A emissão de títulos de dívidas no mercado de balcão vem se firmando como uma das principais alternativas para a captação de recursos, inclusive por empresas sem registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O mercado de balcão não é apenas para companhias registradas na CVM. A regulação permite que empresas sem registro de companhia aberta se tornem emissores de valores mobiliários ofertados publicamente. Para isso, suas emissões devem ser destinadas exclusivamente a investidores profissionais e negociadas em mercados de balcão organizado e não organizado – mas não em bolsa.

Com base nessa autorização,[1] diversas empresas de capital fechado realizam emissões públicas de valores mobiliários, como debêntures e notas comerciais. Contudo, o primeiro acesso ao mercado de dívidas traz alguns desafios, já que essas empresas não estão habituadas a cumprir o regime de divulgação exigido das companhias abertas.

Embora a sociedade fechada que venha a se tornar emissora de valores mobiliários em oferta pública não seja submetida a todas as obrigações aplicáveis a companhias abertas, alguns desses deveres são impostos pela regulamentação ou contratualmente e merecem atenção especial.

Neste artigo, esclarecemos e mapeamos quais as principais obrigações que um emissor de primeira viagem deverá observar ao ingressar no mercado de dívidas.

Adequação das demonstrações financeiras

Os órgãos reguladores do mercado preconizam a transparência e a padronização das informações divulgadas por empresas emissoras de valores mobiliários, em prol da defesa do interesse do investidor. Entre as obrigações de maior relevância, destacam-se as relacionadas à adequação e divulgação das demonstrações financeiras da empresa, principalmente:

  • preparar demonstrações financeiras de encerramento de exercício e, se for o caso, demonstrações consolidadas, de acordo com a Lei 6.404/76 e com as regras emitidas pela CVM;
  • submeter as demonstrações financeiras à auditoria, por auditor registrado na CVM;
  • divulgar, até o dia anterior ao início das negociações, as demonstrações financeiras, acompanhadas de notas explicativas e do relatório dos auditores independentes, relativos aos três últimos exercícios sociais encerrados. A exceção se aplica nos casos em que o emissor não têm esses documentos por não ter iniciado suas atividades previamente no período mencionado; e
  • divulgar as demonstrações financeiras subsequentes, acompanhadas de notas explicativas e relatório dos auditores independentes dentro de três meses contados do encerramento do exercício social.

Como as empresas sem registro de companhia aberta não são obrigadas a cumprir todos os requisitos mencionados acima relativos a suas demonstrações financeiras, as eventuais adequações a essas exigências podem acarretar grande esforço e trazer novos custos aos emissores.

Enquadra-se nesse caso, a obrigação de divulgar demonstrações financeiras dentro de três meses após o encerramento do exercício social. Essas demonstrações, como mencionado, devem ser elaboradas de acordo com as regras emitidas pela CVM e submetidas a auditor independente registrado na autarquia.

Essas questões são pontos importantes a serem tratados previamente com o auditor contratado pela empresa, já que são condições prévias que devem ser atendidas e adaptadas para que a oferta seja realizada.

As obrigações não se encerram com liquidação da oferta. Mesmo após a oferta, os emissores precisam continuar observando as regras relativas à preparação e divulgação de suas demonstrações financeiras. Caso contrário, o valor mobiliário pode ser retirado de negociação no mercado.

Além disso, essas obrigações costumam estar descritas nos instrumentos de emissão dos títulos de dívida. O não cumprimento dessas exigências representa uma infração não pecuniária, que pode resultar, inclusive, no vencimento antecipado da dívida.

A divulgação das demonstrações financeiras também passa a ter uma forma específica estabelecida no regramento. Ao se tornar emissora de valores mobiliários, a B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (B3) fornecerá à empresa os dados de acesso ao sistema E-Net. Esse é o sistema compartilhado entre CVM e B3, em que as divulgações de emissores de valores mobiliários e companhias abertas são realizadas. Além dos locais em que a companhia normalmente divulga suas demonstrações financeiras, ela deverá também divulgar em seu site e no portal E-Net.

Divulgação de informações

Além das demonstrações financeiras, a empresa precisará incorporar em sua rotina a divulgação de informações ao mercado. Após a primeira emissão de valores mobiliários, o emissor terá a obrigação de:

  • divulgar a ocorrência de fato relevante como definido na regulamentação específica da CVM; e
  • divulgar em sua página na rede mundial de computadores o relatório anual e demais comunicações enviadas pelo agente de notas promissórias de longo prazo e pelo agente fiduciário, na mesma data do seu recebimento.

