Em meio às comemorações de 10 anos da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13 – LAC), a Controladoria-Geral da União (CGU) tem organizado e participado de vários debates sobre o balanço da aplicação da lei até o momento e os próximos passos para sua implementação.

Neste breve artigo, pretendemos esclarecer as iniciativas já anunciadas e discutidas e os destaques do balanço. Nos próximos dias, publicaremos novos textos para aprofundar a discussão sobre cada um desses tópicos.

Balanço dos 10 anos da Lei Anticorrupção

Tanto entidades empresariais quanto governamentais concordam que a lei trouxe avanços institucionais importantes e que seu primeiro desafio – o de “pegar” – foi cumprido.

Os números de punições e os valores de multa impressionam, e é inegável que a LAC incentivou as empresas privadas a adotar programas preventivos (em pesquisa da Transparência Internacional com executivos de grandes empresas, divulgada em 31 de julho deste ano, 95% dos respondentes apontaram que LAC contribuiu para a adoção de programas de compliance).

É também consenso, porém, que há grandes desafios a serem enfrentados. Quando a Lava Jato começou, a imaturidade da LAC fez com que ela tivesse que ser aplicada em casos complexos antes que a estrutura para tanto estivesse pronta. Isso trouxe assimetrias, especialmente em conflitos de agência.

Além disso, há pouca segurança jurídica na interpretação de várias disposições da lei; estados e municípios ainda derrapam em sua regulamentação e aplicação; e o incentivo a programas de integridade ficou mais limitado às grandes empresas e multinacionais.

Principais mudanças anunciadas pela CGU

  • BNDES e CGU assinam acordo sobre exigências de compliance para tomadores de financiamento com o banco.

O BNDES vai seguir o exemplo da Nova Lei de Licitações – que obrigou contratados em licitações de alto valor a ter programas de integridade – e exigir que tomadores de crédito do banco tenham iniciativas maduras de compliance.

A norma que regulará a questão – um acordo de cooperação técnica entre BNDES e CGU – foi anunciada e o texto a ser publicado deverá trazer mais detalhes sobre o funcionamento prático e as consequências para as empresas.

O que já está claro é que o acordo impactará diretamente os grandes financiamentos do banco. As declarações do presidente do BNDES na assinatura do acordo deram algumas pistas sobre o que estará no texto:

  • o BNDES exigirá programa de compliance para qualquer financiamento acima de R$300 milhões;
  • esse programa deverá incluir não apenas controles anticorrupção, mas também medidas amplas de governança, transparência e, principalmente, promoção dos direitos humanas e sustentabilidade;
  • não bastará apenas uma autodeclaração de conformidade. Ou seja, haverá fiscalização sobre o cumprimento das medidas de compliance;
  • o banco atuará nos colegiados de que faz parte para defender que normas análogas também sejam adotadas pelos bancos privados.

Quando a norma for publicada formalmente, o Inteligência Jurídica trará mais detalhes. Por ora já é possível apontar que o acordo de cooperação da CGU com o BNDES representa um alerta para empresas que ainda não têm iniciativas de integridade, incentivando-as a se adequar às melhores práticas de mercado. Isso também demonstra que ainda há espaço de desenvolvimento e amadurecimento do mercado brasileiro sobre o tema. Nos últimos anos, nota-se um aumento da quantidade de leis que obrigam as empresas a adotar programas de compliance.

A disposição entrará em vigor já para o novo PAC e tem declarada inspiração na legislação francesa anticorrupção, a Sapin II, que prevê auditoria da agência reguladora no programa de compliance das grandes empresas do país, estabelecendo sanção não apenas por ato de quebra de integridade, mas também para fragilidade nos programas preventivos.

Por outro lado, a fiscalização causa preocupação. Vai ser necessário observar se o texto e a atuação dos órgãos reguladores possibilitarão uma apuração desses programas de modo material, ou seja, uma avaliação que não se atenha a uma lista de medidas formais, um checklist de compliance. Ao mesmo tempo, a norma não pode estar excessivamente aberta a ponto de dar tanta discricionariedade ao auditor que crie insegurança jurídica e opacidade do procedimento.

  • Selo Pró-ética vai passar a ter temas mais amplos relacionados a direitos humanos

A CGU assinou termo de cooperação com o Ministério dos Direitos Humanos para o novo selo Pró-ética, historicamente concedido a empresas com bons programas de compliance anticorrupção. Agora, o selo englobará temas relacionados ao cumprimento de boas práticas em direitos humanos, como o enfrentamento de condições de trabalho análogas à escravidão.

Embora essa medida fortaleça a agenda de direitos humanos, há uma preocupação de que a CGU possa aprofundar uma tendência de ampliar a aplicação da LAC a atos não relacionados a corrupção.

Nos próximos dias, o Inteligência Jurídica publicará um material específico sobre esse tema.

  • Inovações em acordos no âmbito de processos de responsabilização

O acordo de leniência é um dos institutos da LAC cuja aplicação sofre mais críticas. Ele foi pensado para os casos em que a empresa se anteciparia à autoridade e autodenunciaria questões desconhecidas. No entanto, esse instituto tem sido usado para situações em que a empresa quer fazer uma composição sem apresentar novas provas ou informações relevantes.

A CGU busca agora distinguir dois tipos de acordo:

  • Leniência, no qual a empresa tem inovações a trazer e, assim, ganha mais benefícios; e
  • Termo de compromisso, que se aplica quando a empresa não tem elementos inéditos de colaboração, mas deseja abrir mão de seus direitos de defesa para abreviar o processo.

A inovação está justamente no termo de compromisso, uma nova figura jurídica que a CGU colocou em consulta oficial e que deverá pautar os casos de julgamento antecipado.

Além disso, a CGU anunciou a publicação de um guia com orientações para a celebração dos acordos de leniência, algo bastante parecido com o que o Cade já faz em matéria concorrencial. Também foi criado um painel público para dar transparência ao cumprimento de acordos já assinados com empresas.

Esse tema será abordado com mais profundidade no Inteligência Jurídica nos próximos dias.