O julgamento do Recurso Especial 1881149/DF,[1] que tratou da validade de contrato de franquia sem assinatura das partes, expõe o peso que alguns princípios expressos na lei podem ter na resolução de disputas judiciais.
O contrato de que trata o recurso foi assinado sob a vigência da antiga Lei de Franquias (Lei 8.955/94), que vigorou até 26 de março de 2020, quando foi substituída pela nova lei (Lei 13.966/19). Por esse motivo, a lei antiga foi utilizada para resolver a disputa.
O artigo 6º da Lei 8.955/94 exigia que o contrato de franquia fosse implementado por escrito, assinado pelas partes na presença de duas testemunhas. Apesar de vigorar o princípio da liberdade da forma no ordenamento jurídico brasileiro, admitindo-se, assim, contratos verbais em que a manifestação da vontade das partes pode ser emitida de forma tácita ou mesmo pelo silêncio – conforme artigo 107 do Código Civil –, a lei pode exigir expressamente forma especial (por exemplo, por escrito particular ou instrumento público), como fazia a Lei 8.955/94 e faz a Lei 13.966/2019.[2]
No caso em questão, no início de 2016, a franqueadora encaminhou o documento contratual para que franqueada o assinasse e restituísse, o que não foi feito. Mesmo assim as partes colocaram em prática o disposto no instrumento contratual e ainda, no final daquele mesmo ano, acordaram um aditivo contratual, também não assinado. A relação entre as partes se manteve até a prolação do acórdão pelo tribunal local, que reconheceu o inadimplemento contratual da franqueada e declarou a rescisão do contrato, além de condenar a franqueada a pagar à franqueadora o valor de R$ 57.500,00, referente à multa contratual indenizatória.
A condenação ao pagamento da multa contratual foi reduzida a 50% do valor previsto no contrato, por se entender que a franqueadora contribuiu, ainda que por omissão, para que uma relação de franquia na forma verbal se estabelecesse, justificando assim a flexibilização da cláusula penal.
A franqueada recorreu ao STJ buscando declarar nulo o contrato. No julgamento, a corte procurou verificar:
- a existência de manifestação tácita de vontade das partes de celebrarem o contrato, apesar do vício de forma decorrente da ausência de assinatura; e
- havendo essa vontade tácita, se existe no ordenamento jurídico brasileiro norma que justifique superar o vício de forma.
O acórdão acabou se fundamentando em dois aspectos principais:
- a declaração tácita da vontade da franqueada; e
- a vedação ao comportamento contraditório, em plena observância à boa-fé objetiva. O princípio da boa-fé objetiva, previsto no artigo 422 do Código Civil, impõe aos contratantes o dever de agir de forma correta para não frustrar as expectativas da contraparte.
A decisão afirma que a manifestação de vontade da franqueada ocorreu de forma tácita, com um comportamento oposto ao que constituiria a “não aceitação” do contrato. Isso se deu por meio da abertura de filiais, uso da marca licenciada e o cumprimento, pela franqueada, das obrigações contratualmente previstas, até serem constatadas as violações que levaram à ação judicial.
O STJ entendeu que a alegação de vício formal pela franqueada, com o objetivo de conseguir a nulidade do contrato, nos termos do artigo 166, inciso IV, do Código Civil, não se sustentava, diante de seu comportamento contrário ao princípio da boa-fé objetiva.
Vale destacar que o acórdão não teve por objetivo validar contrato nulo, mas sim conservar o negócio, entendendo que, no caso concreto, a franqueada deu motivos à franqueadora para confiar no acordo que ambas as partes haviam firmado.
Apesar do entendimento do STJ, que negou a invalidade do contrato de franquia por falta de assinatura, é importante que as partes formalizem por escrito os seus contratos para garantir maior segurança jurídica. A medida deve ser tomada sempre que necessário por exigência legal ou a operação contratada envolver riscos ou complexidade. Dessa forma, as partes poderão ter maior previsibilidade do que pactuaram e resguardar seus interesses diante de descumprimentos ou outras situações contratuais adversas.
[1]STJ – Resp 1881149 DF 2019/0345908-4. Relator: ministra Nancy Andrighi, data de publicação: DJ 02/02/2021.
[2]A nova Lei de Franquias, contudo, não prevê mais a necessidade de assinatura de duas testemunhas (artigo 7º, I).