Em relação ao primeiro ponto, assim como ocorre com as companhias abertas, o emissor de capital fechado, após a sua primeira emissão de valores mobiliários, é obrigado a monitorar situações e acontecimentos que, em sua avaliação, possam influenciar na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários. Isso inclui também situações que possam afetar a decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titulares de valores mobiliários emitidos pela empresa ou a eles referenciados.

Desse modo, o emissor deve divulgar essas situações ao mercado, como previsto na regulação pertinente, em especial a Resolução CVM 44/21, conforme alterada.

A divulgação das informações ao mercado, incluindo a divulgação de fato relevante, também deverá ser realizada no site do emissor e no sistema E-Net.

A Resolução CVM 44/21 exige ainda a publicação do fato relevante em “jornais de grande circulação utilizados habitualmente pela companhia” ou “pelo menos 1 (um) portal de notícias com página na rede mundial de computadores, que disponibilize, em seção disponível para acesso gratuito, a informação em sua integralidade”.

Taxas e tarifas

Outro ponto de atenção para novos emissores é a cobrança de determinadas taxas e tarifas pelo mercado de balcão em que os valores mobiliários estejam custodiados.

No caso da custódia na B3, atualmente são cobradas uma taxa de registro – devida uma única vez após a distribuição pública do valor mobiliário – e uma taxa anual de custódia. Ambas são calculadas com base em uma alíquota progressiva incidente sobre o valor total da emissão dos valores mobiliários.

Obrigações convencionais

Além do previsto acima, o novo emissor também deverá manter em sua rotina o cumprimento das obrigações e hipóteses de vencimento antecipado convencionadas no instrumento de emissão da dívida e nos demais contratos complementares eventualmente celebrados.

Ao realizar uma oferta pública, a empresa assumirá a obrigação de destinar os recursos captados, de acordo com o uso previsto para esses recursos na escritura de emissão. Essa destinação pode ser para expandir a empresa, reforçar o capital, pagar outras dívidas, fazer aquisições e outros fins lícitos. A efetiva destinação deverá ser devidamente comprovada.

Além disso, podem ser negociadas algumas restrições para operações financeiras e societárias do emissor, como reorganização societária, alterações de controle e capital social e de operações de mútuo, entre outras.

Caso o instrumento de emissão estabeleça covenants financeiros, a empresa deverá monitorá-los e calculá-los regularmente, nas periodicidades estabelecidas no instrumento de emissão, e apresentar os resultados ao agente fiduciário e/ou agente de notas, seguindo as diretrizes negociadas no instrumento.

Também pode haver a obrigação de emitir e atualizar a classificação de risco dos valores mobiliários ou da sociedade. A contratação de agências de classificação de risco para emissão de relatórios de rating é uma exigência comum para os emissores durante a oferta.

Embora estejam presentes em muitas operações bilaterais, essas obrigações são especialmente relevantes por causa do monitoramento realizado nas emissões pelo agente fiduciário ou agente de notas, conforme o caso. Esses agentes verificam o cumprimento dessas e de outras obrigações previstas no instrumento de emissão e em contratos da oferta para proteger o interesse dos investidores que detêm o papel emitido.

Nota-se, portanto, que existe uma fiscalização do cumprimento dos termos e condições convencionados na oferta realizada por terceiros. O descumprimento poderá resultar no vencimento antecipado das obrigações da empresa ou demandará negociação sobre o inadimplemento em assembleia dos investidores.

Além disso, também é prática de mercado incluir cláusulas que estabeleçam exclusividade ou preferência aos coordenadores da oferta para realização de ofertas futuras do emissor.

Essas cláusulas normalmente permanecem em vigor por um determinado período, que costuma exceder o encerramento da oferta para a qual os coordenadores foram inicialmente contratados. Portanto, é fundamental que o emissor monitore essas disposições, pois seu descumprimento pode resultar em multas.

Desse modo, a empresa que emite valores mobiliários em uma oferta pública precisa aperfeiçoar sua governança quando ingressa no mercado de capitais, mesmo que continue sendo uma sociedade de capital fechado. Ela deverá incorporar à sua rotina a verificação do cumprimento das obrigações assumidas – por via regulatória ou contratualmente – como emissora de instrumentos públicos de dívida.

 


[1]Art. 26, inciso X, da Resolução da CVM 160/22, conforme alterada.