A responsabilidade é o instituto jurídico que permite ao fisco exigir o pagamento de um tributo de pessoa não qualificada como contribuinte. De acordo com o artigo 121 do Código Tributário Nacional (CTN, pode ser sujeito passivo aquele que, não se revestindo na condição de contribuinte, tem a obrigação de pagar em razão de disposição expressa de lei. Trata-se de um mecanismo importante para garantir a arrecadação de tributos, que atribui a terceiro, complementarmente ou solidariamente, a obrigação de pagar.
Uma das hipóteses legais de imputação de responsabilidade está prevista no artigo 135, III, do CTN.[1] O dispositivo determina que os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos tributários resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Ou seja, estabelece uma determinação legal que atribui a terceiro – diretor, gerente ou representante – a obrigação de responder solidariamente pelos débitos apurados e devidos pela pessoa jurídica.
Nos últimos anos, tem-se notado um aumento considerável nas autuações com atribuição de responsabilidade solidária a gerentes e diretores: a imputação da responsabilidade do corpo diretivo passou a ser utilizada como elemento de pressão para o recolhimento do eventual tributo devido pela pessoa jurídica. Consequentemente, esse tema passou a ser mais frequente nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Um exercício simples, utilizando a expressão "responsabilidade e gerente e 135" na ferramenta de busca do Carf, detecta esse crescimento da relevância do tema. Tomando como base o período de 1966 – ano da publicação do CTN – a 2020, ou seja, um período de 44 anos, é possível localizar um pouco mais de 160 acórdãos que utilizaram a expressão mencionada. Já de 2020 a 2025, ou seja, na curta janela dos últimos cinco anos, a busca pela mesma expressão localiza quase 180 acórdãos, sendo 80 deles apenas em decisões publicadas no último ano.
Não é preciso fazer uma investigação científica para constatar que esse tema está cada vez mais presente na jurisprudência do órgão administrativo e, evidentemente, nas fiscalizações em geral.
Entendimentos nas turmas do Carf
Examinando os julgamentos das três seções do Carf, percebe-se que os contribuintes têm questionado a validade da extensão dessa responsabilização. Os argumentos se relacionam, principalmente, à ausência de prova suficiente e apta para demonstrar a situação excepcional que admite a responsabilização do terceiro.
A discussão está centrada na efetiva comprovação de uma atuação com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
De fato, considerando os limites colocados pelo legislador, a obrigação do diretor, gerente ou representante só ocorre quando esse atua com excesso de poderes ou infringe a lei ou contrato social, o que resulta na conclusão de que o tema termina sendo matéria intrinsecamente ligada à prova.
A jurisprudência do Carf, portanto, se revela bastante casuística, já que depende da análise das circunstâncias e especificidades de cada caso concreto.
De qualquer forma, há conceitos gerais que podem ser extraídos das decisões do tribunal administrativo, assim como há critérios mais comuns nas discussões envolvendo a responsabilização pelo artigo 135, III, do CTN.
Nesse contexto, os principais critérios analisados pelo Carf são:
- a suficiência do auto de infração em relação à obrigação de individualizar a conduta dos administradores e diretores;
- a possibilidade de responsabilização dos administradores "de fato", em detrimento do administrador de direito; e
- os elementos que vão demostrar a ilicitude dos atos praticados, com as evidências de atuação com dolo, fraude ou simulação.
Um exemplo recente de julgamento no Carf sobre essa matéria é o acórdão 9101-007.216,[2] proferido pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais. O órgão colegiado afastou a responsabilização de diretores e administradores de uma empresa que deixou de recolher o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre remessas ao exterior. Entendeu-se que:
- a fiscalização não individualizou a conduta de cada responsável, limitando-se a indicar que eles ocupavam cargos de direção na empresa; e
- não houve a caracterização de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. O que ocorreu foi uma exigência fiscal com base em uma divergência entre o fisco e o contribuinte sobre a interpretação da lei.
Assim, a 1ª Turma da CSRF concluiu que não era possível responsabilizar os diretores baseado no artigo 135, III, do CTN.
