticos (não foi estabelecido um limite relativo ao CBD).

Nessa decisão, o STJ concedeu à Anvisa o prazo de seis meses para regulamentar a importação e o cultivo de cannabis para fins medicinais. A respeito do tema de cultivo, a minuta de CP atual não estabelece requisitos sanitários para esta atividade.

De acordo com a Anvisa, a revisão da RDC Anvisa 327/19 não tem relação com a decisão do STJ: “As determinações do STJ referentes ao plantio de cânhamo e cannabis estão sendo coordenadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) e envolvem outros entes da Administração Federal”.

No âmbito legislativo federal, tramita o Projeto de Lei 399/15, que propõe a legalização do cultivo da planta para uso medicinal e industrial. Pela proposta, farmácias no âmbito do SUS ficariam autorizadas a cultivar e processar plantas de cannabis para fins medicinais, desde que cumpridas as exigências de segurança para cultivo, armazenagem, transporte e prescrição.

O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas aguarda decisão sobre recurso interposto contra a conclusão da Comissão Especial na Mesa Diretora para ser encaminhado ao Senado.

A prática de Life Sciences & Saúde pode fornecer mais informações sobre o tema.