O ano de 2020 foi marcado, do ponto de vista econômico, por uma intensa volatilidade que afetou o mercado financeiro nacional de forma mais aguda que a habitual. Os motivos estão relacionados à crise de saúde pública desencadeada pela covid-19, à instabilidade política, econômica e social, às incertezas quanto a uma possível quebra do teto de gastos pelo governo federal e, não menos importante, aos impactos das eleições presidenciais norte-americanas.
Esse cenário de incertezas tem afetado a onda de IPOs (Initial Public Offering) registrada ao longo deste ano e que vinha sendo impulsionada pelo cenário de juros em patamares historicamente baixos. Muitos processos de IPO em curso na CVM foram cancelados ou suspensos com a justificativa de deterioração das condições do mercado.
O IPO, ou oferta pública inicial de ações, é o evento pelo qual uma sociedade (oferta primária) e/ou os seus acionistas (oferta secundária) oferecem ao mercado suas ações, que serão negociadas em bolsa de valores. Trata-se de um processo complexo e custoso que demanda certa maturidade em termos de governança e institucionalização por parte da sociedade que vai ao mercado de capitais captar recursos em troca de participação acionária. O processo de IPO envolve diferentes etapas, como auditoria, elaboração do prospecto e documentação da oferta, o roadshow, entre outras providências que demandam alto investimento e comprometimento da empresa e seus assessores. Por tais motivos, a opção pela captação de recursos via IPO é sempre cuidadosamente avaliada pela companhia e seus assessores financeiros.
Como alternativa ao IPO, há outras formas de captação de recursos para uma sociedade financiar suas atividades, especialmente durante um período de turbulência como o atual. Elas podem ser encaradas como meras alternativas e soluções paliativas ao IPO ou, até mesmo, como a estratégia principal e mais adequada para captação de recursos.
Primeiramente, é importante diferenciar a captação de recursos por meio de instrumentos de dívida da captação em troca de participação societária. Os instrumentos de dívida, de maneira geral, representam um risco menor ao investidor, uma vez que, em um cenário de insolvência da sociedade investida, os credores (titulares dos instrumentos de dívida) serão habilitados a receber seus créditos antes dos acionistas no concurso de credores. Além disso, alguns instrumentos de dívida oferecem garantias reais ou pessoais (aval ou fiança, por exemplo), o que confere aos seus titulares uma posição ainda mais privilegiada no concurso de credores em caso de insolvência.
Entre os instrumentos de dívida, a emissão de debêntures é um dos meios mais usuais de captação de recursos, conferindo ao investidor ou debenturista o direito de receber uma remuneração periódica e, no vencimento do título, o valor do principal investido. As debêntures têm como característica um prazo de vencimento da dívida mais longo, ao contrário das notas promissórias - outro instrumento de dívida bastante usual – que estão sujeitas a um prazo de vencimento mais curto.
Já a captação de recursos em troca de participação societária se dá por meio da emissão de ações ou títulos que conferem o direito às ações, por exemplo, o bônus de subscrição. Como já mencionado, esse formato de captação representa um risco maior ao investidor, que se torna sócio e não credor da companhia. Esse grau de risco mais acentuado muitas vezes pode representar um desincentivo ao investimento em um cenário de incerteza e turbulência.
Uma maneira mais flexível de lidar com a incerteza e o risco é a utilização de instrumentos de dívida conversíveis em participação societária, como o mútuo conversível e as debêntures conversíveis em ações. Esses instrumentos permitem ao investidor realizar o investimento na condição de credor da companhia, com uma exposição menor de risco, podendo converter a dívida em participação societária mediante o cumprimento de determinados requisitos pré-acordados. Dessa forma, o investidor consegue reduzir seu grau de risco, mas sem perder o potencial de ganho adicional caso o investimento se mostre exitoso no médio e longo prazo.
A escolha entre instrumentos de participação societária e híbridos conversíveis é bastante comum na indústria de private equity. O investidor de private equity busca adquirir participação societária em determinada companhia para incrementar suas atividades, aumentar o seu valor e, posteriormente, alienar tal participação com lucro em relação ao investimento originalmente realizado. Esse tipo de investimento é usualmente utilizado em companhias de capital fechado que apresentam potencial de crescimento em médio ou longo prazo. O aspecto menos favorável é a liquidez reduzida do investimento em comparação com a alocação de recursos em ativos listados em bolsa de valores.
Apesar de não representar uma regra absoluta, o investimento de private equity geralmente implica a aquisição de controle ou, ao menos, de participação relevante no capital da companhia investida. O objetivo nesses casos é poder influenciar de forma mais ativa e independente a administração e gestão da investida, por meio da eleição de membros do conselho de administração, diretoria e também como acionista nas próprias assembleias gerais. Os investimentos de venture capital, por sua vez, estão abrangidos pelo conceito maior de private equity, porém caracterizam-se por uma participação em menor porte. Por vezes, deixam que os acionistas fundadores continuem controlando a administração e gestão da sociedade investida. Já o chamado investimento anjo refere-se ao aporte em empresas embrionárias, geralmente realizado por pessoas físicas com capital próprio e ampla experiência no mercado.
Diante das diferentes opções disponíveis, cabe às companhias que estão em busca de recursos financeiros analisá-las cuidadosamente à luz dos riscos e incertezas existentes. É fundamental realizar a escolha da melhor alternativa conjugando a avaliação financeira e o conhecimento jurídico adequado em relação aos diversos modelos de investimento.