No acórdão 9202-011.436, proferido pela 2ª Turma da CSRF, a discussão girou em torno da possibilidade de atribuir ao administrador de fato da empresa a responsabilidade solidária prevista no artigo 135, III, do CTN.
O colegiado entendeu, por unanimidade, que o dispositivo não exige que a pessoa seja formalmente qualificada como administrador. A expressão utilizada pelo legislador, segundo esse entendimento, se limitou a reconhecer a possibilidade de obrigar “diretores, gerentes ou representantes de pessoa jurídica de direito privado”, o que compreenderia pessoas que não tivessem formalmente investidas nos cargos de diretores ou gerentes (evidentemente, desde que comprovado o poder de gerência)
Essa mesma turma já havia decidido pela manutenção da reponsabilidade expressa no artigo 135, III, do CTN a sócio de fato, no acórdão 9202-010.398. A questão se referia a procedimento fiscal oriundo da Operação Lava Jato.
Já o acórdão 9303-015.281, proferido pela 3ª Turma da CSRF, manteve a responsabilidade solidária de diretores e administradores de uma empresa que deixou de recolher o PIS e a Cofins sobre determinadas receitas consideradas omitidas.
No acórdão, a turma entendeu que os responsáveis participaram de um esquema de sonegação fiscal, por meio da emissão de notas fiscais falsas e da utilização de empresas interpostas, infringindo assim a lei. Dessa forma, concluiu pela aplicação da hipótese do artigo 135, III, do CTN, mantendo a atribuição da responsabilidade ao sócio administrador.
Em outro julgado, o acórdão 9303-013.113, a mesma 3ª Turma entendeu, por maioria, que a constituição artificial de nova pessoa jurídica, para a qual era transferida parte das receitas de outras empresas do grupo econômico apenas para buscar benefícios tributários, atende ao pressuposto necessário à aplicação do art. 135, III, do CTN. Entendeu-se, portanto, que houve infração da lei.
Cabe destacar que há um posicionamento bastante reiterado que a simples insuficiência do recolhimento não representa infração à lei (acórdãos 1102-001.577, 1202-001.504, 1101-001.399, entre outros).
Seguindo a Súmula 430 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”, o Carf afasta a obrigação quando a fundamentação está pautada em mera insuficiência ou ausência de recolhimento decorrente de divergência de interpretação de lei tributária. As decisões demonstram o entendimento do órgão de que a fiscalização deve buscar elementos que demonstrem uma conduta deliberada do diretor ou gerente para evitar o cumprimento da obrigação tributária.
Também merece destaque o acórdão 2202-010.697, no qual o conselheiro Thiago Buschinelli Sorrentino proferiu um voto importante – seguido por todos os membros do colegiado. O conselheiro indicou os critérios para a atribuição da responsabilidade do artigo 135, III, do CTN.
Na ocasião, o relator frisou que negligência, imprudência, imperícia ou simples leitura dos textos legais, que leve a uma interpretação rechaçada pelas autoridades fiscais, não são critérios válidos para estender a responsabilidade tributária aos administradores das pessoas jurídicas.
Para a aplicação do artigo 135, III, do CTN, cabe à autoridade fiscal indicar precisamente o nexo de causalidade entre condutas supostamente praticadas pelas pessoas físicas – além da supressão ou redução indevida de tributos feita de forma intencional.
Diante desse cenário, é possível perceber que o confronto entre contribuinte e fisco está muito ligado a questões de fato, que demandam uma análise criteriosa e fundamentada de cada caso.
A responsabilização de diretores, gerentes e representantes é a exceção à regra geral. Por isso, só pode existir quando a atuação com excesso de poderes ou infração à lei forem suficientemente e especificamente comprovadas.
O Machado Meyer está à disposição para auxiliar a compreender todas as especificidades relacionadas ao tema e a interpretação da legislação tributária.
[1] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no artigo anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
[2] “Não basta a pessoa integrar o quadro societário, deve restar demonstrado que possui poderes de gestão, seja mediante atos de constituição da sociedade empresária (contratos sociais, estatutos, por exemplo), ou, quando se tratar de sócio de fato, em provas demonstrando a efetiva atuação em nome da empresa”.