O Senado Federal aprovou, em 23 de abril de 2024, o texto final consolidado do Projeto de Lei 6.007/23 (PL 6.007/23), que trata da pesquisa com seres humanos no Brasil e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos.

Após sete anos de tramitação no Congresso Nacional, o texto iniciado no Senado Federal foi revisto no fim de 2023 pela Câmara dos Deputados, que o aprovou na forma de substitutivo (PL 7.082/17).

Confira abaixo os principais aspectos envolvendo a regulamentação atual de pesquisa clínica no Brasil e o texto final aprovado em regime de urgência.

Contexto geral

Em termos práticos, o Brasil já tem um sistema de pesquisa clínica estruturado, que inclui o Conselho Nacional de Saúde (CNS), a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e comitês de ética em pesquisa (CEPs) estabelecidos em hospitais, centros de pesquisa e instituições acadêmicas.

O PL 6.007/23, porém, concede um lastro legal para a regulação e fiscalização de instituições públicas e privadas que realizam pesquisa com seres humanos no Brasil.

De acordo com o texto aprovado, a pesquisa com seres humanos inclui o manejo de seus dados, informações ou material biológico, de forma direta ou indireta. A pesquisa pode ser dividida em três categorias:

  • Pesquisa científica, tecnológica ou de inovação – estudo que tem interação com o ser humano (de forma individual ou coletiva), de maneira direta, sem o objetivo de registrar o produto sob pesquisa.
  • Pesquisa clínica – conjunto de procedimentos científicos desenvolvidos de forma sistemática com o objetivo de:
  • avaliar a ação, a segurança e a eficácia de medicamentos, produtos, técnicas, procedimentos, dispositivos médicos ou cuidados à saúde, para fins preventivos, de diagnóstico ou terapêuticos;
  • verificar a distribuição de fatores de risco, doenças ou agravos na população; e
  • avaliar os efeitos de fatores ou estados sobre a saúde.
  • Ensaio clínico – tem a finalidade de descobrir ou confirmar os efeitos clínicos, farmacológicos ou qualquer outro efeito farmacodinâmico do medicamento experimental, identificar qualquer reação ao medicamento ou estudar sua absorção, distribuição, metabolismo e excreção, para que seja analisada e verificada a ação, segurança e eficácia de medicamento experimental.

Nesses casos, será preciso submeter previamente um protocolo de pesquisa à análise ética, a ser realizada em instância única pelo comitê de ética em pesquisa (CEP). Com isso, acaba-se com a revisão dupla feita pela Conep, que hoje ainda ocorre em casos específicos.

Além disso, o PL determina um prazo de 30 dias para deliberação pelos CEPs, exceto quando se tratar de pesquisa de interesse estratégico para o SUS, cujo prazo para emissão de parecer será de 15 dias.

Principais mudanças no texto final do PL 6.007/23

O Senado Federal promoveu cerca de 60 alterações no texto substitutivo proposto pela Câmara dos Deputados, em sua maioria de caráter redacional.

A principal modificação refere-se à responsabilidade financeira dos patrocinadores de uma pesquisa realizada no Brasil.

A versão aprovada pela Câmara previa que, no caso de pesquisas patrocinadas por governos, agências governamentais nacionais ou internacionais ou instituições sem fins lucrativos, a instituição brasileira colaboradora poderia assumir e isentar as responsabilidades de um ou mais patrocinadores da obrigação de indenizar e prestar assistência à saúde por eventuais danos causados. Contudo, o Senado Federal retirou integralmente esta redação da versão final.

Outros destaques são:

  • Exclusão da possibilidade de existência e funcionamento de comitês de ética independentes (CEIs);
  • Restabelecimento da figura do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos (SNEPCSH), composto por uma instância nacional de ética (atualmente o Conep) e uma instância local de análises éticas (CEPs);
  • Previsão para que a instância nacional de ética em pesquisa (atualmente o Conep) passe a integrar o Ministério da Saúde, com competência para regular, fiscalizar e realizar o controle ético de pesquisas;
  • A pesquisa com mulheres grávidas será obrigatoriamente precedida de pesquisa semelhante com mulheres fora do período gestacional, exceto quando a gestação ou o nascituro forem o objeto fundamental da pesquisa;
  • Estudos com materiais biológicos de origem humana deverão evitar a discriminação e estigmatização de pessoa, família ou grupo, quaisquer que sejam os benefícios obtidos com a pesquisa;
  • Exclusão da possibilidade de o CEP dispensar a exigência de consentimento informado individual prévio para uso futuro de dados e materiais biológicos em novas pesquisas de relevante valor social ou inviabilizar o uso sem a dispensa;
  • Ensaios clínicos poderão ser iniciados em até 90 dias contados da submissão de pedido de aprovação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), independentemente de manifestação da agência, desde que o protocolo ético tenha sido aprovado;
  • Exclusão da figura do “pesquisador/investigador-patrocinador”, sob a justificativa de que essa figura poderia acarretar, na prática, a isenção de responsabilidades por parte do patrocinador.

Critérios para fornecimento pós-estudo

O fornecimento gratuito do medicamento experimental no âmbito do programa de fornecimento pós-estudo poderá ser interrompido – mediante submissão de justificativa ao CEP – para apreciação, apenas em alguma das seguintes situações:

  • decisão do próprio participante da pesquisa ou representante legal;
  • cura da doença ou introdução de alternativa terapêutica satisfatória;
  • ausência de benefício para o participante do uso continuado do medicamento experimental, considerando-se a relação risco benefício fora do contexto do ensaio clínico ou o aparecimento de novas evidências de riscos relativos ao perfil de segurança do medicamento experimental;
  • ocorrência de reação adversa que inviabilize a continuidade do medicamento experimental;
  • impossibilidade de obtenção ou de fabricação do medicamento experimental por questões técnicas ou de segurança – desde que o patrocinador forneça alternativa terapêutica equivalente ou superior existente no mercado;
  • após cinco anos contados da disponibilidade comercial do medicamento experimental no Brasil; ou
  • mediante fornecimento do medicamento experimental no SUS.

O texto seguirá para análise do presidente da República, que poderá sancioná-lo com ou sem vetos. Em seguida, deverão ser publicadas regulações complementares operacionais sobre tema, como:

  • fornecimento de informações sobre a pesquisa em site eletrônico de acesso público;
  • definição de procedimentos operacionais padrão e de boas práticas;
  • regras para biobancos e biorrepositórios;
  • cláusulas obrigatórias para contratos de pesquisa clínica;
  • definição de grupos especiais;
  • procedimentos para suspensão ou extinção de CEPs;
  • regras de monitoramento para pesquisas;
  • definição sobre informações e procedimentos de análise ética pelos CEPs;
  • criação de um cadastro nacional de voluntários em estudos de bioequivalência;
  • requisitos para elaboração e implementação de programa de fornecimento pós-estudo ou continuidade do tratamento experimental; e
  • especificidades das pesquisas em ciências humanas e sociais;

A prática de Life Sciences & Saúde pode fornecer mais informações sobre o tema.