A Controladoria-Geral da União (CGU) publicou, em 29 de agosto, no Diário Oficial da União, a Portaria Normativa CGU 155/24, que revoga a Portaria Normativa CGU 19/22. O documento entrou em vigor na data de sua publicação e é extremamente importante para a dinâmica de compliance e combate à corrupção corporativa no Brasil.

A portaria aborda uma questão há muito tempo debatida nos ambientes de compliance: a possibilidade de resolução de casos da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) por uma via negocial diferente do acordo de leniência.

Como se sabe, os acordos de leniência instituídos pela Lei Anticorrupção representam uma importante figura jurídica para empresas que buscam as autoridades para autocomposição. Ocorre que sua celebração demanda requisitos específicos, como a novidade da situação confessada ou o fornecimento de novas evidências, documentos ou pessoas relacionadas à prática dos atos lesivos.

Assim, havia uma dificuldade para os casos em que a empresa desejava colaborar, mas esbarrava no fato de as próprias autoridades já terem todas as informações sobre o delito.

Considerando esses casos, a CGU criou em 2022 o instrumento do julgamento antecipado por meio da Portaria Normativa 19/22. Esse instrumento permitia à empresa fazer uma autocomposição com o Estado nos casos em que não cabia acordo de leniência.

Apesar de bem-sucedido – 88 julgamentos antecipados foram requeridos à CGU –, o instituto, porém, sempre apresentou alguns pontos discutíveis. O principal deles referia-se à necessidade de a empresa assumir culpa pelo ato lesivo e de ser efetivamente condenada por infração à Lei Anticorrupção.

A condenação com base na Lei Anticorrupção é um problema gigantesco para a maioria das empresas de grande porte. Geralmente, seus contratos com financiadores, investidores, clientes e até fornecedores têm cláusulas que estipulam consequências graves quando há esse tipo de condenação. Assim, mesmo querendo colaborar com as autoridades, essas empresas tinham um grande motivo para litigar com o Estado e, com isso, evitar a condenação ou mesmo adiar o trânsito em julgado.

O mesmo ocorre no caso de confissão de conduta indevida, já que essa confissão também poderia significar – além de crise reputacional – quebra de contratos e outras obrigações assumidas.

O novo instrumento publicado pela CGU trata justamente dessas questões. Em substituição ao julgamento antecipado, a CGU criou o termo de compromisso. Como seu antecessor, esse documento não será firmado quando for cabível a celebração de acordo de leniência. No entanto, o pedido de celebração de acordo de leniência poderá ser convertido em pedido de celebração de termo de compromisso por meio de requerimento da parte interessada.

Em uma de suas previsões mais importantes, a portaria alterou a dinâmica de condenação, aproximando a lógica da lei anticorrupção brasileira da norte-americana e dos termos de ajustamento de conduta celebrados pelo Ministério Público, nos quais os celebrantes não são condenados.

O novo instituto também eliminou a necessidade de a empresa confessar e prevê apenas que ela reconheça que tem responsabilidade pelo fato investigado, mudando a lógica de uma confissão de conduta por uma admissão de responsabilidade objetiva. Apesar de parecer uma mudança sutil, pode representar muito nos efeitos indiretos do acordo.

Além disso, a nova portaria trata de outras questões relevantes, como os patamares de redução de multa e a atenuação das sanções restritivas de licitar e contratar com o poder público. Também prevê a possibilidade de a CGU condicionar a celebração do termo de compromisso à exigência de que a empresa se comprometa a adotar, aplicar ou aperfeiçoar um programa de integridade.

Os pedidos de julgamento antecipado que ainda estavam em análise na data de entrada em vigor da nova portaria foram automaticamente convertidos em pedidos de celebração de termo de compromisso. A empresa pode desistir do ato no prazo de dez dias a contar da publicação da portaria.

Seguramente, a Portaria Normativa CGU 155/24 deve se tornar um dos instrumentos mais importantes para empresas envolvidas com processos punitivos da Lei Anticorrupção.