A Constituição Federal instituiu a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) – mais comumente conhecida como “royalties da mineração” – como contraprestação pela utilização econômica dos recursos minerais (bens da União) a ser arrecadada pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

Atualmente seu recolhimento cabe não apenas aos titulares de direitos minerários que exercem a atividade de mineração, como originalmente concebida, mas, de forma mais específica:

  • ao primeiro adquirente de bem mineral extraído sob o regime de permissão de lavra garimpeira;
  • ao adquirente de bens minerais arrematados em hasta pública; e
  • a quem exerça, a título oneroso ou gratuito, a atividade de exploração de recursos minerais com base nos direitos do titular original.

O regime atual, introduzido pela Lei 13.540/17, relaciona situações distintas que representam o fato gerador da CFEM, a partir das redações conferidas aos incisos I a V do artigo 2º da Lei nº 8.001/90, todas elas ligadas à exploração de recursos minerais.

Entre essas hipóteses, em duas delas o valor devido é calculado diretamente sobre o resultado da comercialização da produção das empresas mineradoras. É o que está previsto nos incisos I e III, que determinam a cobrança sobre a receita da venda e exportação da produção mineral.[1]

Em ambos os casos, a CFEM acaba seguindo metodologia típica dos tributos indiretos que atuam sobre as atividades mercantis. Ainda que não se trate de tributo, mas preço público,[2] também é sobre o faturamento que a cobrança será calculada, fazendo com que seu efeito econômico repercuta sobre o preço de venda da produção.

Na verdade, a mecânica dos encargos fiscais que incidem sobre as vendas, seja de natureza tributária ou não, tende a obedecer a um padrão, em que o valor destinado aos cofres públicos acaba sendo incorporado ao preço do produto e suportado pelo adquirente.

A semelhança entre os institutos também se revela na medida em que a pessoa jurídica responsável pela CFEM atua como espécie de intermediário entre o órgão arrecadador (ANM) e o comprador, já que o valor do encargo, recebido em um primeiro momento pela empresa mineradora, é subsequentemente repassada ao ente público, não se incorporando ao patrimônio da empresa.

A sistemática acima descrita leva à reflexão se a CFEM poderia ser considerada parte da receita do explorador dos recursos minerais ou se seria mero ingresso de caixa, a exemplo de como o ICMS foi interpretado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário 574.706, que resultou na tese de afastamento do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins.

Naquela oportunidade, os ministros reconheceram que o imposto estadual representaria apenas ingresso de caixa transitório, a ser repassado ao ente público, este sim destinatário final do numerário. Por isso, não representaria ingresso patrimonial capaz de gerar receita e, portanto, entendeu-se pela impossibilidade de compor a base de cálculo das contribuições federais.

Como se sabe, o entendimento jurídico prevalecente serviu de base para o surgimento de teses subsidiárias, ou “filhotes”, que reivindicam a exclusão de demais rubricas da base de cálculo do PIS e Cofins. Há casos, por exemplo, de julgamentos da Justiça Federal de São Paulo[3] e do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,[4] que admitiram a exclusão do PIS e da Cofins das suas próprias bases, apoiada na linha de raciocínio firmada no Tema 69.

Nesse contexto, parece adequado sustentar que, a exemplo do ICMS e de outros tributos indiretos, a CFEM não constitui receita de quem a recebe, já que esses recursos permanecem por tempo determinado sob posse do particular e, em seguida, são repassados ao erário, que deles se apropria de forma definitiva.

Além disso, a exigência de PIS e Cofins sobre a CFEM pode ser interpretada como um duplo ônus imposto às empresas mineradoras que, adicionalmente à contraprestação pela exploração do minério, se veriam diante do aumento da carga tributária.

Logo, ao nosso ver há bons elementos para sustentar a exclusão dessa rubrica da base de cálculo do PIS e da Cofins devidos pelas empresas exploradoras de recursos minerais.

O que se constata, neste panorama, é que empresas mineradoras obrigadas ao pagamento de CFEM podem, em dadas circunstâncias, buscar alternativas para atenuar o impacto tributário, ao questionar judicialmente a obrigatoriedade desse encargo.

 


[1] Art. 2º As alíquotas da CFEM serão aquelas constantes do Anexo desta Lei, observado o limite de 4% (quatro por cento), e incidirão: (Redação dada pela Lei 13.540, de 2017)

I - na venda, sobre a receita bruta da venda, deduzidos os tributos incidentes sobre sua comercialização; (Incluído pela Lei 13.540, de 2017)

(....) III - nas exportações, sobre a receita calculada, considerada como base de cálculo, no mínimo, o preço parâmetro definido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, com fundamento no art. 19-A da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e na legislação complementar, ou, na hipótese de inexistência do preço parâmetro, será considerado o valor de referência, observado o disposto nos §§ 10 e 14 deste artigo; (Incluído pela Lei 13.540, de 2017) Vigência

[2] Conforme reafirmado pela jurisprudência do STF, mais recentemente na ADI 4.146, de 9 de outubro de 2019.

[3] Mandado de Segurança 5003772-59.2021.4.03.6100, julgado pela 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, em 11 de agosto de 2021.

[4] TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApReeNec - Apelação/Reexame necessário – 5022842-67.2018.4.03.6100, rel. desembargador federal Andre Nabarrete Neto, julgado em 19 de dezembro de 2019, intimação via sistema. Data: 20 de janeiro de 2020

[5] Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (...) I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: (...) II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens (....) §1º Observado o disposto no § 15 deste artigo, o crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no caput do art. 2o desta Lei sobre o valor: I - dos itens mencionados nos incisos I e II do caput, adquiridos no mês;

[6] Segundo regras do artigo 3º, §2º, II, da Lei 10.833 e do artigo 3º, §2º, II, da Lei 10.637/02.

[7] Apelação/Remessa necessária – 08173623420204058300. Órgão: Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Rel. desembargador federal Marcos Antonio Garapa De Carvalho (convocado). Julgado em 20 de julho de 2021.