A Diretiva da União Europeia 2024/1.760, publicada no último dia 5 de julho no Diário Oficial da União Europeia (UE), estabelece regras sobre os procedimentos de due diligence que as empresas deverão tomar para proteger os direitos humanos e o meio ambiente. A norma entrará em vigor em 26 de julho.

Aprovada pelo Parlamento Europeu em fevereiro deste ano e pelo Conselho da União Europeia em abril, a Diretiva de Due Diligence em Sustentabilidade Corporativa (conhecida como CS3D) será aplicada aos estados-membros da União Europeia, que terão dois anos para adaptar suas respectivas normas nacionais às novas regras.

A forma como essa adaptação será feita não foi especificada. Poderá ser lei, regulamento ou outro mecanismo interno existente no ordenamento jurídico de cada país.

Como os estados-membros ainda não implementaram suas regulações, não é possível prever com precisão as disposições e obrigações que serão estabelecidas para as empresas sediadas na UE e para as empresas de outras localidades que mantenham operações na comunidade europeia.

Há, porém, consenso de que as consequências para o sistema econômico global serão relevantes. Empresas que atuam no Brasil poderão ser afetadas, inclusive as que não atuam no mercado internacional.

Diante desse cenário, é importante entender melhor os pontos básicos dessa diretiva e os impactos que ela traz.

O que a diretiva significa na prática?
Por enquanto, não há nenhuma mudança para as empresas do ponto de vista legislativo. Os estados-membros da UE têm até 26 de julho de 2026 para adotar e publicar disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias ao cumprimento da diretiva. Somente após a adoção de normas específicas em cada país as empresas estarão sujeitas às novas regras.

Quais as principais determinações da diretiva?
A diretiva prevê que os estados-membros da UE implementem regras relacionadas a procedimentos de investigação e análise de informações (due diligence) sobre direitos humanos e meio ambiente. Esses procedimentos de due diligence se aplicam a empresas sediadas no respectivo estado-membro ou que operem em seu território.

Em linhas gerais, as leis locais vão regular programas de compliance de direitos humanos e sustentabilidade. Esses programas devem incluir diversas iniciativas, como:

  • avaliação de riscos, elaboração e revisão de políticas para inclusão de due diligence em direitos humanos e sustentabilidade;
  • identificação e avaliação de impactos negativos;
  • prevenção de efeitos negativos potenciais;
  • interrupção e minimização de efeitos negativos reais;
  • monitoramento e avaliação;
  • comunicação; e
  • mecanismos de remediação.

Como e quando as novas regras serão aplicáveis às empresas?
As regras serão aplicáveis progressivamente, de acordo com critérios relacionados ao número de trabalhadores e volume de negócios líquido. Os impactos diretos devem atingir, inicialmente, as maiores empresas – aquelas com mais de 5 mil colaboradores e volume de negócios global superior a 1,5 bilhão de euros – a partir de 2027.

Já em 2029, as organizações abrangidas pela diretiva alcançarão:

  • empresas da UE (em base individual ou consolidada) com mais de mil empregados em média e um faturamento líquido global superior a 450 milhões de euros; e
  • empresas não pertencentes à UE (em base individual ou consolidada), que gerem um faturamento líquido superior a 450 de euros milhões dentro da UE.

Qual é o impacto sobre a cadeia de valor?
A diretiva atrai a atenção de todo o mundo, já que será aplicável a empresas com atuação global e faturamento na UE, mas não necessariamente sediadas em território europeu. O conceito de cadeia de atividades (ou cadeia de valor) que faz parte do seu escopo estende o impacto da diretiva para além das fronteiras da UE.

A norma obriga que as empresas adotem medidas de prevenção, detecção e reparação sobre impactos sociais negativos de suas atividades. Esse dever de diligência das empresas se estende às atividades de seus fornecedores e prestadores de serviço.

Com isso, uma empresa sediada no Brasil pode ser afetada, ainda que opere apenas localmente. Se, por exemplo, uma empresa com sede aqui tiver algum cliente sujeito à nova legislação europeia, provavelmente essa empresa passará a ser monitorada por esse cliente. Isso devido ao dever de diligência imposto a ele pela nova diretiva.

Pela nova norma, as empresas que operam na UE deverão realizar diligência envolvendo fornecedores e parceiros comerciais a montante e a jusante:

  • a montante – parceiros e fornecedores que exercem atividades relacionadas com a produção de bens ou a prestação de serviços, incluindo concessão, extração, aprovisionamento, fabrico, transporte, armazenamento e fornecimento de matérias-primas, produtos ou partes de produtos e ao desenvolvimento do produto ou do serviço.
  • a jusante: parceiros e fornecedores que exercem atividades relacionadas a distribuição, transporte e armazenamento de um produto.

Quais serão as sanções?
De acordo com a diretiva, os estados-membros devem designar uma ou mais autoridades de supervisão independentes para supervisionar o cumprimento da norma. Essas autoridades deverão ter poderes e recursos adequados para fazer a lei ser cumprida. Eles poderão exigir relatórios das empresas e conduzir investigações sobre violações. Também caberá a esses órgãos impor penalidades a serem definidas pelas normas locais, respeitado o limite de até 5% do faturamento global bruto da empresa no ano anterior ao da infração.

Para o cálculo da penalidade, será considerada, por exemplo, a gravidade e a duração da violação, os investimentos efetuados pela empresa, a colaboração da empresa para corrigir os efeitos, os benefícios financeiros colhidos ou as perdas evitadas em função da violação, entre outros fatores.

Qual é o alcance dessa mudança para o Brasil?
As pesadas sanções da diretiva devem levar as multinacionais europeias ou com grande atuação na União Europeia a serem bastante exigentes com seus fornecedores.

Multinacionais que operam no Brasil precisarão adequar seu programa de conformidade à realidade brasileira e conciliá-lo com a legislação europeia, tudo isso sem comprometer a eficiência produtiva.

Empresas brasileiras que operam na União Europeia devem ser afetadas diretamente e mesmo aquelas que não operam na região correm o risco de perder negócios e clientes, caso não apresentem controles adequados, capazes de prevenir, identificar e remediar violações dos direitos humanos e do meio ambiente.

Fornecedores sem práticas de conformidade consolidadas tendem a ser preteridos por representar um risco corporativo relevante. Já para as empresas com programas consolidados, a tendência é ter uma vantagem na disputa por clientes e mercados e ganhar competitividade global.

O Brasil discute no Congresso Nacional sua própria norma sobre o tema. O Projeto de Lei 572/22, que cria o marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto, já vem sendo objeto de (necessária) discussão. A expectativa é que esse projeto de lei seja impactado pela nova diretiva.