A cada ano, em 9 de dezembro, comemora-se o Dia Internacional do Combate à Corrupção. Tradicionalmente, o governo federal divulga nessa data medidas relacionadas ao tema. Não foi diferente este ano. No último dia 9, a Controladoria-Geral da União (CGU) anunciou a assinatura do Decreto 12.304/24, que regulamenta os artigos 25, 60 e 163 da nova Lei de Licitações e Contratações Públicas (Lei 14.133/21).

Em resumo, o decreto aborda como os programas de integridade (também chamados de programas de compliance) afetarão os procedimentos licitatórios.

A Lei de Licitações dispõe que, nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto (atualmente contratos acima de R$ 239 milhões), o edital deverá exigir que o licitante vencedor implante programa de integridade no prazo de seis meses, contado da celebração do contrato. Entretanto, a ausência de regulamentação sobre qual seria o parâmetro de avaliação desses programas e como eles seriam avaliados impedia a aplicação dessa exigência.

A mesma lei também atribui aos programas de integridade duas outras funções nos processos de licitação pública:

  • Servir como critério de desempate entre dois ou mais licitantes; e
  • Ser condição indispensável para reabilitação de empresa previamente sancionada.

O novo decreto regula os parâmetros e critérios para avaliação do programa e as regras de sua fiscalização – que será feita pela CGU. Com isso, será possível aplicar efetivamente as três hipóteses previstas na Lei de Licitações em que é necessário avaliar o programa de integridade:

  • em todas as contratações de grande vulto;
  • quando ele é utilizado como critério de desempate; e
  • em todos os casos de reabilitação de empresa sancionada.

O decreto entra em vigor em 7 de fevereiro de 2025 e representa um grande avanço na regulamentação dos programas de integridade nas licitações públicas. A nova norma estabelece critérios claros e objetivos, relacionados à prevenção e à detecção e resposta a riscos de integridade decorrentes da interação com a Administração Pública, além daqueles referentes a sustentabilidade e direitos humanos.

Trata-se de um documento importante para profissionais que atuam nas áreas de compliance e de licitações. Sua publicação deverá provocar adequações nos programas de integridade das empresas que operam no Brasil.

A seguir, detalhamos os principais impactos trazidos pelo decreto.

O que muda nos programas de integridade


As empresas já tinham um parâmetro legal para avaliar programas de integridade, fornecido pelo artigo 57 do Decreto 11.129/22, que regulamentou a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13). Ocorre que esse decreto tratava de programas que poderiam ou não ser adotados. As empresas tinham a opção de simplesmente não adotar um ou mais itens, já que os programas serviriam apenas para minimizar eventuais sanções.

O novo decreto inova sobretudo ao determinar que todas as empresas com grandes contratos com a Administração Pública adotem e documentem um programa de integridade completo. Ou seja, o que era facultativo passa a ter caráter de obrigação legal.

No conteúdo, a inovação é menor. O artigo 3º do novo decreto reproduziu integralmente os 15 itens que o Decreto 11.129/22 considerava fundamentais em um programa de integridade.

Entre eles, o comprometimento da alta administração, padrões de conduta para colaboradores e terceiros, treinamentos, departamento dedicado a atividade de compliance, gestão de riscos, controles adequados, canais de denúncia e avaliação de terceiros.

As inovações concentram-se, assim, em três itens importantes, que inclusive ampliam o escopo do programa de integridade para além da prevenção da corrupção. Passaram a ser obrigatórios:

  • mecanismos específicos para assegurar o respeito aos direitos humanos e trabalhistas e a preservação do meio ambiente;
  • a transparência e a responsabilidade socioambiental, e
  • o monitoramento contínuo do programa de integridade para seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e no combate relacionados não apenas a atos lesivos praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, mas também de condutas que atentem contra os direitos humanos e trabalhistas e o meio ambiente.

