Em vigor desde 1º de julho, a Instrução Normativa nº 81/20, publicada pelo Departamento Nacional de Registro e Integração de Empresas (DREI), do Ministério da Economia, revoga diversas instruções normativas anteriores, com o intuito de consolidar as normas referentes ao registro público de empresas e trazer algumas inovações na esteira da Lei nº 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica).
Entre as normas revogadas, está a Instrução Normativa nº 35/17, que dispunha sobre “(...) os atos de transformação, incorporação, fusão e cisão que envolvem empresários, sociedades, bem como a conversão de sociedade simples em sociedade empresária e vice-versa” e, em seu artigo 30, mencionava categoricamente que “é vedada a conversão de sociedade empresária em sociedade sem fim lucrativo e vice-versa”.
A vedação apresentada pela IN 35 baseava-se no entendimento de que o regime jurídico das sociedades empresárias era incompatível com o regime jurídico das associações sem fins lucrativos, que não podem distribuir lucro e patrimônio aos seus associados. Em tal situação, portanto, a associação deveria ser extinta para, em seguida, constituir-se uma nova sociedade empresária. Isso porque, segundo o art. 61 do Código Civil, em caso de dissolução de uma associação, o remanescente do seu patrimônio líquido deve ser destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto ou à instituição municipal, estadual ou federal de fins idênticos ou semelhantes. Transformar a associação em sociedade empresária significaria criar uma possibilidade de retornar patrimônio aos sócios.
Argumentava-se também que o artigo 1.113[1] do Código Civil não seria aplicável às sociedades sem fins lucrativos, dado que está incluído na Parte Especial do Código Civil, referente a sociedades, e não em sua Parte Geral, que seria aplicável a pessoas jurídicas em geral.
No entanto, a IN 81, em seu Capítulo V, denominado “Da conversão de sociedade simples ou associação em sociedade empresária e vice-versa”, de estrutura bastante semelhante ao Capítulo V da IN 35, a IN 81 suprimiu a vedação à conversão de sociedade sem fim lucrativo em sociedade empresária prevista na IN 35 e tratou, em seu artigo 84, sobre o arquivamento de instrumento de conversão de sociedade simples ou associação em sociedade empresária.
Nos termos de tal artigo, o instrumento de conversão deverá ser inicialmente averbado no Registro Civil no qual está registrada a sociedade simples ou a associação para, posteriormente, acompanhado da consolidação do ato constitutivo do respectivo tipo societário, ser apresentado para arquivamento na junta comercial da mesma unidade da federação ou de outra. Caso o novo tipo societário seja uma sociedade por ações, deverá ser apresentada a relação completa dos acionistas, com a indicação da quantidade de ações resultantes da conversão, dado que tal informação constaria apenas dos livros societários, não do estatuto social (no caso de uma sociedade limitada, a informação sobre os quotistas é parte do contrato social).
Da análise da nova regulamentação, resta claro que houve uma alteração fundamental no posicionamento do DREI sobre a alteração da forma de uma pessoa jurídica de associação (ou de tipo societário sociedade simples sem fins lucrativos) para sociedade empresária.
Ao tratar da alteração de forma de pessoa jurídica como uma “conversão” e não como uma “transformação”, parece-nos que o DREI buscou evitar a discussão sobre a possibilidade de aplicação do instituto da “transformação” a pessoas jurídicas outras que não as sociedades, focando apenas na possibilidade de que uma entidade sem fins lucrativos passe, por meio de simples ato formal registral, a ser uma entidade com fins lucrativos.
Dessa forma, a IN 81, em seu art. 74, estabeleceu que, após averbação no Registro Civil, o instrumento de conversão de sociedade simples ou associação em sociedade empresária deverá ser arquivado na junta comercial da sede, acompanhado da consolidação do ato constitutivo do respectivo tipo societário.
Assim, ainda que a conversão de pessoa jurídica de associação em sociedade empresária tenha passado a ser aceita pelo DREI do ponto de vista de registro público, ainda existem controvérsias a respeito de sua possibilidade jurídica, e algumas dificuldades práticas de caráter contábil e tributário precisam ser enfrentadas.
Por exemplo, não há parâmetros legais para a formação do capital social da sociedade empresária, com a definição do número e do valor patrimonial das quotas ou ações emitidas, com reflexo em contas do patrimônio líquido. Algumas associações possuem títulos representativos de frações ideais do seu patrimônio, correspondente aos aportes realizados pelos associados, os denominados “títulos patrimoniais”, o que permitiria uma transição facilitada das contas patrimoniais da associação para a sociedade empresária em virtude de sua similitude com o conceito de quotas/ações e capital social. Outras associações, entretanto, não possuem títulos patrimoniais e assim será impossível determinar o número de quotas ou ações a ser atribuído para cada membro da associação.
No processo de desmutualização da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), tais associações possuíam títulos patrimoniais representativos de seu patrimônio, detidos pelas então associadas, corretoras de títulos e valores mobiliários e de mercadorias e futuros. A desmutualização não foi implementada por meio de transformação, mas por cisão das associações e versão do acervo líquido cindido para novas sociedades. Cada associado recebeu ações de emissão de tais sociedades na proporção e no valor dos títulos patrimoniais que possuíam nas associações.
Dessa maneira, havendo títulos patrimoniais, a adequação das contas patrimoniais como resultado de sua conversão em sociedade empresária seria viável na proporção dos títulos patrimoniais dos associados, e o valor do capital social da sociedade seria correspondente ao valor do patrimônio líquido da associação.
Na eventualidade de a associação não possuir patrimônio líquido, seria necessário que os associados subscrevessem, na proporção pretendida, novas quotas/ações para formação de capital social (como na constituição de sociedade) a serem integralizadas de acordo com a regras estabelecidas no ato de subscrição.
[1] “Art. 1.113. O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se.”