Essas inovações já eram esperadas. A CGU tem destacado, nos últimos meses, que critérios de sustentabilidade, meio ambiente e direitos humanos são componentes essenciais de um programa de integridade, seguindo padrões que vão além da conformidade anticorrupção. Seu novo volume do guia Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas deixa isso claro (para mais informações sobre o novo guia da CGU, consulte nosso artigo).

Mesmo com a atual regulamentação, aguarda-se ainda que o ministro da CGU estabeleça a metodologia de avaliação e os critérios mínimos para considerar o programa de integridade como implantado, desenvolvido ou aperfeiçoado. A expectativa é que a regulamentação seguirá a linha que a CGU já tem aplicado para a avaliar programas no âmbito de processos punitivos da Lei Anticorrupção.

O que muda para empresas que já têm programas de integridade robustos


Para as empresas licitantes que já têm um programa de integridade implementado e consolidado, não haverá a necessidade de grandes ajustes. É fundamental, porém, realizar duas adequações:

  • Criar ou consolidar disposições relacionadas a sustentabilidade, meio ambiente e direitos humanos; e
  • Formalizar e documentar as iniciativas do programa, em especial seus mapeamentos de risco e medidas de monitoramento e revisão.

Sobre o primeiro ponto, o ato do ministro da CGU deverá trazer mais detalhes do que é esperado das empresas. Naquelas em que a área de integridade e a de ESG atuam de forma separada provavelmente será importante haver maior integração. Os documentos e políticas do programa precisarão atentar para riscos mais holísticos. Além disso, algumas iniciativas do programa demandarão ajustes, em especial a gestão de fornecedores.

Sobre o segundo ponto, como a maioria das empresas não tinha necessidade de comprovar a terceiros o estágio de desenvolvimento do seu programa (exceto os que enfrentaram processos punitivos ou buscaram selos de integridade), as iniciativas já em curso dificilmente estão adequadamente documentadas ou, caso estejam, não devem estar claramente formalizadas.

O novo decreto exige a elaboração de relatórios periódicos de perfil e maturidade, além de demandar que os responsáveis pelo compliance forneçam mais evidências do programa e de como ele se adequa ao risco e perfil do negócio.

Sobre essa questão, o novo decreto frisa que a avaliação do programa de integridade considera o perfil da empresa, ou seja, seu porte, estrutura de governança, o mercado e países em que atua, bem como sua exposição a risco na interação com o setor público. Isso se encaixa na tendência dos reguladores de buscar combater os chamados “programas de papel” ou “programas de prateleira”.

As empresas que já tiverem bons programas poderão contar com eles de forma mais objetiva, para buscar vantagem competitiva em procedimentos licitatórios, utilizando-os como critério de desempate.

Formalmente nada muda para as empresas que não participam de certames públicos. Mesmo assim, as (poucas) inovações que refletem as expectativas do regulador em relação aos programas de integridade devem indicar uma tendência: temáticas ESG possivelmente serão incluídas em outras avaliações feitas pela CGU, como aquelas referentes a processos punitivos e concessão do selo Pró-Ética.

Sobre o selo, aliás, ele deverá ganhar relevância, ao deixar de ser apenas um ativo de cunho reputacional para ter um valor jurídico mais palpável. Isso porque o novo decreto estabelece que os licitantes detentores do selo provavelmente ficarão dispensados de apresentar documentação comprobatória sobre seu programa.

Esse ponto deve incentivar mais empresas a buscar a certificação, que – com base nas últimas declarações da CGU – deverá ter seu nível de exigência elevado e passará a incluir obrigações em sustentabilidade e direitos humanos.

O que muda para empresas que não têm programas de integridade robustos


Para as empresas que participam de licitações – em especial de grandes contratos ou em condições de mercado em que um desempate possa ser necessário – e ainda não têm um programa de integridade, o novo decreto cria uma necessidade. A boa notícia é que elas têm seis meses a partir da celebração do contrato para implementar seu programa.